Carnaval, Gilberto Freyre e a democracia racial | Aline Pereira | Digestivo Cultural

busca | avançada
57030 visitas/dia
1,3 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Hebraica recebe exposição de Victor Brecheret
>>> SHOPPING GRANJA VIANNA TRAZ GUI MONTEIRO E CONVIDADOS ESPECIAIS PARA A PROGRAMAÇÃO DO SOM NA PRAÇA
>>> Omodé: O Pequeno Herói Preto no Sesc Bom Retiro
>>> Estímulo Mostra de Dança do 40º Festival de Dança de Joinville trará para o palco do Juarez Machado
>>> Sesc Sorocaba apresenta Nas Águas do Imaginar com a Companhia de Danças de Diadema
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Charges e bastidores do Roda Viva
>>> Diogo Salles no Roda Viva
>>> Pulp Fiction e seus traços em Cocaine Bear
>>> Rabhia: 1 romance policial moçambicano
>>> Nélio Silzantov e a pátria que (n)os pariu
>>> Palavras/Imagens: A Arte de Walter Sebastião
>>> Rita Lee Jones (1947-2023)
>>> Kafka: esse estranho
>>> Seis vezes Caetano Veloso, por Tom Cardoso
>>> O batom na cueca do Jair
Colunistas
Últimos Posts
>>> Interney sobre inteligência artificial (2023)
>>> Uma história do Yahoo! (2014)
>>> O Lado B da MTVê
>>> A história de Roberto Vinháes (2023)
>>> Something About You (Cary Brothers & Laura Jansen)
>>> Uma história do Airbnb (2023)
>>> Vias da dialética em Platão
>>> Uma aula sobre MercadoLivre (2023)
>>> Lula de óculos ou Lula sem óculos?
>>> Uma história do Elo7
Últimos Posts
>>> Não esqueci de nada
>>> Júlia
>>> Belém, entre a cidade política, a loja e a calçada
>>> Minha Mãe
>>> Pelé, eterno e sublime
>>> Atire a poeira
>>> A Ti
>>> Nem o ontem, nem o amanhã, viva o hoje
>>> Igualdade
>>> A baleia, entre o fim e a redenção
Blogueiros
Mais Recentes
>>> One Click, a História da Amazon, de Richard L. Brandt
>>> Vamos Banir os Aplausos
>>> A crise segundo Marcel Telles
>>> Seis vezes Caetano Veloso, por Tom Cardoso
>>> Sobre caramujos e Omolu
>>> Dialogando com o público leitor
>>> Dialogando com o público leitor
>>> O Filho da Noiva
>>> Os superdotados
>>> Culture to Digest
Mais Recentes
>>> The American Woman's Garden de Rosemary Verey e Ellen Samuels pela New York Graphic Society (1984)
>>> Europe: A History de Norman Davies pela Pimlico (1997)
>>> A Gênese de Nova Friburgo - Emigração e Colonização Suíça no Brasil de Martin Nicoulin pela Biblioteca Nacional (1996)
>>> Psicomotricidade : da Educação Infantil À Gerontologia - Teoria & Prática de Carlos Alberto Mattos (organizador) pela Lovise (2000)
>>> M, o Filho do Século de Antonio Scurati pela Intrinseca (2019)
>>> State and Opposition in Military Brazil de Maria Helena Moreira Alves pela University Texas Press (1988)
>>> Psicomotricidade Relacional Pratica Clinica e Escolar de Suzana Veloso Cabral pela Revinter (2001)
>>> Alegria e Triunfo de Lourenco Prado pela Pensamento (1989)
>>> Os Elefantes não esquecem capa dura de Agatha Christie pela Circulo do Livro (1999)
>>> Assassins Cred Irmandade de Oliver Bowden pela Galera (2013)
>>> Atenção Plena: Mindfulness de Mark Williams e Danny Penman pela Sextante (2015)
>>> O Casório de Marian Keyes pela Bertrand Brasil (2005)
>>> A Droga da Obediência de Pedro Bandeira pela Moderna (2002)
>>> Madame Bovary (foto Ilustrativa) de Gustave Flaubert pela Nova Alexandria (2007)
>>> A Ilha Perdida de Maria José Dupré pela Ática (1980)
>>> A Cabana de William P Young pela Sextante (2008)
>>> O repouso do Guerreiro de C Rochefort pela Abril (1980)
>>> Na cortina do Tempo de Edgard Armond pela Aliança (1978)
>>> Guia de Passeios São Francisco de Publifolha pela Publifolha (2010)
>>> Entropia de Alexandre Marques Rodrigues pela Record (2016)
>>> Sangue Fresco de João Carlos Marinho pela Gaudi (2011)
>>> Introdução a administração de Antonio Cesar Amaru Maximiano pela Atlas (2000)
>>> Metodologia Científica de Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos pela Atlas (2004)
>>> Tratado de Metodologia Cientifica de Silvio Luiz de Oliveira pela Pioneira (1999)
>>> Luz Fria de Marcos Gomes pela Patua (2005)
COLUNAS

Quarta-feira, 3/3/2004
Carnaval, Gilberto Freyre e a democracia racial
Aline Pereira
+ de 9400 Acessos
+ 1 Comentário(s)

O ideal teria sido publicar este texto um pouco antes do Carnaval, para fazer jus ao clima de euforia que contagia quase todos os foliões. Peço desculpas aos leitores pelo sumiço, mas fui acometida por uma indisposição gástrica que me rendeu alguns dias de cama e de descanso forçado. Não pulei o Carnaval, portanto. E nem pularia, por conta de uma única razão: a festa já não é mais a mesma. Não faz muito tempo que o apelo popular se rendeu à lógica da maior emissora brasileira, e que a passarela do samba transformou-se em uma extensão da Rede Globo.

Recentemente, José Jorge de Carvalho, pesquisador do departamento de Antropologia da Universidade Federal de Brasília, publicou um artigo no qual desmistifica a idéia de que o carnaval brasileiro seja uma festa democrática. Por meio do site da revista Ciência Hoje pude chegar à "Realidade e miragem, injustiça e prazer", texto que também está disponibilizado na homepage da UnB.

Carvalho afirma que as desigualdades sociais e raciais brasileiras são evidenciadas durante a festividade. Arrisco dizer, pelo que li, que o autor provavelmente também discorda da teoria da "democracia racial" de Gilberto Freyre (1900-1987), em voga durante a primeira metade do século XX. Quando escreveu Casa Grande e Senzala, em 1933, o intelectual pernambucano fez uma rica e preciosa descrição das relações sociopolíticas e econômicas do Brasil. Um clássico, polêmico até os dias atuais, Casa Grande e Senzala - uma das obras mais divulgadas e traduzidas no mundo - é uma metáfora de um país ainda incipiente, mas desde os primórdios, rico em contradições.

Freyre inovou quanto às idéias e à escrita que não cedeu aos tabus de ordem moral do início dos anos 30. O autor escreveu "gostosamente" acerca da formação do Brasil, sob os alicerces da família patriarcal e do paternalismo. Ele atribuiu ao sexo nos trópicos um valor excessivo, sendo a miscigenação um dos pontos altos da colonização portuguesa. Para Freyre, este colonizador foi o menos europeu dos europeus, pois a partir de sua ascendência moura e judia pode desprender-se da "terra natal" e adaptar-se muito bem ao clima dos trópicos. Isto contribuiu para a "miscibilidade" - termo caro ao autor. Esta, somada à necessidade de povoação e ocupação do território, é uma explicação de por que os portugueses não hesitaram em envolver-se sexualmente com índias e negras.

Para a década de 1930, a obra de Freyre foi inovadora não somente a partir da linguagem, mas também porque o autor esteve imbuído de uma sensibilidade que lhe permitiu distinguir "raça" de "cultura", numa época em que elas não eram indissociáveis. Ele não atribuiu à miscigenação - ao contrário de seus contemporâneos, Paulo Prado e até mesmo Manuel Bomfim - as mazelas do povo brasileiro. Os nossos "males de origem", segundo Freyre, são explicáveis a partir da carestia de alimentos (fartamente disponibilizados somente para os dois extremos da "pirâmide social") e também pela própria "sifilização" da colônia. Freyre afirmou que o Brasil sifilizou-se antes mesmo de civilizar-se, uma vez que a doença chegara a colônia juntamente com os portugueses.

Nas passagens em que comenta sobre a disseminação da sífilis na colônia, veremos que o sexo não é explicado simplesmente a partir de relações amistosas. Muitos homens exibiam a marca de sífilis no corpo como se essa fosse um sinal de virilidade, de poder. Disse o autor, que na época, um ótimo remédio para curá-la seria desvirginar uma negrinha. Tal afirmação nos permite perceber a contradição na perspectiva de Freyre quanto à democracia racial, que tende a minimizar o racismo brasileiro. Tendo considerado a colonização do Brasil menos preconceituosa e mais açucarada do que a norte-americana, por exemplo, é sabido hoje que o autor pernambucano exagerou e equivocou-se bastante quanto à percepção docilizada das relações "senhor-escravo". A presença do sexo entre portugueses e negros ou índios não significava a ausência do racismo, tampouco, a idealização de uma igualdade entre os pares.

Guardadas as devidas proporções, as desigualdades vêm à tona durante o Carnaval - época em que o apelo ao sexo, midiaticamente explorado, é maior. Ainda que esteja presente e latente durante os outros dias do ano, é na explosão das festividades "profanas" que evidenciamos os contrastes e desigualdades brasileiras. Como disse Carvalho, desde os séculos passados, "tanto nas capitais como nas cidades do interior, os clubes sociais tidos como 'melhores' excluíam os negros e os pobres, que festejavam o carnaval nas ruas e em clubes humildes, em geral situados nas periferias e nos bairros populares".

De acordo com o autor, esta segregação acentuou-se, com o decorrer dos anos, principalmente quanto ao quesito "poder aquisitivo": se antes somente alguns podiam freqüentar os luxuosos salões da sociedade, ainda hoje, somente poucos podem comprar fantasias (ou "abadas") "módicas", que variam entre trezentos e quinhentos reais, e/ou refestelar-se nos camarotes mantidos pelas grandes marcas de cerveja, enquanto a massa, solidária, é comprimida e compartimentada nas arquibancadas -"setorizando" os espaços do carnaval a partir do preço do ingresso (ou da notoriedade do individuo. Se você não for um Big Brother, talvez não tenha acesso a área vip da Sapucaí...).

Recentemente, um jornal carioca divulgou que alguns blocos tradicionais não mais divulgam o horário do desfile, temendo a presença de penetras - restringindo a folia à poucos eleitos. Os organizadores, segundo reportagem do Jornal do Brasil, alegam precaução contra a violência.

Divagando a partir do artigo de José Carvalho e de considerações lidas em Casa Grande e Senzala, somadas ao comportamento de alguns blocos, pergunto: fomos nós que mudamos, ou mudaram o Carnaval?


Aline Pereira
Rio de Janeiro, 3/3/2004

Mais Aline Pereira
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
4/4/2004
10h37min
Aline Pereira escreve que a afirmação, por Gilberto Freire, de que "desvirginar uma negrinha" era encarado como um ótimo remédio para curar a sífilis significa uma contradição na sua tentativa de minimizar o racismo brasileiro. Entretanto, o que diria a articulista quanto ao fato de que na África Negra hoje em dia ainda se acredita que desvirginar uma jovem é o melhor remédio para curar os portadores do vírus da AIDS?
[Leia outros Comentários de Elso]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro - Administração de Marketing - Análise, Planejamento e Controle Volume 1
Philip Kotler
Atlas
(1986)



O Doente Imaginário
Molière
Global
(2004)



Livro - Muitas Vidas, Muitos Mestres
Brian L. Weiss
Salamandra
(1991)



Gramática Texto: Análise e Construção de Sentido: Volume Único
Maria Luiza M. Abaurre; Marcela Pontara
Moderna
(2008)



Atração Magnetica
Meredith Wild
Agir
(2015)



Todo Esse Tempo
Mikki Daughtry, Rachael Lippincott
Alt



Primeira Hora de Estudo - Para Piano - Volume 5
Georges Bull
Irmãos Vitale



Lisa Biblioteca da Matemática Moderna Tomo I Aritmética Geometria Plan
Antonio Marmo de Oliveira e Agostinho Silva
Livros Irradiantes
(1970)



Margarida La Rocque
Dinah Silveira de Queiroz
José Olympio
(1949)



Sonhando visionário: Explorando o netuno astrológico
Haydn Paul
Ágora
(1994)





busca | avançada
57030 visitas/dia
1,3 milhão/mês