Ronald Polito: Arquivo do Próprio Aniquilamento | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
57895 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Última peça de Jô Soares, Gaslight, uma Relação Tóxica faz breve temporada em São José dos Campos
>>> Osasco recebe o Teatro Portátil gratuitamente com o espetáculo “Bichos do Brasil”
>>> “Sempre mais que um”, de Marcus Moreno, reestreia no Teatro Cacilda Becker
>>> #LeiaUmaMãe: campanha organizada pela com.tato promove a diversidade na literatura materna
>>> Projeto Experimente inicia sequência de eventos para comemorar 10 anos
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Scott Galloway sobre o futuro dos jovens (2024)
>>> Fernando Ulrich e O Economista Sincero (2024)
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
Últimos Posts
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
Blogueiros
Mais Recentes
>>> ¿Qué te pasa brazuca?
>>> Educação versus Marxismo
>>> Impacto no escuro
>>> O direito à literatura
>>> Crítico
>>> Palavras/Imagens: A Arte de Walter Sebastião
>>> Publicidade gay: razão ou sensibilidade?
>>> E não sobrou nenhum (o caso dos dez negrinhos)
>>> Treliças bem trançadas
>>> Davi, de Michelangelo: o corpo como Ideia
Mais Recentes
>>> Armadilha no México de Len Deighton pela Best Seller (1987)
>>> Business Etiquette and Protocol de Solange Greco pela Bahçesehir Universiresi (2015)
>>> Gerenciamento de Aquisições em Projetos de Carlos Magno da Silva Xavier pela Fgv (2006)
>>> O Extremo Oeste de Sergio Buarque de Holanda pela Brasiliense (1986)
>>> Os Templários - Livro 2 de J. W. Rochester pela Do Conhecimento (2005)
>>> Coisas Que Toda Garota Deve Saber Sobre Garotos de Kara May pela Melhoramentos (2002)
>>> Retratos de Dadá Cardoso pela Avatar (1999)
>>> Hinário - Louvores do Reino de Vários Autores pela Unipro (2016)
>>> The White Tiger de Aravind Adiga pela Harpercollins India (2009)
>>> Guia de Alimentos da Dieta de South Beach de Arthur Agatston pela Sextante (2003)
>>> Diary of a Wimpy Kid - The Long Haul: Book 9 de Jeff Kinney pela Puffin Books (2014)
>>> Diary of a Wimpy Kid - Dog Days (vol. 4) de Jeff Kinney pela Amulet (2009)
>>> Diary Of A Wimpy Kid: Old School de Jeff Kinney pela Puffin (2015)
>>> Diary Of A Wimpy Kid - Do-it-Yourself Book de Jeff Kinney pela Amulet Books (2013)
>>> Cabin Fever (Diary of A Wimpy Kid, Book 6) de Jeff Kinney pela Amulet (2011)
>>> The World's Worst Children 3 de David Walliams pela Harper Collins (2018)
>>> A Vida Segundo Peanuts de Charles M. Schulz pela L&pm (2012)
>>> Sinfonia nº 3 "Eroica" - Abertura Egmont de Ludwig van Beethoven pela Estadão (1996)
>>> Canções de Amor de Vinícius de Moraes pela Círculo do Livro (1987)
>>> Orações e Santos Populares de Pe. Paulo Scopel pela Salles (2008)
>>> Diary of a Wimpy Kid - The Ugly Truth - Capa Mole de Jeff Kinney pela Puffin Books (2010)
>>> Diary of a Wimpy Kid - The Ugly Truth de Jeff Kinney pela Puffin Books (2010)
>>> O Nascimento da Inteligência na Criança de Jean Piaget pela Zahar (1975)
>>> Diary of a Wimpy Kid -The Ugly Truth , Book 5) de Jeff Kinney pela Amulet (2010)
>>> Estorias De Quem Gosta De Ensinar de Rubem Alves pela Papirus (2000)
COLUNAS

Sexta-feira, 4/1/2002
Ronald Polito: Arquivo do Próprio Aniquilamento
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 3400 Acessos


“E chego aonde nada mais reluz”.
(Canto IV – Inferno – Dante)

Acaba de ser publicado pela editora Nankin (S.P.) o livro de poesias de passagem, do poeta Ronald Polito. Anteriormente, Polito havia publicado três livros, na seguinte ordem cronológica: Solo (ed. Sette Letras, 1996), Vaga (ed. do autor, 1997), e Intervalos (ed. Sette Letras, 1998).

Como sugere o título do livro, os poemas estão tomados por uma espécie de inanição lacunar, típica daqueles que estão “de passagem” ou que percebem o mundo desse ponto de vista. Outros dois livros do poeta nos comunicam, ambos em seus títulos e poemas, este estar-no-mundo de forma lacunar: Vaga (“caminho feito poeira”, diz no poema “passagem”) e Intervalos (“sombra de muitos braços/sem mão única”, no poema “auto-retrato probabilístico”)

Na capa do livro “de passagem” aparece uma foto de uma rodovia deserta, margeada por um pequeno barranco coberto por gramas e um quase invisível céu azul pálido. A foto reforça essa idéia lacunar da poesia de Polito, num espécie de encontro com os lugares vazios, que não deixam o registro senão da paisagem deserta que se desenha para quem está “de passagem”. Quem tiver o trabalho de percorrer toda a obra poética de Polito vai se confrontar inúmeras vezes com essa idéia do deserto, do vazio e da atmosfera silenciosa e solitária dos vãos na qual se constitui, pois, como diz o poema “afeto”, de Vaga, “ninguém está comigo”.

Três dos poemas que, dentre outros, nos afetam mais brutalmente em “de passagem” são “Flâmula”, “Circo” e “Um sabre que não se sabe”. Tratam ou de alguém morto, no primeiro caso, ou quase morto, nos outros dois casos, tratados como “o sempre-quase-alguém” e “o morto que nunca desmaia”.

Mas “Flâmula”, com certeza o mais drástico dos três, é o que mais nos fala daquele que vive na condição “de passagem”: o próprio poeta (ou a própria poesia contemporânea?). Há um verso no poema que chama a atenção, pois trata da questão central da poética de Polito: “não se comparte um desastre”. Aqui nem quem vivenciou o desastre na própria carne ou quem participou dele como especta-dor afetivo podem comunicá-lo. O que resta para o poeta senão uma relação negativa com o mundo e com a linguagem? É a partir daí que se funda a poética de Polito: da consciência da impossibilidade e da necessidade de uma descrição dessa impossibilidade. Por isso, poemas como desertos pontilhados de cactos, criados desse “acúmulo de inércia” a partir da “força de arranque do não.” (do poema, “Área de trabalho I”).

O poema, como um todo, apresenta-se como um prisma de muitas nuanças onde cada palavra multiplica seus sentidos criando uma leitura vertiginosa (como uma flâmula sob um vento perigoso), labiríntica, prenhe de significados – que também podem ser não-significados, pois a cada momento apontam para novos entendimentos e desentendimentos. Sua forma e seu conteúdo encerram, portanto, aquilo que se pode denominar o ambíguo, a alusão e o engenhoso. O fato de conter a cada palavra ou verso uma expressão diferente de si anuncia a poesia como uma impossibilidade. Estamos frente a uma poética que, diante da insignificância (ou significância) de cada gesto, seja da vida ou da linguagem, não tem outra solução senão deixar, em forma de poesia, o arquivo do seu próprio aniquilamento.

Como um descendente de Beckett, Polito cria uma poesia que se presta a difamar sistematicamente sua própria existência no próprio movimento da linguagem que a constitui. Num jogo brilhante entre forma e conteúdo, o autor faz eclodir de seus versos a destruição da própria poesia como veículo de comunicação ou significação. Embora um bombardeio de proposições tente se constituir em seus versos, seu desejo maior é exterminar frases que poderiam formar-se em um sentido único e comunicante: “esta disposição/ dos extremos/ conforma-se com o empenho/ do seu desenredo” (do poema, “Instruções para desativar”). O que ele cria é arrasador: “um silêncio diante de outro silêncio” (no poema “Área de Trabalho II”).

Por isso, os poemas do livro “de passagem” constroem-se a partir de uma hostilidade formal que não busca adular ou encantar o leitor, ao contrário, quer ser penosa para ele. Para penetrá-los “é preciso ter/ a contrição e tenacidade/ de uma britadeira” (do poema, “Serial Killer”), já que “detalhes ciclópicos/ obstruem/ a figuração das imagens” (de “Instruções para desativar”).

Os 34 poemas que formam o livro, e que representam a veia inconfundivelmente pessoal da poética de Polito ecoam, em sua labiríntica e radical negatividade, as espantosas palavras de Borges, em “Labirinto”:

“Não haverá nunca uma porta.
Está dentro e o castelo abarca o universo
E não tem anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro”.

É justamente em sua poética que reside o caráter ameaçador de sua obra. Afinal, quem suporta viver dentro de um universo onde uma palavra pode significar outra ou, o que é pior, pode não significar nada do que se supunha que significasse? Um universo onde cada pista apenas poderá te levar a outra pista que, como no labirinto espelhado projetado por Da Vinci [1], sucessivamente conterá uma expressão diferente de si, um caminho novo, mas ao mesmo tempo um caminho que não te conduz a saída nenhuma.

Terminada a leitura dos poemas do livro “de passagem”, que faz ressoar em nós as eternas palavras de Dante, “Deixai toda esperança, ó vós que entrais” (Canto III- Inferno), achamos por bem seguir o conselho do próprio poeta, que diz: “nem mesmo/ você mesmo/ se reconhece ali/ e a única franquia/ é conseguir/ seguir” (do poema “Inferno”).

Nota

[1] Leonardo Da Vinci tinha um projeto de construir um labirinto óptico formado por uma câmara octogonal, cujas partes seriam todas revestidas por espelhos. Dessa forma criaria através de reflexos intermináveis uma espécie de labirinto abstrato da irrealidade absoluta.


Jardel Dias Cavalcanti
Campinas, 4/1/2002

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Cisne Negro: por uma inversão na ditadura do gozar de Lucas Carvalho Peto


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti em 2002
01. Parangolé: anti-obra de Hélio Oiticica - 17/12/2002
02. Drummond: o mundo como provocação - 26/11/2002
03. Florbela Espanca, poeta - 5/11/2002
04. O último Shakespeare - 3/12/2002
05. Cactos Implacáveis: entrevista com Ronald Polito - 10/12/2002


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Segredo Do Galo - Madrinha.
Assis Brasil
Scipione
(2004)



Bienvenue En France - Level 1: Tome 1: Episodes 1-13
Annie Monnerie
Editions Hatier
(1989)



Controverso
Luana Simonini
Crivo
(2016)



Os Miseráveis
Victor Hugo; José Angeli
Scipione
(2010)



La Chica Que Soñaba Con Una Cerilla Y Un Bidón De Gasolina
Stieg Larsson
Destino
(2009)



Gargantua
Rebelais
Pol
(2023)



Trem Noturno Para Lisboa
Pascal Mercier
Record
(2013)



Condutas Em Neurologia
Varios Editores
Manole
(2013)



Direitos humanos e saúde: construindo caminhos, viabilizando rumos
Maria Helena Barros
Cebes
(2017)



Pobre Menina Rica Barbara Hutton
C. David Heymann
Francisco Alves
(1988)





busca | avançada
57895 visitas/dia
2,4 milhões/mês