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BLOG

Quinta-feira, 13/10/2005
Blog
Redação
 
All That Jazz

Há alguns anos, a Revista da Folha publicou uma reportagem polêmica acerca dos melhores bairros da cidade. Em verdade, a polêmica em questão foi por que o quartier de Higienópolis ficou classificado acima de muitos outros, mais tradicionais, como o endinheirado Jardins e a descolada região de Pinheiros. O fato é que se a pesquisa fosse publicada agora Higienópolis seria, de verdade, um dos melhores da cidade. Os motivos são inúmeros - como a localização, as ruas arborizadas, os bons restaurantes, o clima residencial sem ser cafona -, mas, principalmente, porque abriga, desde segunda-feira, o Tom Jazz, a nova casa da música brasileira, conforme as palavras de um de seus fundadores, Paulo Amorim.

Fundadores, sim, pois trata-se de um empreendimento que leva a marca e a tradição de três casas de espetáculo de sucesso em São Paulo: Tom Brasil, Bourbon Street e Canto da Ema. Por que, então, criar mais uma casa de jazz? Este repórter teria mil e duas razões, mas, fiel ao ofício, prefere deixar que o já citado Paulo Amorim responda: "Esta se assume como a casa do músico brasileiro. Sempre que os grandes instrumentistas internacionais vêm ao Brasil, eles desejam ouvir a música brasileira. O jazz brasileiro. Então, este vai ser o lugar". E que lugar! Confortável, iluminação adequada e muito sofisticado. Para completar a justificativa acerca dos valores (cerca de R$60 o couvert), Amorim é categórico: "Jazz é elitista no sentido cultural. Então, o ouvinte é, por excelência, mais sofisticado. Sendo mais sofisticado, ele precisa de uma casa com conforto, cuja estrutura esteja de acordo com o espetáculo." E ele segue, enfatizando que a casa possui dois camarins e sala de espera para os músicos, assim como uma carta de vinho com 60 títulos, sem mencionar o ótimo tratamento acústico, detalhe que realmente importa numa casa musical como essa.

Nesta primeira semana, o Tom Jazz recebe atrações que reafirmam o caráter da mistura da música brasileira com o jazz. É essa a impressão quando se ouve a apresentação do pianista Wagner Tiso e do violonista Victor Biglione. A dupla, que continua com shows na casa neste fim de semana (leia a programação completa aqui), investe num repertório predominantemente de clássicos da música popular brasileira, que, não por acaso, são interpretados de maneira singular, ressaltando o caráter experimental e, por extensão, jazzístico. Nesse sentido, os presentes ouviram desde "Samba de um carnaval" (a primeira música gravada de Chico Buarque) até "Doce de Coco", de Jacob do Bandolim, esta última marcada pelo improviso e pelo swing dos músicos. Nota-se, aliás, que Tiso toca um piano de altíssimo nível com economia de gestos, contrastando com a vivacidade e certa pose de Biglione, num estilo mais roqueiro, quem sabe. De todo modo, é notável como essa diferença se transforma em unidade, sendo ora mais cadenciado, ora mais frenético.

Merece destaque, sem dúvida, as versões solo de "Eu sei que vou te amar", com Wagner Tiso quase que soletrando a letra da canção ao piano, e "As Rosas não falam", em que Victor Biglione esticava as frases da música original com seus improvisos virtuosos. A apresentação terminou com um medley: Tom Jobim-Jaques Prevért. De Antonio Brasileiro, a dupla executou "Samba de uma nota só", enquanto do poeta francês uma jazzística versão de "Les Feuilles Mortes". Um começo para lá de inspirado, portanto, a estréia do Tom Jazz.

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Postado por Fabio Silvestre Cardoso
13/10/2005 às 10h00

 
Dash, dash

Camille Paglia - (...) Now I'm a champion of the web-I began writing for Salon in 1995 from the first issue on. But the style of the web, not only the surfing skimming style that you learn-dash, dash-you absorb information not by reading whole sentences. It's flash, flash, flash. Email, blog, everything is going fast, fast, fast. So the quality of language has obviously degenerated. It's obvious.

Robert Birnbaum - I don't buy that.(...)

CP - I'm talking about students-at the student level, their writing.

RB - Oh I thought you were generalizing about the state of literature.

CP - Well, I would say you see it in newspapers and magazines.(...)

Camille Paglia, em entrevista a Robert Birnbaum, no The Morning News (porque até ela tem de dobrar a língua quando fala alguma besteira sobre a internet...).

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Postado por Julio Daio Borges
12/10/2005 às 16h08

 
O Invasor reloaded

"Essa coisa de remake lá fora é complicada. Uma vez eu jantei com um cara em Nova York que queria refilmar Os Matadores. 'Pô, vamos fazer na fronteira com o México, vai ter a Sônia Braga, vai ser um arraso, só vamos mudar o final. Vocês, brasileiros, não sabem fazer final.' Puta elogio, hein? (...) Sinceramente, eu não espero muita coisa, não. Só dinheiro. E olha que nem vem tanto..."

Do escritor Marçal Aquino, ontem na Sessão Cineclube do Espaço Unibanco (o filme foi Touro Indomável), quando questionado sobre o possível remake de O Invasor nos Estados Unidos.

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Postado por Guilherme Conte
12/10/2005 às 13h05

 
Charla

Que o rádio também vai acabar, nós já sabemos. Mas foi bom ouvir isso pela boca de Eduardo Arcos, do ALT1040, agora igualmente em versão podcast.

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Postado por Julio Daio Borges
11/10/2005 às 15h54

 
The Trend Spotter

"Beneath every no/ lays a passion for yes that had never been broken."

De acordo com essa citação de Wallace Stevens, Tim O'Reilly construiu, segundo conta a Wired, o império editorial da O'Reilly Media.

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Postado por Julio Daio Borges
10/10/2005 às 15h49

 
De Ubaldo para Glauber

Fico sentido falta de que você esteja aqui para ler os originais, porque você sempre me elogia pomposamente, grandiloqüentemente, e ninguém aqui me elogia assim. Não deu um livro grande, deu um livro pequeno, mas muito denso.(...) tenho trabalhado como um infeliz, de manhã, de tarde, e de noite. Jorge Amado pegou o livro e o levou para o Rio, para dar a Ênio [da Silveira, editor da Civilização Brasileira], mas aí Ênio foi preso. Sempre acontece alguma coisa nesse estilo a quem vai publicar um livro meu. Mas já tem uns dois ou três meses que o livro foi para lá. Ênio deu os originais a um cara para ler, e o cara deve ter achado uma bosta, como acharam o outro, que é que se vai fazer... [8/11/1970, com grifo nosso]

* * *

Escrevo porque sinto falta dos amigos e me sinto um pouco desamparado. Decidi abandonar a condição de editor-chefe da Tribuna, embora ainda deva ficar fazendo uns negócios para eles. Não tenho a menor idéia do que vai acontecer, pois viver de escrever, mesmo no jornalismo, é phoda e, inclusive, ninguém me paga. A Folha paga, mas é pouco. Enfim, não sei.

Talvez seja porisso que me deprima um pouco, talvez eu esteja chegando perto dos 40 e me ache um fodido - você veja. Eu não tenho nem onde morar. Fico lembrando ocasiões em que dei vexames ou fiz algo errado e aí tenho tremores rápidos, necessitando sacudir a cabeça rapidamente de um lado para o outro.

Minha vida doméstica, graças a Deus, vai bem e então pelo menos nesse departamento há tranqüilidade. Na verdade, às vezes me recrimino por esta ansiedade cretina, esta espécie de masoquismo absurdo, esta insegurança. Dificilmente, contudo, consigo dar jeito sozinho. Quando estou com algum amigo, melhoro. Também tenho rezado pouco e talvez esteja precisando.

Tudo isso, contudo, passa. Olhe bem. Esta manhã (são oito horas), devo escrever um editorial, um artigo para a Folha e um projeto para Joaci, propondo meu novo relacionamento com o jornal. Fico achando que é pouca coisa e Berenice me diz que é muita coisa, mas eu acho que é pouca e me sinto o pior dos filhos da puta incompetentes. Deve ser falta de reforço. Deve ser que eu sou maluco. Sinto falta de tantas coisas absurdas.

Vi você de vestido na Veja, com uma cara safadíssima, e morri de rir. As coisas são engraçadas: eu tenho uma espécie de ânsia por uma vida arrumada e você é o contrário, e eu não acertaria a ser assim e, no entanto, às vezes tenho inveja. Enfim, são porras. Espero que o filme esteja indo bem. Quanto a mim, sobreviverei. Dê um beijo na Paula e nas lindas crianças.

Não se preocupe comigo. Estou melhor depois que escrevi. [31/10/1979]

* * *

Fiz o seguinte: disse a Joaci que não queria ir mais ao Jornal, que detestava me aporrinhar com aquele negócio todo de redação, enfim, que não tinha mais saco. E então não vou mais. Porém ganho uma terrível miséria para escrever um editorial todo dia, várias notas, dois artigos de lauda e meia por semana, uma crônica de três laudas por semana e mais a edição de um tablóide mensal. Com isso, julguei estar conquistando algo, pois pelo menos trabalho em casa e de bermudas, mas me dá desgosto ter que escrever merdas. Também escrevo para a Folha, como você sabe, recebendo mil e duzentos por artigo e escrevo para o Enfim, mas Tarso não me paga. Enquanto isso não se define, fico em casa ruminando e não converso com ninguém a não ser minha mulher. [28/11/1979]

João Ubaldo Ribeiro para Glauber Rocha, no recente volume Obra Seleta, da editora Nova Aguilar (porque o tempo passa, o tempo voa, e os escritores continuam reclamando das mesmas coisas...).

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Postado por Julio Daio Borges
7/10/2005 às 15h07

 
Quem sabe um talvez

Agora que começou a campanha aberta pelos dois lados do referendo do desarmamento eu queria, sinceramente, que ele tivesse a opção "eu acho que absolutamente nada vai mudar independente do resultado".

Cris Dias (simplesmente porque eu leio [e concorco com] ele).

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Postado por Julio Daio Borges
6/10/2005 às 12h26

 
Festival do Rio 2005 (IV)

Parte I
Parte II
Parte III

Voltando para a segunda parte da minha "segunda jornada" ao Festival do Rio. Depois de frisar a qualidade dos filmes brasileiros na mostra, agora parto para as grandes obras internacionais vistas ao longo dos dias 1 e 2 de outubro. Sem delongas, a elas, então:

Last Days — difícil acreditar, à primeira vista, que o mesmo Gus Van Sant de Gênio Indomável e Encontrando Forrester fosse capaz de realizar trabalhos tão profundamente filosóficos e reflexivos, porém gelidamente distantes do espectador, como a trilogia formada por Gerry, Elefante e, agora, Last Days. Sua propensão a falar de jovens, em especial os marginalizados, vem desde o começo da carreira, em trabalhos de grande interesse, principalmente Garotos de Programa, mas nada radical como os três últimos. São obras difíceis até mesmo para serem avaliadas assim de cara (lembro que não gostei do meu primeiro contato com Elefante, mas aprendi a apreciar o filme e, quando o revi, saí embasbacado). Este mais recente, então, talvez seja o mais complexo de todos, e curiosamente, talvez, o menos interessante.

Van Sant faz um ensaio fictício e contemplativo dos últimos dias de Kurt Cobain, ex-líder do Nirvana. Chamado no filme de Blake, é um roqueiro mergulhado nas drogas, no ócio, na melancolia e num estado de perturbação físico e mental que inadvertidamente o leva ao suicídio. Mas o que se vê, antes do desfecho, já é um homem morto: Blake vaga pela tela como um fantasma, alguém já desencarnado que parece buscar algo com que voltar à Terra, mas não encontra nada e decide ficar mesmo no céu (ou no inferno, que seja). Não é à toa que ele pergunta, em meio a uma canção e no melhor momento do filme, se será possível morrer novamente. Van Sant dá sua visão da morte pela terceira vez, de novo sem narrativa seqüenciada e com grande foco na sonoridade do ambiente. Elefante é mais impactante e crítico, mas Last Days guarda grandes achados na rotina daquela figura distante e sem rumo.

Manderlay — segunda parte da trilogia que o dinamarquês Lars Von Trier vem preparando e que tem como tema os EUA e seus preconceitos e injustiças. Agora com dois terços da saga de Grace definidos, e olhando em retrospecto, o anterior Dogville torna-se um filme ideologicamente infantil — apesar de muita gente já considerá-lo assim desde a estréia no Festival de Cannes 2003, sempre o achei poderoso e sincero naquilo que tenta transmitir. A força de Dogville não diminui, mas eu diria que Manderlay, que repete a falta de cenografia e a linguagem narrativa de antes (com divisão em capítulos e narração em off), o supera em diversos aspectos.

A começar pelo foco: a escravidão e o racismo na América. Quando a personagem Grace chega a uma fazenda que, setenta anos após a abolição dos escravos, mantém negros no antigo regime, ela decide assumir o local e coloca gângsteres do pai para ajudar na imposição de sua própria visão do que é correto. A crítica mordaz à política norte-americana surge logo de cara: Grace não questiona a necessidade de seus atos. Ela acredita na visão pessoal e a leva até o fim, independente de opiniões alheias — exatamente, aliás, como o próprio Von Trier faz na posição de diretor.

Só que, com o passar do tempo, a moça compreende que nem sempre o olhar particular é o correto. E aprende da forma mais dolorosa o quanto o "ajudado" pode deixar de ser vítima para se tornar algoz, num efeito inverso ao que acontecia na cidade de Dogville com a mesma Grace. Ao final (sem contar detalhes, para não estragar suspresas), o recado óbvio é de que, provavelmente, a América ainda não consegue lidar com as dores e chagas de seu passado, e pra isso tenta consertar as coisas no mundo à sua maneira. No fundo, o filme é sobre uma ditadura frustrada, tentativa mal sucedida de impor regras num universo que já as possui ao seu próprio modo.

Percebe-se que a força de Manderlay é mais certeira. O filme não é apocalíptico como seu antecessor, nem tão utópico ou simplista na resolução dos conflitos. É mais pé-no-chão, preocupa-se em criar outros tipos de laços entre os personagens, desenvolve as relações com ênfase na desconfiança e descrença. Até Bryce Dallas Howard, que substitui Nicole Kidman no papel principal, interpreta de maneira mais comedida, minimalista, tornando difícil compará-la à atriz anterior. São dois trabalhos de criação distintos, apesar de serem da mesma personagem. E a julgar pelas provações às quais Grace volta a passar, provavelmente na última parte, Wasington, ela aparecerá de novo modificada.

O Bigode — Marc mantém o bigode há anos. Certo dia, decide tirá-lo. Ninguém percebe a mudança no visual. Esposa, amigos, colegas de trabalho, todos parecem fingir não notar. Intrigado, Marc diz que tirou o bigode, e se surpreende ao ouvir dos conhecidos nunca ter tido um. Passa a ser, inclusive, considerado louco. A partir dessa premissa absurda, o francês Emmanuel Carrère adapta às telas o próprio livro e apresenta filme instigante, um pesadelo típico de Kafka na literatura ou Lynch no cinema. O que parecia se iniciar como comédia torna-se o drama de um homem que, de repente, se vê completamente sem lugar no mundo, perseguido pelas pessoas que ama e impotente diante de uma situação sem controle. O enigma se mantém quase o tempo inteiro, e uma das sacadas mais inteligentes do roteiro de Carrère é jamais revelar muito a respeito do que, afinal, está acontecendo — como fazem, aliás, os citados Kafka e Lynch (e é isso que ajuda torná-los geniais). Com maravilhosa trilha sonora do mestre Philip Glass e atuação perfeita de Vincent Lindon, o filme se torna uma das grandes pérolas a serem vistas num festival de cinema, já que as chances de lançamento comercial no Brasil são ínfimas. Se um dia surgir oportunidade, não deixe de conferir.

Caché — o austríaco Michael Haneke provavelmente é o cineasta mais provocador do cinema contemporâneo. Ácido, crítico, mordaz, ele se utiliza das situações mais banais para analisar a fragmentação e individualidade do ser humano. Falando apenas dos trabalhos mais notórios, ele abordou a fetichização do sofrimento alheio em Violência Gratuita, a incomunicabilidade e desentendimentos entre iguais na sociedade moderna em Código Desconhecido, as obsessões e loucuras do amor de A Professora de Piano e, agora, com Caché, as paranóias que cercam o ser humano num mundo perturbado.

Perturbação esta que não se sabe de onde vem, representada no filme pelas misteriosas gravações recebidas pelo casal protagonista (Daniel Auteil e Juliette Binoche). Por mais que se suspeite de quem seja, nunca há certezas, e é exatamente isso que Haneke quer frisar: os problemas que nos norteiam nem sempre têm causas aparentes, mas suas resoluções podem estar mais próximas do que queremos enxergar. Sem usar grandes recursos estilísticos, Haneke cria um suspense pesadíssimo, em que a falta de ação e de resoluções aumenta a tensão. Sem música, poucos diálogos e poucos movimentos de câmera, o diretor tira de suas cenas o que elas têm de mais potente e autenticamente realista, nas seqüências de inspiração em Robert Bresson ou John Cassavetes — mas muito mais incômodas e intrigantes naquilo que a imagem parece não comportar em termos de solução narrativa.

O controle e mão pesada são tamanhos que, num determinado momento de puro assombro (quando você vir o filme, vai saber qual é), torna-se impossível não haver choque imediato e perplexidade posterior. Se até ali o espectador ainda tinha dúvidas sobre o que Haneke falava, a partir de então o mergulho é total. E imergir no realismo estranho desse diretor é das coisas mais ricas e fundamentais que se pode ter atualmente em cinema — mas nem por isso das mais prazerosas. Só vendo.

Café da Manhã em Plutão — mais novo filme do irlandês Neil Jordan. Depois da experiência maravilhosa com o melodrama em Fim de Caso, ele volta a abordar a juventude e seus devaneios que tanto marcam trabalhos anteriores (como Nó na Garganta). Conta a história do jovem que, abandonado pela família, é adotado e torna-se um moleque anárquico e sem freios — além de travesti, o que complica sua situação. Decide sair em busca da mãe e encontra pelo caminho de tudo um pouco, desde mágicos que exploram sua beleza andrógina a terroristas do IRA (Exército Republicano Irlandês). É certamente dos melhores filmes de Jordan, e tem o primeiro grande papel da vida de Cillian Murphy (de Extermínio, Batman Begins e do recente Vôo Noturno). A narrativa corre solta em pequenos capítulos que acabam funcionando como esquetes na vida do personagem, incluindo sonhos e devaneios mais fantásticos. Aliás, a força do filme está mesmo nesse protagonista. Ele intercala momentos de afetação efeminada com um intimismo comovente de quem ainda está em busca da sua identidade, simbolizada pela mãe perdida. É um conto de amadurecimento, crescimento e ternura, regado a momentos de fantasia e fábula. Curioso.

E é isso, por enquanto, o que tenho a dizer do Festival do Rio 2005. Agora é aguardar que estes filmes estréiem logo no circuito brasileiro (alguns já garantidos, como Manderlay em novembro). Até a próxima!

[1 Comentário(s)]

Postado por Marcelo Miranda
6/10/2005 à 01h37

 
Tudo junto na mesma panela

Risoto (porque, até que enfim, surgiu uma podcaster e porque, até agora, eu não sei o nome dela...).

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Postado por Julio Daio Borges
5/10/2005 às 09h12

 
Festival do Rio 2005 (III)


Parte I
Parte II

Se você vai a um festival internacional de cinema, talvez o maior do país, e os filmes do seu próprio território se destacam tão ou mais que os de outras partes do mundo, não tem como não ficar feliz à beça. Foi o caso do meu último final de semana (dias 1 e 2 de outubro) no Festival do Rio. Depois de uma primeira ida apenas razoável, com poucos destaques de peso, agora tudo esteve melhor: a credencial já funcionava sem problemas, o acesso aos filmes estava mais fácil, as sessões eram mais calorosas, a produtividade aumentou (foram dez filmes vistos, no total) e a qualidade subiu para a estratosfera. Nunca imaginei que o evento pudesse me proporcionar momentos tão maravilhosos e grandiosos. Superou.

Em homenagem ao cinema brasileiro, presente na mostra em peso, com obras inéditas e de enorme peso artístico, vou comentar nessa terceira parte da cobertura apenas os que vi realizados aqui no país. Quem estiver no Rio, não pode perder esse restinho de festival (vai até quinta-feira, 6 de outubro). Detalhes sobre horários e ingressos no site oficial.

Cinema, Aspirinas e Urubus - encantador primeiro longa do pernambucano Marcelo Gomes, esteve na prestigiosa mostra Um Certo Olhar do último Festival de Cannes, na França. Como a produtora Sara Silveira disse, ao subir no palco do Odeon do Rio, é "um filme pequeno", e muito bonito e autêntico na sua proposta de retratar duas vidas em fuga. É 1942, a guerra acontece na Europa. Um alemão fugindo do conflito roda o nordeste num caminhão vendendo o mais novo produto contra os "males do corpo", a aspirina. A cada cidade por onde passa, exibe filmetes em 16mm sobre os benefícios do medicamento. No caminho, encontra um nordestino que passa a acompanhá-lo. Ele foge do destino que a seca lhe reserva: pobreza, miséria, trabalho ingrato. Ambos vão se relacionar na amizade, na dor, na solidão, no perigo da morte, nos riscos daquele universo hostil.

O filme aposta na interação desses dois personagens desgarrados e num humor que surge de forma natural, singela, nunca debochada. Acima de tudo, Gomes tem respeito enorme pela história que conta e por quem a protagoniza - e mais, por quem a assiste. Em poucos momentos o filme não é perfeito, quase o tempo todo é impossível deixar de acompanhar os passos dessa dupla improvável. Nada a ver com O Auto da Compadecida, este um outro tipo de abordagem. Em Cinema, Aspirinas e Urubus, o drama vem da tristeza e da aceitação, do imprevisível e do choque de culturas. Os atores, Peter Ketnath e João Miguel, ambos sensacionais, imprimem nos rostos desgastados o que a realidade lhes impõe. A secura das imagens, fotografadas por Mauro Pinheiro Jr, nos faz entender, de uma vez por todas, porque o sertão de filmes como Guerra de Canudos e Eu Tu Eles pode, sim, ser chamado de "cosmético". A comparação com Vidas Secas, aqui, jamais soa exagerada. A tonalidade esbranquiçada da tela, em cores enfraquecidas pelo excesso de sol, simplesmente reflete a falta de cores que reside no interior dos dois novos amigos.

Infelizmente, o filme não será mais exibido no festival (salvo agendamentos de última hora). Pena. Ovacionado pelo público presente na sua primeira sessão, tem enorme potencial de se dar bem no mercado, mesmo não tendo sido realizado no eixo Rio-São Paulo e lidando com temática razoavelmente esgotada no cinema brasileiro. Deve ser lançado em circuito comercial a partir de novembro. Se há uma palavra que qualifique, de cara, esse trabalho de Marcelo Gomes, com certeza é "imperdível". Enquanto isso, vale a pena conhecer o site da produção.

Crime Delicado - quem espera deste novo trabalho de Beto Brant o mesmo tom incômodo, realista e provocador de seus longas anteriores (em especial O Invasor), pode se decepcionar. Brant se afasta da linguagem meio acelerada e do tom marginal para realizar um projeto profundamente autoral, reflexivo, poético. Baseado em livro de Sérgio Sant'Anna, é a história de um crítico teatral que se envolve com uma mulher possuidora de deficiência física (falta-lhe uma das pernas). Ela serve de modelo para pintor que a retrata nua em quadros acusados pelo crítico de "pornográficos".

A relação tempestuosa do casal é só ponto de partida para Brant viajar pela mente do personagem principal e dar sua visão de arte, ciúme, amor. Apesar da premissa, não existe trama definida, nem encadeamento de cenas que sigam qualquer ordem pré-estabelecida - não é um filme fora de cronologia, mas simplesmente um filme sem cronologia, em que os acontecimentos vão se acumulando nas imagens estáticas (mas jamais sem movimento) e nos embates extremamente intensos de quem aparece na tela.

A ousadia de Brant em mostrar uma amputada nua (algo incomum no cinema mundial, sem dúvida), a entrega total da estreante Lilian Taublib como a deficiente, a interpretação forte de Marco Ricca, a beleza plástica proporcionada por Walter Carvalho (diretor de fotografia), o imbricamento da linguagem teatral analisada pelo crítico na sua própria vida, com esquetes e rápidas conversas (com direito a participação antológica do encrenqueiro Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga), os diálogos do roteiro, escrito por Marçal Aquino (na quarta parceria com o cineasta), são pontos-chave para a compreensão e o apreciamento do filme.

Trabalho sem qualquer apelo ou concessão comercial que certamente não encontrará grandes platéias - apesar do próprio Beto Brant acreditar no potencial de alguns elementos da produção. Em rápida entrevista, ele me disse que o filme possui vários pontos de contato que podem interessar ao espectador, como o teatro, a pintura, o romance meio atabalhoado dos protagonistas. Mas ele provavelmente sabe, inteligente como é, que só isso não garante público. Brant fez um filme intenso, enigmático, atmosférico, que não será compreendido por todos. Ainda assim, um trabalho de peso, fundamental na seara comum que aparentava tomar o cinema feito no Brasil.

Tapete Vermelho - a retomada de um cinema caipira, marcada pelo sucesso de 2 Filhos de Francisco, começa a dar frutos com este filme de força impressionante e de muita delicadeza, que homenageia um dos maiores ícones do cinema popular brasileiro. Quinzinho, jeca do interior paulista, sai pelas estradas com a família na tentativa de cumprir a promessa de levar o filho de dez anos para assistir, no cinema, a um filme de Mazzaropi, o maior dos caipiras da tela. Boa parte da força do filme de Luiz Alberto Pereira reside em dois elementos. Primeiro, a habilidade em incluir na narrativa aparentemente realista "causos" contados no interior, como simpatias, pactos com o diabo, maldições e mal olhado. Assim, em determinado ponto, o filme parece se transformar numa espécie de "deus e o diabo na terra do jeca", tamanha imaginação. E o segundo elemento é a interpretação esplendorosa de Matheus Nachtergaele. Difícil imaginar outro ator na pele de Quinzinho, e o próprio diretor sabia disso, já que esperou nove meses para que Nachtergaele terminasse um trabalho na televisão e se envolvesse com o filme. Ele imprime a Quinzinho inocência e ironia, com um poder de fazer graça das pequenas coisas como raramente acontece. A inspiração em Mazzaropi é clara e assumida, desde o jeito de andar, de lidar com as pessoas, de falar, até de pensar. O carisma e o talento do ator enriquecem ainda mais o que o filme já tinha de bom.

Tapete Vermelho acaba sendo uma ode ao cinema, mas não como o clássico Cinema Paradiso. É algo mais sereno, singelo, sutil, sobre o sonho de um homem humilde que quer apenas mostrar ao filho aquilo que mais marcou a sua infância, mas encontra portas literalmente fechadas (com o fim dos cinemas de rua do interior e a falta de exemplares dos tais filmes de Mazzaropi). E serve ainda de referência ao mesmo cinema que o originou - o enredo, por exemplo, é um arremedo de O Pagador de Promessas, trocando a igreja do filme de Anselmo Duarte por uma sala de projeção, e o burrinho pelo ícone de Mazzaropi. Grande trabalho, tem tudo para agradar ao público quando estrear (talvez só em 2006) e marcar de vez esse ressurgimento do caipira, figura tão ímpar e verdadeira dentro da nossa cultura.

Sou Feia mas Tô na Moda - documentário em digital sobre o fenômeno do funk na periferia carioca. Investiga, através de entrevistas e registros dos bailes "pancadões", o que, afinal, esse pessoal, em especial as mulheres, pensa e quer. E a conclusão a que chega é óbvia: as "cachorras", "preparadas" e mais quaisquer outros adjetivos pejorativos que elas levem nas noites regadas ao mesmo tipo de ritmo e letras sexualizadas gostam de ouvir aquele tipo de som, se sentem inseridas e identificadas naquilo. Interessante o filme de Denise Garcia conseguir, a partir de música da pior qualidade, gerar interesse de entender esse movimento de massas que não pode ser ignorado nem marginalizado - é o que a grande maioria diz no filme: por serem favelados negros, os funkeiros não têm acesso pleno à mídia, ficando à mercê da discriminação por conta de uma suposta pornografia, enquanto loiras e morenas se esbaldam dançando "na boca de um gargalo de garrafa", como se diz na produção. "A gente fala da realidade! Não falamos sacanagem, falamos o que acontece de verdade. Sacanagem é o cara mais velho comer a menininha na novela das oito, aquilo é sacanagem", grita em altos brados um dos letristas funkeiros. Como lhe tirar a razão? Sou Feia mas Tô na Moda funciona à perfeição nos seus dois primeiros terços. Ouve pesquisadores, cantoras, gente pobre que enxerga no funk uma possibilidade de crescimento social (através de composições que, se pecam na pobreza de estilo, o que reflete apenas a imagem de suas vidas, se destacam na sinceridade com que berram ao microfone), freqüentadores dos bailes em busca de algo que os torne dignos, que os insira em algum universo com o qual se sintam bem-vindos.

Em compensação, a última parte do documentário é lamentável: tentando legitimar o funk da periferia, Denise Garcia mostra uma turnê do DJ Marlboro por países da Europa e apresenta a opinião nada embasada de produtores culturais que acham a tal música "cool" ou "nice". Chega a colocar um taxista para ouvir a gritaria (que para ele soa sem sentido) e termina o filme com a opinião "favorável" do pobre trabalhador. É aceitável e fundamental a preocupação da diretora em investigar o funk e seus significados sociais, mas não dá para cair na tentativa pífia de querer nos convencer da pretensa qualidade artística do "pancadão". Aí não rola, mermão.

No próximo post aqui no Digestivo, ainda hoje à noite ou amanhã, vou falar sobre os filmes internacionais vistos no final de semana. Desde os badalados Manderlay e Last Days até surpresas peculiares como O Bigode e o impacto de Caché na madrugada carioca. Aguardo vocês, então. Até lá.

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Postado por Marcelo Miranda
4/10/2005 às 13h00

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