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COLUNAS
Segunda-feira,
24/2/2014
Memória de Elefante
Carina Destempero
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Se eu tivesse que definir "Memória de Elefante" em uma palavra, seria solidão.
Nas primeiras páginas do livro, como costuma me acontecer com Lobo Antunes, tive que forçar a leitura. É difícil embarcar na sua linguagem que muitas vezes parece cheia demais, palavras e mais palavras lindas, mas quase ininteligíveis, ocupando todo e qualquer espaço vazio. Essa tentativa de preenchimento tem, aliás, tudo a ver com a história do livro. O protagonista, que se autodenomina o psiquiatra, é um homem recém-separado, afogado em reminiscências, buscando motivos e razões para sua solidão ao invés de enfrentá-la. Ele vê o vazio em seu peito, e tenta disfarçá-lo entupindo-o de pensamentos. Mas não adianta. Fica claro que ele mesmo sabe de sua covardia. A covardia de todos nós, covardia neurótica, a procrastinação e a autocomiseração que nos paralisam frente ao nosso próprio desejo.
O psiquiatra diz querer se aproximar, mas sabe que quando o outro vem, é ele quem se afasta. Porém o saber não adianta. Por isso a crueldade e força do livro, porque o psiquiatra é um homem real, no real. Ele não consegue não evitar a vida. Sabe que faz drama, que encena, que engendra, inventa e reescreve a vida do passado pelo trabalho assustador que é vivê-la plenamente no presente. Pode parecer um clichê bobo: homem com medo do amor, medo de compromisso, mas é muito mais forte que isso. É mais profundo, no sentido de mais escuro, mais feio, menos aceitável. Ele teme o amor do outro não por medo de perdê-lo, mas porque sabe que se há alguém ao seu lado disposto a lutar, não por ele, mas pela vida, isso significa que ele terá que lutar também. Terá que sair do conforto que é reclamar e fazer-se de coitado. Não que ele não sofra. Sofre, e muito. Mas a neurose é assim, nos prende no conforto do sofrimento conhecido.
O livro é passado em um dia na vida do protagonista, mas ao fim da leitura a sensação que me veio foi da dureza de ver alguém deixar a vida passar, por medo, comodismo, neurose. E pensar que ele, o psiquiatra, não é um personagem de livro. Ele sou eu, é você, é cada um de nós, se não fizermos o esforço de, ao menos às vezes, pular sem saber onde ou como vamos cair, confiando apenas na mão que nos é estendida e na voz que diz: vem, estou aqui.
Carina Destempero
Rio de Janeiro,
24/2/2014
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