A novíssima arquitetura da solidão | Marta Barcellos | Digestivo Cultural

busca | avançada
133 mil/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Cultura Circular: fundo do British Council investe em festivais sustentáveis e colaboração cultural
>>> Construtores com Coletivo Vertigem
>>> Expo. 'Unindo Vozes Contra a Violência de Gênero' no Conselho Federal da OAB
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Ed Catmull por Jason Calacanis
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> Conduzinho Miss Maggie
>>> Relações de sangue
>>> Unsigned and independent
>>> Pô, Gostei da Sua Saia
>>> Poesia e inspiração
>>> Painel entalhado em pranchas de cedro *VÍDEO*
Mais Recentes
>>> Ana Levada da Breca - coleção girassol 5 edição. de Maria de Lourdes Krieger pela Moderna (1991)
>>> Os Permitinhos de Fabiana Barros pela Manticore (2005)
>>> Cafe, Suor e Lagrimas - coleção veredas 3 edição. de Luiz Galdino pela Moderna (1995)
>>> Origens do Intelecto: A Teoria de Piaget de John L. Phillips pela Universidade de Sp (1971)
>>> Diálogos Sobre a Vida de Krishnamurti pela Cultrix (1975)
>>> Dicionário Das Religioes de John R. Hinnells pela Cultrix (1984)
>>> Técnica de H.P. Magalhaes pela Sarvier (1983)
>>> Desenvolvimento Na Palavra de Apótolo Estevam Hernandes pela Renascer (2011)
>>> Pmp de Joseph Phillips pela Campus (2004)
>>> Sendmail Performance Tuning de Nick Christenson pela Addison-wesley (2003)
>>> Livro Doenças Da Alma de Dr. Roberto Brólio pela Fe (1999)
>>> Treinamento e desenvolvimento de Márcia Vilma G. Moraes pela Erica (2011)
>>> Handbook Of Health Economics (volume 2) (handbooks In Economics, Volume 2) de Mark V., Mcguire, Thomas G, Barros, Pedro Pita Pauly pela North Holland (2012)
>>> Budismo Puro E Simples de Hsing Yun pela De Cultura (2003)
>>> Dificuldades Escolares Um Desafio Superavel de Rubens Wajnsztejn - Alessandra Wajnsztejn pela Artemis (2009)
>>> Reminiscências e Reticências de Mário Ferrari pela Autografia (2015)
>>> O Intertexto Escolar de Samir Meserani pela Cortez (2001)
>>> Como Ensinar Bem de Leo Fraiman pela Opee (2015)
>>> Livro CÃNCER : Corpo e Alma de Dr. Renato Mayol pela Os Magos (1992)
>>> Festa No Céu de Maria Viana pela Maralto (2021)
>>> Física I de Young & Freedman pela Pearson (2003)
>>> As Cruzadas de Orlando Paes Filho pela Planeta (2005)
>>> Livro Formação Online de Educadores: Identdade e Construção de Ana Hessel/ Lucila Pesce/ Sonia Allegretti pela Rg (2009)
>>> Em Busca Do Sucesso de Robert Henry Srour pela Disal (2007)
>>> Cinquenta Tons De Liberdade de E. L. James pela Intrinseca (2011)
COLUNAS

Sexta-feira, 4/11/2011
A novíssima arquitetura da solidão
Marta Barcellos
+ de 4600 Acessos

Não sei aí onde você mora, mas o Leblon está em obras. Não é a Prefeitura, nem o governo do Estado, ninguém preocupado com a Copa. O fenômeno, que deve se repetir em outros lugares onde o metro quadrado tornou-se ouro, começa quando o feliz proprietário acorda, pensa na grana que vale hoje o seu apartamento e fica um pouco incrédulo. Será? Valerá mesmo tudo aquilo que o vizinho comentou, que o jornal noticiou? Na dúvida, raspa a poupança, tira as economias do fundo de investimento que não está rendendo nada, e vai aplicar no apartamento. Se ele ficar bem branquinho, com menos paredes e mais tomadas, será mais fácil de acreditar.

É aí que tudo começa - e não termina mais. Os transtornos serão permanentes, pois os benefícios - reza a moderna arquitetura - são sempre passageiros. Logo outra modernização será necessária, especialmente depois de uma olhadela na sala nova do vizinho; quem será seu arquiteto? O bate-estaca de um inferniza o outro, que logo planeja a sua vingança: uma obra ainda mais devastadora. Entulho e mais entulho sairá do prédio em sacos carregados por trabalhadores que moram longe e não sabem para que tanta tomada. Mania de rico, tanto detalhe reluzente, perfeição que estraga logo.

O entulho vai enchendo a caçamba na calçada, na medida em que as paredes lá de cima vão abaixo. As paredes parecem estar em baixa desde 1957, eu me espanto, lendo uma crônica daquele ano escrita por Rubem Braga, o inspirador deste modesto texto (haja modéstia, ao citar Rubem Braga; nem vou chamar o meu texto de crônica):

"Um amigo meu quis reformar seu apartamento e chamou um arquiteto novo.

O rapaz disse: 'Vamos tirar esta parede e também aquela; você ficará com uma sala ampla e cheia de luz. Esta porta podemos arrancar; para que porta aqui? E esta outra parede vamos substituir por vidro; a casa ficará mais clara e mais alegre'. E meu amigo tinha um ar feliz.

Eu estava bebendo a um canto, e fiquei em silêncio. Pensei nas casinhas que vira na revista e na reforma que meu amigo ia fazer em seu velho apartamento. E cheguei à conclusão de que estou velho mesmo.

Porque a casa que eu não tenho, eu a quero cercada de muros altos, e quero as paredes bem grossas e quero muitas paredes, e dentro da casa muitas portas com trincos e trancas; e um quarto bem escuro para esconder meus segredos e outro para esconder minha solidão."

Fico pensando se Rubem Braga já imaginava que a solidão se tornaria tão démodé, agora que todo mundo tem centenas de amigos no Facebook. De qualquer forma, as paredes continuaram vindo abaixo desde aquele tempo, dependendo do dinheiro do brasileiro para contratar o arquiteto novo. Com as paredes, vão-se as portas e os trincos; e mesmo para o banheiro com tranca há quem leve o celular.

Mas saiamos do banheiro modernizado (existem boxes sem porta, Rubem, juro!) e voltemos às calçadas. Ao entulho que um dia foi parede. De madrugada, há que se sumir com os vestígios daquilo que um dia guardou a solidão, e é nessa hora que aparecem os caminhões para trocar as caçambas abarrotadas. O caminhão se faz anunciar balançando suas partes soltas e metálicas, que irão içar a caçamba. No seu sono você pensa: não, não vou acordar desta vez. Não, não vou odiar o feliz proprietário que inferniza o seu vizinho durante o dia e todo o quarteirão durante a noite. Ele precisa quebrar as paredes, coitado. Não tem segredos.

É apenas o começo, porque a operação pode durar dezenas de intermináveis minutos metálicos. E se repetirá na caçamba da calçada em frente, dali a uma hora. Você se levanta e vai para a sala. Acha um canto e só não bebe porque são três da madrugada. Pensa na reforma que não vai fazer e na silenciosa companhia de Rubem Braga, arquiteto das palavras, finalizando A casa:

"Pode haver uma janela alta de onde eu veja o céu e o mar, mas deve haver um canto bem sossegado em que eu possa ficar sozinho, quieto, pensando minhas coisas, um canto sossegado onde um dia eu possa morrer.

A mocidade pode viver nessas alegres barracas de cimento, nós precisamos de sólidas fortalezas; a casa deve ser antes de tudo o asilo inviolável do cidadão triste; onde ele possa bradar, sem medo nem vergonha, o nome de sua amada: Joana, JOANA! - certo de que ninguém ouvirá; casa é o lugar de andar nu de corpo e de alma, e sítio para falar sozinho.

Onde eu, que não sei desenhar, possa levar dias tentando traçar na parede o perfil de minha amada, sem que ninguém veja e sorria; onde eu, que não sei fazer versos, possa improvisar canções em alta voz para o meu amor; onde eu, que não tenho crença, possa rezar a divindades ocultas, que são apenas minhas.

Casa deve ser a preparação para o segredo maior do túmulo."

Termino de ler a crônica intrigada: onde estão as pessoas tristes, gritando Joana, JOANA!? Onde elas terão se escondido para escrever versos ridículos e andar nuas, se já não há paredes grossas? Talvez tenham aprendido a esconder seus segredos fora dos quartos claros e envidraçados - e eu, que estou velha mesmo, por força da nostalgia tente em vão encontrá-las nos lugares de antes.

Ou talvez elas estejam todas medicadas, e não fiquem mais tristes. Por isso os quartos escuros tornaram-se desnecessários.

Pensando bem, Rubem, vou beber alguma coisa, no meu canto sólido e inviolável, mesmo sendo três da madrugada.



Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 4/11/2011

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Os romances das ilusões de Eduardo Carvalho


Mais Marta Barcellos
Mais Acessadas de Marta Barcellos em 2011
01. A internet não é isso tudo - 14/1/2011
02. Entre livros e Moleskines - 11/2/2011
03. Somos todos consumidores - 8/4/2011
04. Em busca da adrenalina perdida - 4/3/2011
05. Cinema de autor - 26/8/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Da caverna à luz
André Paganelli
Coluna
(2013)



Divórcio
Ricardo Lísias
Alfaguara
(2013)



Olívia E O Grande Segredo
Tor Freeman
Brinque Book
(2014)



Livro Literatura Brasileira O Retorno e Terno Crônicas
Rubem Alves
Papirus
(1997)



Formacao de Professores de Linguas, a - V. 01 - Novos Olhares
Fatima de Genova Daniel; e Outros
Pontes
(2011)



Alienação do Poder de Controle Acionario
Guilherme Doring Cunha Ferreira
Saraiva
(1994)



Psiquiatria & Medicina integradas
Manoel Antonio Albuquerque.
Age
(2005)



Os olhos da aranha
Iris Murdoch
Difel
(1986)



Livro de bolso Comunicação A Arte da Quietude Aventuras Rumo a Lugar Nenhum
Pico Iyer
Alaúde
(2015)



Livro Pedagogia Ensinar e Aprender História: Histórias Em Quadrinhos e Canções
Adriane de Quadros Sobranski e Outros
Base
(2009)





busca | avançada
133 mil/dia
2,0 milhão/mês