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Segunda-feira, 16/1/2006
Um gourmet apaixonado por Paris
Sérgio Augusto
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Quem não gostaria de ter tido como mentor em Paris um sujeito chamado Yves Mirande?

Pequeno e alegre autor de farsas e libretos musicais, cheio da grana e joie de vivre, Mirande dominava como poucos a cidade, convivendo com o melhor da haute gomme e dos bas-fonds, freqüentando os seus mais conspícuos salões e as suas mais destacadas cortesãs. Seu forte era a gastronomia. Parecia conhecer todas as comidas, todos os vinhos, e saber combiná-los à perfeição. Gourmet e gourmand, era capaz de consumir, num único almoço, uma razoável quantidade de presunto cru de Bayonne com figos frescos, seguidos de um strudel de salsichão, um filé de lúcio (peixe semelhante à perca) coberto por um saboroso molho Nantua, um pernil de cordeiro lardeado com anchovas, alcachofras num pedestal de foie gras e quatro ou cinco tipos de queijos, com uma boa garrafa de bordeaux e outra de champanhe. Tudo isso arrematado com uma despudorada dose de Armagnac. Seu jantar — sim, horas mais tarde ele já estava faminto — era um pouco menos pantagruélico: uma ou duas cotovias, alguns lagostins, um linguado e um guisado de filhote de javali.

Por incrível que pareça, Mirande viveu até os 82 anos. Sem dar bola para dietas.

Foi a essa glória da glutonaria que A.J. Liebling (A de Abbott e J de Joseph) dedicou o último livro de sua vida: Between Meals, publicado em 1962 e agora lançado pela Ediouro, com o título de Fome de Paris – Memórias de um Gourmet Apaixonado, numa tradução empenhada, em que só detectei um erro grave: na pág. 124, um Pont-l’Éveque, o melhor queijo normando, é transformado, implicitamente, numa bebida.

Justíssima a dedicatória de Liebling. Mirande foi seu mestre espiritual, gastronômico e mundano na Paris dos anos loucos, quando o jovem jornalista americano, na flor dos 22 anos, trocou Nova York pela capital francesa. Fora estudar na Sorbonne, sustentado pelo pai, um peleteiro de origem austríaca que um dia acabou indo à falência.

Em 1926, o dólar valia 26 francos e Liebling tinha em caixa US$ 2 mil, volta e meia incrementados. Se já era fácil comer bem e barato na festiva Paris da Geração Perdida, imagine que inesquecíveis aventuras gastronômicas não se podiam ousar com uma despreocupada carteira de crédito e a assessoria técnica de Mirande.

Gertrude Stein, Hemingway, Fitzgerald — esses e outros exilados americanos estavam, na mesma época, criando a fama de Paris como uma festa móvel e permanente, mas Liebling não conviveu com nenhum deles. Se por ventura cruzou com um e outro, na rua ou no Closerie des Lilas, foi muito. Sua patota era de outro circuito. Fome de Paris não é sua obra mais marcante, longe disso, mas como ele sempre brilhava ao teclado de sua Remington, há um honroso lugar para ela ao lado de Paris é uma Festa (A Moveable Feast), de Hemingway; Paris Was Yesterday, de Janet Flanner; Paris Was Our Mistress, de Samuel Putnam; e dos clássicos da arte de bem comer e da memorialística que nos legaram Alice B.Toklas e, principalmente, a maravilhosa M.F.K. Fisher (de quem a Cia. das Letras já traduziu dois títulos).

Nada de receitas, apenas menus e lições, jamais solenes, sobre comidas e bebidas, regadas a histórias e personagens que deliciariam Rabelais e Brillat-Savarin, as sombras mais salientes por trás desse guia gastronômico-cultural, que, para mostrar logo a que veio, começa alfinetando Proust e sua madeleine. Ou, melhor dito, a frugalidade de Proust e seu saboroso, mas frugal, bolinho. Com esta observação: “À luz daquilo que Proust escreveu com um estilo tão sutil, foi um prejuízo para o mundo ele não ter um apetite mais aguçado.”

Liebling achava que só escreve bem sobre comida quem tem bom apetite. E este, por sua vez, precisa ser bem atendido todos os dias. Refeições, há que se administrá-las como uma conta bancária. Nada de comer caro e como um rei, hoje, e viver de batatas fritas até o próximo depósito. Isso é coisa de tuaregue, gozava Liebling, e quem assim age não tem vocação para gourmet.

Comer, insistia, é uma questão extremamente subjetiva: “O homem que aceita palpites na juventude terminará comendo na meia-idade em restaurantes ruins e muito aclamados, seguindo a sugestão do maître. Ele terá sido levado a esses lugares por publicações gastronômicas esnobes, e cairá no hábito de beber em demasia antes da refeição, para matar o sabor das iguarias que lhe disseram que seriam do seu agrado, mas não foram.” Ser rico, segundo ele, atrapalha mais do que ajuda, pois o excesso de dinheiro facilita, quando não incentiva, o diletantismo à mesa, impedindo a experimentação.

Mens sana in corpore sano” jamais seria sua divisa, até porque a considerava uma contradição em termos, “fantasia de quem acha possível ter simultaneamente duas coisas excludentes”. E antes de encerrar essa discussão, lembrava, maldosamente, um “arquétipo do homem abstêmio”: Hitler. “Quando, na cervejaria, os outros chucrutes viram que ele estava bebendo água, deviam ter percebido logo que não era confiável”. Liebling era muito divertido e transgredia a toda hora o politicamente correto. Como Mark Twain e H.L. Mencken, dois de seus mestres mais indeléveis.

Traindo suas convicções, tentou emagrecer numa clínica suíça, em 1956. Queria ver como é que era sofrer. Só não desistiu no primeiro dia porque pagara o tratamento adiantado. Preferiu continuar imensamente gordo — e epicuristicamente feliz. De algum modo precisava compensar a infelicidade que lhe trouxeram a feiúra, a calvície, a obesidade, as dívidas que levou para o túmulo e pelo menos dois casamentos desastrosos (o terceiro, com a escritora Jean Stafford, ex-mulher do poeta Robert Lowell, lhe foi mais leve). Morreu cedo, aos 59 anos, de uma série de complicações pulmonares, cardíacas e renais. Se tivesse chegado à idade de Mirande, teria morrido de desgosto com a ascensão da nouvelle cuisine.

Tomei conhecimento de Liebling, há muitas luas, por seu mais famoso aforismo: “A liberdade de imprensa é uma exclusividade do dono da rotativa.” Não é a melhor tradução para “Freedom of the press belongs to the man who owns one”, mas passa a idéia do que ele quis dizer: quem manda, mesmo, numa redação é o dono do jornal ou da revista. Além de emérito gastrônomo, Liebling foi o mais formidável crítico de imprensa que já existiu. Sua visão da imprensa americana não era nada lisonjeira: achava o sistema corrupto, impraticável, discriminatório, ineficiente e constantemente merecedor de umas traulitadas. Como esta: “A função da imprensa na sociedade é informar, mas seu papel na sociedade é ganhar dinheiro”.

Pioneiro no gênero, dissecava jornais, revistas e telenoticiosos com “a furiosa e atormentada concentração de um amante”, na expressão de seu biógrafo Raymond Sokolov. Sua coluna, “Wayward Press”, na revista The New Yorker, onde escreveu durante 28 anos, era tão reverenciada que os organizadores de uma série de convenções anuais com jornalistas independentes, iniciada em Nova York em 1972, sob os auspícios da revista More, não pensaram em outro nome na hora do batismo. E assim nasceram as Liebling Conventions.

Aos poucos fui me tornando um leitor tão voraz de A. J. quanto fui de I.F. Stone, Murray Kempton, e outros da mesma linhagem. Pena que só agora o estejam traduzindo aqui, começando pelo fim e sem promessa à vista de outros lançamentos. Não há planos, por ora, de incluir qualquer de seus trabalhos como repórter na coleção da Cia. das Letras dedicada a jornalismo literário. Stone também só chegou até nós por uma única obra, O Julgamento de Sócrates, tão atípica quanto Fome de Paris.

Vivo, versátil e erudito repórter, com uma sensibilidade literária de primeira linha, afeita a metáforas surpreendentes, Liebling foi, com seus colegas da The New Yorker Lillian Ross, Joseph Mitchell e Philip Hamburger, um dos precursores do que mais tarde ganharia o nome de Novo Jornalismo — efetivamente iniciado por Daniel Defoe, no século 18. Seu estilo irônico e coloquial, atento ao som das ruas e dos ambientes sórdidos de Manhattan, aos habitués de lutas de boxe, de pistas de corrida e dos escritórios dos Danny Roses da Broadway, teve o incomparável contista Damon Runyon como um ancestral direto. Dos mais agudos observadores do pugilismo, Liebling cobriu as principais lutas dos grandes do seu tempo — Joe Louis, Archie Moore, Rocky Marciano — deixando seus admiradores a imaginar que êxtases e hipérboles não lhe teriam provocado os saltitantes movimentos coreografados no ringue por Muhammad Ali.

A França foi sua eterna e incondicional paixão. Que páginas furibundas não teria escrito quando, por causa da recusa de Jacques Chirac a apoiar a invasão do Iraque, a direita americana declarou uma guerra nauseabunda à França e até aos vinhos franceses? Conheceu Paris ainda menino, com os pais, por volta de 1908, depois lá morou sozinho de 1926 a 1927, retornando em 1939, para cobrir a guerra no lugar da correspondente da The New Yorker, Janet Flanner, que fora visitar a mãe doente, na Califórnia. Estava numa das primeiras barcaças a chegar à praia de Omaha, no Dia D. Seus despachos do front, coligidos em livros, pareciam um misto de Tucídides com relatório militar e um filme de guerra de Humphrey Bogart. Odiava os alemães, não por ser judeu, mas pelos traumas deixados pelas sucessivas governantas teutônicas que infernizaram sua infância. E também porque, além de algozes da França, tinham uma culinária medíocre.

Sempre que podia, visitava Paris. Suas últimas palavras, balbuciadas na ambulância que o levava, em estado pré-comatoso, para o Hospital Mount Sinai, foram em francês. Jean Sttaford, que estava a seu lado, pensou que ele estivesse delirando uma conversa com seu amigo Albert Camus, cujos diários estava lendo quando uma pneumonia inaugurou sua viagem sem volta aos leitos hospitalares de Nova York, naquele final de dezembro de 1963. Vai ver estava mesmo era conversando com Yves Mirande sobre o inesquecível salmis de galinhola ao Armagnac que um tal de M. Louis Bouillon lhe serviu, em seu minúsculo restaurante da rue de Sainte-Anne, numa noite de 1939.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no "Caderno2", de O Estado de S. Paulo, em novembro de 2005.

Para ir além






Sérgio Augusto
Rio de Janeiro, 16/1/2006
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