Ivan Angelo e a experiência da reescrita | Guilherme Tauil | Digestivo Cultural

busca | avançada
37550 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Lenna Bahule e Tiganá Santana fazem shows no Sons do Mundo do Sesc Bom Retiro
>>> CCBB Educativo realiza oficinas que unem arte, tradição e festa popular
>>> Peça Dzi Croquettes Sem Censura estreia em São Paulo nesta quinta (12/6)
>>> Agenda: editora orlando estreia com livro de contos da premiada escritora Myriam Scotti
>>> Feira do Livro: Karina Galindo lança obra focada na temática do autoconhecimento
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Jovem Bruxo
>>> Fondo de Cultura Económica: 70 anos de uma missão
>>> Minha biblioteca de sobrevivência
>>> A inocência é minha culpa
>>> Conheça o AgroTalento
>>> Na Web 2.0, WeAllTube
>>> Chilli Beans, IBM e Falconi
>>> O primeiro assédio, na literatura
>>> Autor não é narrador, poeta não é eu lírico
>>> Queridos amigos
Mais Recentes
>>> Sistemas De Informação de Emerson De O. Batista pela Saraiva (2006)
>>> Livro Crepúsculo Série A Mediadora Volume 6 de Meg Cabot, traduzido por Alves Calado pela Galera (2012)
>>> Em Que Acreditam os Cristãos? de Malcolm Guite pela Civilização Brasileira (2010)
>>> Geografia Geração Alpha 6 de Fernando dos Santos Sampaio pela Sm (2023)
>>> Livro Regência Verbal e Nominal Coleção Professor Pasquale Explica Volume 8 de Pasquale Cipro Neto pela Gold (2011)
>>> Gerenciamento De Empreendimentos de Sylvio Pessoa pela Insular (2003)
>>> Cuide bem do seu Pássaro de Liz Palika pela Publifolha (2001)
>>> O Diálogo Entre Maria E O Anjo Gabriel de Gabriel Perissé pela Do Autor
>>> Livro O Trabalho Policial Estudo da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul Coleção Monografias Ibccrim Volume 39 de Acacia Maria Maduro Hagen pela Ibccrim (2006)
>>> Caderno Sem Rimas Da Maria de Lázaro Ramos pela Pallas (2022)
>>> Livro Orixás No Divã de Tina De Souza pela Setembro (2019)
>>> Cicero - o Maior Filósofo Latino de Luiz Feracine pela Escala (2011)
>>> Quimica Volumes 1,2 e 3 + Suplemento Enem de Ciscato/Pereira e Chemello pela Moderna (2015)
>>> J. R. R. Tolkien, O Senhor Da Fantasia de Michael White pela Darkside (2016)
>>> Como cuidar do seu Papagaio de Irineu Fabichak pela Nobel (2005)
>>> Advanced Grammar In Use With Answers - Livro Em Inglês de Martin Hewings pela Cambridge University Press (1999)
>>> Especiais - Coleção Feios - Vol. 03 de Scott Westerfeld pela Galera (2015)
>>> Livro Mundo Blw Receitas e Dicas Descomplicadas de Érika Baldiotti pela Much
>>> Oração Na Ação de Frei Betto pela Do Autor (1977)
>>> Aberturas e Armadilhas no Xadrez de Idel Becker pela Nobel
>>> Enxaqueca - Orientações Práticas para Entender, Tratar e Curar de Abouch Valenty Krymchantowski pela Campus (2001)
>>> Livro A Ponderação de Interesses em Matéria de Prova no Processo Penal Coleção Monografias Ibccrim Volume 38 de Fabiana Lemes Zamalloa Do Prado pela Ibccrim (2006)
>>> Personal History de Katharine Graham pela Alfred A. Knopf (1997)
>>> Segredos Do Mundo, Explore Os Mistérios E As Maravilhas Da Natureza de Clécia Aragão Buchweitz pela Ciranda Cultural (2012)
>>> Espermatozoides São de Homens - Óvulos São de Mulheres de Joe Quirk pela Rocco (2009)
COLUNAS

Quinta-feira, 29/8/2013
Ivan Angelo e a experiência da reescrita
Guilherme Tauil
+ de 8100 Acessos

"A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer"

(Graciliano Ramos)

Não se sinta culpado se você nunca tiver lido Ivan Angelo, um de nossos maiores escritores em atividade. Mesmo sendo muito elogiado pela crítica - desde sua estreia em 1961 com o livro Duas faces, reunião de sete de seus contos e duas novelas de Silviano Santiago -, Ivan sempre foi meio recluso, sem muito gosto por entrevistas e avesso aos holofotes. Talvez porque ele seja, forçando o estereótipo, o mais mineiro dos mineiros que se mudaram para São Paulo na década de 60. Jornalista, Ivan participou de uma significativa experiência da moderna imprensa brasileira: "o então revolucionário Jornal da Tarde, criador de escola tanto na feição gráfica como no apuro do texto". Sua função de editor, porém, o afastava do contato direto com o leitor. Sem fazer desse silêncio um charme de personalidade inacessível, parece que Ivan Angelo gosta mesmo é de escrever, não de falar.

Isso é constatável se olharmos sua carreira, mesmo que panoramicamente. Ivan não decepcionou os críticos que o apontaram como promissor em sua estreia: em 1976, publicou um dos mais importantes (e o mais notável, sem dúvida) romances de seu tempo. A festa, premiado com um Jabuti, é um livro de fôlego político, ambientado na ditadura militar e bastante marcado pelo clima opressor e violento. Mas diferente de outros tantos romances da época que hoje têm valor apenas enquanto documento histórico, A festa é, de fato, uma obra de arte - dessas que são capazes de "provocar arrepios cívicos e estéticos", como escreveu Humberto Werneck, seu companheiro no Jornal da Tarde e nos cafés que tomam todas as quintas.

Um de seus aspectos mais chamativos é a estrutura, bastante experimental e recortada. Foi o crítico João Luiz Lafetá quem melhor a classificou: "romance-contos". Os capítulos que compõem a obra podem ser lidos separadamente, pois são dotados de unidade, mas também "extravasam uns nos outros, como se compusessem um sistema de vasos comunicantes" (a expressão é do Lafetá). Alguns personagens aparecem em mais de um capítulo, mas o que atua como fio unificador porém não condutor é a festa anunciada - que, vejam só, nunca acontece. Trata-se, enfim, de uma literatura que somente um autor muito maduro e habilidoso, buscando um novo modo de narrar, saberia compor.

Usei a palavra "maduro" não por acaso, pois quero me deter em um episódio curioso da obra de Ivan Angelo. Publicado em 1986, o livro de contos A face horrível se encerra com uma valiosa experiência de reescrita, da qual todo aspirante a escritor poderá (deverá!) tirar proveito. O conto Dènouement ("desfecho" em francês) foi publicado originalmente em seu já citado livro de estreia. Aqui, 25 anos depois, ele volta a aparecer para, nas mãos do escriba experiente, desdobrar-se em mais dois: Entrevero do autor com seu conto, em que dispõe, ao lado da ficção juvenil, comentários cruéis e jocosos de uma leitura autocrítica; e Final, o conto totalmente refeito.

Da leitura do original, vemos Libério, o narrador, angustiado com um impasse amoroso: sua esposa, Maria Lúcia, teve um caso com outro homem. No tormento psicológico do personagem principal, sua voz narrativa se divide em duas: uma se questiona e faz suposições; - ela me amava antes?, de quem é a culpa? - outra, ataca e refuta os questionamentos - ela é a culpada, seu idiota, claro. Basicamente, a primeira é emocional e ganha a simpatia do leitor, enquanto a segunda, expressando sua racionalidade num português excessivamente culto, o repele - um processo esquemático que nos remete ao anjo e ao demônio disputando o controle do homem. A junção das duas vozes retrata uma mente fervilhante que se prepara para um grande acontecimento.

Decidido, Libério convida Malu para um passeio em Congonhas, cidade que abriga os profetas esculpidos por Aleijadinho. Lá, surpreende sua esposa com a inscrição da estátua de Osaías: "Aceita a mulher adúltera e com ela tem novos filhos". Descoberta e envergonhada, ela acaba revelando a trama secreta, digna de uma novela televisiva, que envolve, entre outras coisas, um amor jurado mas impossível na juventude. Vocês sabem: eles se amam, mas a vida os separam; eles se casam com outros, mas a vida os une. A discussão do relacionamento segue-se intensa, porém bastante artificial, como demonstra o pensamento de Libério:

"Preciso compreendê-la para não desprezá-la. Estou de tal modo ligado a ela que é impossível desprezá-la sem desprezar-me".

O autor, aí, deixa escapar uma preocupação quanto à capacidade do leitor de compreender sua história, usando frases explicativas e francamente didáticas - como se isso suprisse uma lacuna técnica que não permitia o escritor inexperiente conduzir seus leitores somente através da ficção.

Nesse rodeio excessivamente interno, de muita pergunta e pouco gesto, é Libério quem sai perdendo, porque percebe que não poderia ter feito esse jogo humilhante com a esposa. Malu não quer voltar para casa e não pode continuar o relacionamento. Derrotado, Libério encontra a solução para o drama logo em seguida, na estrada: um caminhão enorme, contra o qual joga seu carro instintivamente. Dènouement tem, portanto, um desfecho dramático e excessivo, pois a morte pode ser sempre uma solução fácil.

O texto seguinte Entrevero do autor com seu conto é de pouca explicação mas de muito proveito. Trata-se do escritor mais velho apontando os defeitos - e alguns acertos - do mais novo. Das suas observações, a mais significativa me parece ser a seguinte:

"Bastaria dizer que o cara estava tranquilo e quando a mulher transou outro homem ele fundiu a cuca. Duas ou três frases, sem babaquices tipo 'como poderia ela ter certeza dos meus sentimentos?'. O parágrafo parece arrumado para contar o passado das personagens, é narrativo demais e não deveria ser. Tem de funcionar por justaposição, a soma é que deve narrar e dar sentido".

Está poupado o trabalho do crítico. Através de outros caminhos, Ivan chegou à mesma conclusão que o russo Joseph Brodsky quando disse que "O que torna uma narrativa boa não é a história em si, mas o que se segue a quê". Aprendida a lição, Ivan Angelo aponta a necessidade de alterar tanto a forma quanto o conteúdo de seu conto, sem poupar-se de puxões de orelha que sofrem os irmãos caçulas.

Final, o resultado desse exercício, é essencialmente diferente de sua matriz. A mudança mais notável é a linguagem, que abandona toda a pompa e os pronomes em segunda pessoa para tornar-se coloquial, fácil. Os devaneios de Libério recebem polimento: a dualidade das vozes internas desaparece, dando lugar a uma única, incerta, confusa, agressiva. As contradições do humano ficam claras e, por consequência, o homem fica exposto - não há espaço para a metafísica, o bem e o mal. O trecho que usei acima, para exemplificar o primeiro conto, se transforma no seguinte:

"Preciso é saber por quê. Conhecê-la melhor. Protegê-la".

A economia das palavras e as frases curtas dão ritmo à escrita, que agora se faz numa cadência propícia ao conflito interno. Tudo vira mais palpável, mais verossímil, próximo ao homem real - algo com o qual o leitor pode se identificar. Basta pensar que Dènouement vira, simplesmente, Final. Ou, então, que o casal que antes se suicidava tragicamente, agora volta para casa brigado, em silêncio. É o que geralmente acontece com os pares que brigam, não? O que antes era uma questão de morte, passa a ser "uma questão de tempo, como um castigo". Muito mais moderno, e profundo. E a inscrição do profeta, que funciona como síntese do conto, foi cortada pela metade: "Aceita a mulher adúltera", apenas. Não é preciso mais do que isso - pelo menos para um escritor do nível de Ivan Angelo.

Essa prosa enxuta, longe de ser esturricada, é uma valorosa qualidade para o ofício de cronista que Ivan pratica com mais dedicação desde 1999, quinzenalmente, nas páginas da revista Veja São Paulo. Sobre suas crônicas, prometo dedicar outro texto, pois seria injustiça de minha parte querer abordar um dos maiores cronistas contemporâneos nesse dènouement - ou melhor, nesse parágrafo final.

Nota do Editor:
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog Quarta Capa (siga também pelo Facebook).


Guilherme Tauil
São Paulo, 29/8/2013

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Cézanne: o mito do artista incompreendido de Humberto Pereira da Silva
02. Aperte o play de Marcelo Spalding
03. Vale a pena publicar de novo de Ram Rajagopal
04. Sobre responsabilidade pessoal de Ram Rajagopal


Mais Guilherme Tauil
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Nós
David Nicholls
Intrínseca
(2014)



Amor e Memória
Ayelet Waldman
Casa da Palavra
(2014)



Life Intermediate Workbook
Helen Stephenson
National Geographic
(2022)



Eu Me Lembro ...
De Rose
Nobel
(2004)



Emergências Em Cardiologia Pediátrica
Ana Cristina Sayuri
Atheneu
(2007)



Diários de Aventuras da Ellie - Amizade é o Bicho
Ruth Mc Nally Barshaw
Ciranda Cultural
(2014)



Sickening - How Big Pharma Broke American Health Care
John Abramson
Mariner
(2020)



Avaliação Do Risco e Decisão De Crédito
Adriano Blatt
Nobel



Tem Alguém Ai ?
Mirian Keyes
Bertrand Brasil
(2011)



Méthode 90 - Espagnol Pratique de Base
Da Editora
Livre De Poche
(1992)





busca | avançada
37550 visitas/dia
2,0 milhões/mês