Quentin Tarantino: violência e humor | Maurício Dias | Digestivo Cultural

busca | avançada
70683 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Documentário 'O Sal da Lagoa' estreia no Prime Box Brazil
>>> Mundo Suassuna viaja pelo sertão encantado do grande escritor brasileiro
>>> PEGADAS DA GÁVEA VAI MOVIMENTAR O BAIRRO DE 26 A 28 DE ABRIL
>>> Ole! Feira Flamenca completa 15 anos com programação especial em SP
>>> Desenhos de Bruno de Abreu sugerem memórias sem linearidade narrativa
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Os Melhores Trailers do Cinema
>>> Tempo vida poesia 1/5
>>> Fractais Sertanejos
>>> O Conselheiro também come (e bebe)
>>> Diploma ou não diploma... não é esta a questão
>>> Minha casa, sua casa
>>> Linger by IMY2
>>> A hora certa para ser mãe
>>> Cenas de abril
>>> Por que 1984 não foi como 1984
Mais Recentes
>>> Livro Astronomia de Régua e Compasso de Kepler e Ptolomeu Coleção Universus de Marcos César D Neves e Outro pela Papirus (2001)
>>> Livro Literatura Estrangeira Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley pela Globo (2003)
>>> Livro uto Ajuda Não Desista de Você Um Manual De Superação de Ivan da Cunha pela Educacional Livros (2012)
>>> 1000 Lugares Para Conhecer Antes De Morrer de Patricia Schultz pela Sextante
>>> Profetas do Passado de Jalusa Barcellos pela Record (2016)
>>> Livro Economia Sobreviva na Bolsa de Valores de Maurício Hissa pela Campus (2024)
>>> Crítica e Profecia - a Filosofia da Religião Em Dostoievski de Luiz Felipe Pondé pela 34 (2003)
>>> Livro Auto Ajuda Mãe sem Manual de Rita Lisauskas pela Belas Letras (2024)
>>> Globalização de George S. Yip pela Senac
>>> Livro Pedagogia Dicionário de Alfabetização Vocabulário de Leitura e Escrita de Theodore L. Harris e outros pela Artmed (1999)
>>> Caminhos da Musicoterapia de Even Ruud pela Summus (1990)
>>> Livro Ficção Cientifica A Canção de Tróia de Colleen Mccullough pela Bertrand Brasil (2002)
>>> Livro Esportes Lazer e Esporte Coleção Educação Física e Esportes de Nelson Carvalho Marcellino pela Autores Associados (2001)
>>> A Energia Espiritual de Henri Bergson pela Martins Fontes (2009)
>>> Livro de Paulo Mendes e Outros pela Ática (2011)
>>> Gilles Deleuze - o Pensador Nômade de Regina Schopke pela Edusp (2004)
>>> Livro Literatura Brasileira Cronicas de Viagem 2 de Cecília Meireles pela Nova Fronteira (1999)
>>> Livro Psicologia Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem Coleção Educação Crítica de L.S. Vigotskii e outros pela Ícone (1988)
>>> Em Defesa do Preconceito - a Necessidade de Ter Ideias Preconcebidas de Theodore Dalrymple - Maurício G. Righi Tradução pela É Realizações (2015)
>>> Livro Infanto Juvenis O Ladrão de Raios Percy Jackson e os Olimpianos de Rick Riordan pela Intrinseca (2009)
>>> Livro Psicologia Liberdade sem Medo de A. S. Neill pela Ibrasa
>>> O Mais Potente dos Afetos: Spinoza e Nietzsche de André Martins pela Martins Fontes (2009)
>>> Livro Crítica Literária A Literatura e o Leitor de Vários Autores pela Paz e Terra (1979)
>>> Contra a Servidão Voluntária - Volume I de Marilena Chauí pela Autêntica (2013)
>>> Livro Ensino de Idiomas Aroud the World in Eighty Days Dominoes Startes de Jules Verne pela Oxford (2002)
COLUNAS

Terça-feira, 29/7/2003
Quentin Tarantino: violência e humor
Maurício Dias
+ de 10200 Acessos

“What happened like when you start out acting, you gotta have a résumé. And uh, if you ain't done nothin. It's like the thing is, you can't write nothin. Allright, because people aren't gonna pay attention to that. So you gotta lie. Allright. And uh, I had a better look at it then most, because I kinda knew a lot about movies. I was a fan of the Jean-Luc Godard, and he just had a movie come out from Cannon back in the 80's or something called King Lear. Woody Allen is in it for like a moment, and Molly Ringwald's in it. And I saw it, and it's like there is no way in HELL anyone is ever gonna see this movie. So I wrote down, you know, under film or motion pictures. I wrote motion pictures on my résumé(...)”

[O que acontece é que: quando você está começando a trabalhar como ator, você tem que ter um currículo. E se você ainda não fez nada? É aquela coisa: você não vai lá e escreve “não fiz nada”. Então você tem que mentir. Digamos que eu tinha uma bagagem melhor do que a da maioria, porque sabia muita coisa sobre filmes. Eu era fã de Jean-Luc Godard, e me lembro que ele havia feito um filme para a produtora Cannon, nos anos 80, chamado Rei Lear. Woody Allen tem uma participação pequena nele, e Molly Ringwald também trabalha. Como eu o havia visto, e como não havia ninguém para verificar a informação, resolvi incluí-lo no meu currículo.]

Quentin Tarantino em entrevista a Jay Leno

Quentin Tarantino (n. 1963) dirigiu apenas três filmes de longa metragem e um episódio de dez minutos - a única coisa que se salvava - no pavoroso "Grande Hotel". Seria um pouco cedo, portanto, para incluí-lo numa coluna que deveria ser sobre “Grandes Cineastas”. Com certeza, há muita gente mais gabaritada, cujos nomes mereceriam aparecer antes do dele. Mas seus filmes têm uma tal coerência temática e estrutural (ainda que careçam de profundidade) que podemos desde já considerá-lo um inovador da linguagem cinematográfica.

Tanto "Cães de Aluguel" quanto "Pulp Fiction" mostram a fragmentação da unidade temporal: as histórias não são contadas de forma clássica (começo, meio e fim), mas através de idas e vindas no tempo. Um recurso já existente, o qual Tarantino utilizou de forma engenhosa – e que gerou imitações por vezes exaustivas.

"Cães de Aluguel" tem muito de sua ambientação inspirada nos filmes barra-pesada de Martin Scorsese – "Taxi Driver", "Caminhos Perigosos" e "Os Bons Companheiros". Embora estes filmes se passem sempre em Nova York, e os de Tarantino em Los Angeles, os personagens guardam semelhanças entre si: estão imersos em ambientes sórdidos, boçalidade e numa violência que, de tão constante, se torna banal. Só o que têm é a “sabedoria das ruas” para ganhar dinheiro da forma que der e voltar pra casa em segurança. O próprio Tarantino paga tributo a Scorsese ao se utilizar de atores que brilharam com o diretor nova-yorkino (Harvey Keitel ou Robert de Niro).

Os diálogos de Tarantino repetem bem o vazio existencial e intelectual dos personagens encontrados em Scorsese, só que fazem isso de forma muito mais bem-humorada. O célebre diálogo sobre hambúrgueres entre Travolta e Samuel L. Jackson no início de "Pulp Fiction" é uma hilária sátira à jequice americana. Um caminho que também tem paralelo nos irmãos Coen - os quais, em Fargo, já mostram que, como nove entre dez diretores de Hollywood, absorveram algo de Tarantino. E esta influência não se faz sentir só em Hollywood. Os primeiros trabalhos dos ingleses Danny Boyle e Guy Ritchie (o Sr. Madonna Ciccone) têm nitidamente o estilo de Tarantino. O paulista Beto Brant também bebeu nesta fonte em seus longas, ainda que mais moderadamente. E o personagem “Zé Pequeno” de "Cidade de Deus" lembra muito, até no penteado, o Samuel L. Jackson de "Pulp Fiction".

Este vazio existencial que, se formos olhar bem, já existia no cinema marginal brasileiro. Filmes como o ótimo (e mucho loco) "O Bandido da Luz Vermelha" (Rogério Sganzerla, 1968) já têm esta preocupação de desglamourizar os personagens, mostrando-os como boçais vazios e ignorantes. Excluindo-se as comédias, em quase todos os filmes até a década de 60, quando havia um vilão, este era um gênio do mal – exceção feita a “A Marca da Maldade” (1958), de Orson Welles, onde o vilão interpretado por Akim Tamiroff é totalmente patético. E o próprio Welles, o vilão-mor do filme, tem que ouvir de Marlene Dietrich uma zombaria sobre seu excesso de peso.

Ou seja, esta lição sobre o lado banal do mal (Hannah Arendt transposta para a tela?) já estava dada há muito tempo, mas com Quentin Tarantino ela chegou ao mainstream do cinema americano, sendo reproduzida por astros de contracheques de sete dígitos.

Há algo que possa ser chamado de "arte" nestes filmes? Isto depende do conceito do que seja arte. Mas que são muito divertidos, e bem realizados dentro do que se propõe, não há dúvida. E Tarantino mostra em seus filmes também a interação das pessoas banais com a cultura de massas. Na trilha sonora, rock e soul da pesada; nas imagens e diálogos, referências ao cinema e aos quadrinhos. Em "Cães de Aluguel", o personagem de Tim Roth tem um poster do Surfista Prateado em seu quarto, e ao descrever a um amigo o chefe dos vilões, afirma ser ele fisicamente semelhante ao “Coisa”, do Quarteto Fantástico. Em "Pulp Fiction", o personagem de Travolta é viciado (entre outras coisas) em quadrinhos de Modesty Blaise. Há também a hilária lanchonete temática onde toda a ambientação é ligada a astros de rock ou do cinema. E tome John Travolta dançando de novo, como nos anos 70. Em "Jackie Brown", temos uma personagem secundária, uma prostituta negra, que imita as divas da era da disco. E no papel-título, o diretor resgata do limbo a estrela dos filmes feitos para o público negro americano nos anos 70, Pam Grier. Mais cult impossível.

Antes de poder dirigir seus filmes, Tarantino trabalhou numa vídeo-locadora, onde pôde adquirir uma certa "cultura cinematográfica" (sic) – deve ter sido nesta época que ele viu o filme chinês que “inspirou” Cães de Aluguel.

Mas, aliado a este gosto pelo lado mais “bronco” da vida, o diretor mostra uma capacidade para desenvolver fina ironia. A passagem em flashback onde Tim Roth vai aos poucos construindo seu personagem de falso bandido em Cães de Aluguel é uma tremenda paródia a um ator construindo um personagem. O seriado que a personagem de Bridget Fonda assiste continuamente em Jackie Brown, onde garotas de biquíni atiram com metralhadoras, é definitivamente patético. E Samuel L. Jackson (que interpreta um traficante de armas) comenta: - Estas armas que elas estão usando são uma merda, travam toda hora. Mas é só botar numa porra de um filme que todo traficante quer uma igual.

O diretor denuncia a propaganda veiculada neste gênero de filmes, ao mesmo tempo em que satiriza nesta fala toda a mística de Hollywood, o poder de manipulação e propaganda da fábrica de sonhos: a farsa é tão boa que engana até os criminosos. O que nos faz lembrar que, nos anos 30, gangsters da vida real copiavam os gestos feitos por George Raft e Edward G. Robinson na tela.

Um dos principais defeitos de Tarantino é não saber escolher parceiros e se misturar com gente de terceira classe, como o vazio Tony Scott ou o demagogo Oliver Stone.

A brutalidade despudorada de "Pulp Fiction" praticamente enterrou os filmes dos Stallones e dos Van Dammes da vida. A cena em que Bruce Willis vai procurando objetos mais e mais contundentes para agredir os dois maníacos é sintomática de como se passou uma década inteira tentando levar mais e mais violência ao espectador. Depois do martelo, o taco de baseball, e então a moto-serra... como levar a violência a sério depois de tudo isso?

Agora ficamos todos esperando pelo próximo trabalho do diretor, "Kill Bill", uma “aventura de artes marciais”, e que talvez acabe sendo dividido em dois filmes.


Maurício Dias
Rio de Janeiro, 29/7/2003

Quem leu este, também leu esse(s):
01. As Vacas de Stalin, de Sofi Oksanen de Ricardo de Mattos
02. Mulher-Flamingo de Marilia Mota Silva
03. Billy Wilder: o mestre do cinema, parte I de Gian Danton
04. O cânone na berlinda de Luiz Rebinski Junior
05. O diabo existe, e é bom de Alexandre Ramos


Mais Maurício Dias
Mais Acessadas de Maurício Dias em 2003
01. A obra-prima de Raymond Chandler - 21/1/2003
02. Picasso e Matisse: documentos - 10/6/2003
03. Uma teoria equivocada - 14/10/2003
04. Quentin Tarantino: violência e humor - 29/7/2003
05. Por onde anda a MPB atualmente? - 20/5/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Architecture in Detail - New York
Marcia Reiss
Prc
(2003)



Atividade artística nas igrejas do pilar e de Sant'Ana da cidade do Salvador
Carlos Ott
Universidade Federal da Bahia
(1979)



Arena dos Tempos
Robson C. Tinoco
Horizonte
(2016)



Autoengano
Eduardo Giannetti
Companhia de Bolso
(2005)



La Cour Internationale de Justice
Jose Maria Sert
La Haye
(1996)



Anuario Antropologico 83
Roberto Cardoso de Oliveira
Ufc
(1985)



Poder e Comércio - A Política Comercial dos Estados Unidos
Tullo Vigevani, Filipe Mendonça e Thiago Lima
Unesp
(2018)



A Montanha de Deus
Maria Fialho Pereira
Pallotti
(1988)



Curso Didático de Enfermagem 1 2 e 3
Andréa Porto
Yendis



Para Gostar De Ler, Cenas Brasileiras
Rachel De Queiroz
Ática
(2024)





busca | avançada
70683 visitas/dia
2,0 milhão/mês