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Sexta-feira,
27/11/2015
O que era da TV e agora é do cinema. E Vice-versa
Guilherme Carvalhal
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Há não muitos anos, a casa era o local onde se devia sempre manter o respeito e os bons costumes e a rua era o local onde as práticas não permitidas se davam. O namoro era apenas pegar na mão e beijaço era da porta para fora. Um caso curioso sempre foi a série de restrições ao conteúdo televisivo, enquanto pelos cinemas havia maior permissão para se assistir conteúdo proibido.
Os cinemas de filme pornô foram forte nesse quesito. Com a moralidade que se deveria manter em casa, o local para se acessar esse tipo conteúdo devia ser público, porém escondido. Dona Flor e seus dois maridos figura entre uma das maiores bilheterias do cinema nacional tendo o conteúdo erótico como uma forte atração. Sempre me lembro de um senhor que conta seu choque adolescente quando viu Brigitte Bardot nua em E Deus criou a mulher.
Assistir a série Jessica Jones me deu a impressão de como essa ótica do cinema e da televisão parece um tanto quanto alterada. Nas telonas onde se exibia o conteúdo proibido estão os filmes moralistas e com algum tipo de recado ético. Nas telas da TV está o conteúdo que a sociedade tende a considerar agressivo ou que provoca maiores discussões.
O modelo de filmes das Marvel é de grande covardia e moralismo. O primeiro do Capitão América salta às vistas: é um filme sobre a Segunda Guerra, com um herói que combate a Alemanha, mas o nazismo e o Holocausto parecem mero detalhe. Nenhuma referência a judeus executados em campos de concentração, mas enfoque no Caveira Vermelha com planos maléficos que deixariam Hitler no chinelo. O Homem de Ferro nos quadrinhos sofre de alcoolismo. No filme, o problema dele é com contaminação radioativa por parte do aparelho que o mantem vivo. Olhando todos esses filmes, como Os Vingadores, Homem-Formiga e Guardiões da Galáxia, temos uma produção feita para a família, para os pais levarem seus filhos para ver um filme de heróis onde o vilão é derrotado no final.
Quando a produção se deu para Netflix, atingindo o âmbito privado das residências, o conteúdo mudou completamente. Nas duas obras feitas até agora, Demolidor e Jessica Jones, o que se tem é um panorama completamente diferente. Aqui, muitos outros valores que o sistema vigente de moral prega são postos de lado. Vilões matam e usam da tortura, o uso de álcool e drogas é exposto até por parte dos heróis, além de dramas internos pouco compatíveis com a figura de salvador da pátria. Ou seja: o conteúdo considerado positivo está nos cinemas e o negativo está dentro de casa.
A lógica social hoje em dia está em patamares bem diversos de épocas anteriores. Os pais com filhos pequenos já cresceram em uma sociedade globalizada em que muitos valores mantidos já não eram tão rígidos. A geração que cresceu com a violência do videogame ou com a introdução de conteúdo mais erotizado na programação televisiva (que sempre passava em altas horas da noite ao invés de poder ser acessada a qualquer momento pela TV por assinatura ou pela internet) é essa que hoje cria seus filhos em um mundo bastante diferente do de algumas décadas atrás.
Também é preciso pensar que, dentro dessa mudança de parâmetros na sociedade, a indústria midiática acaba atendendo a outros apelos por parte do público. Um dos principais filões dos cinemas dos últimos anos tem sido sagas adolescentes, esse eternamente figurando como principal público do cinema. Jogos Vorazes, Harry Potter e demais produções tem alcançado grandes bilheterias, ao utilizar temáticas que são interessantes a essa faixa etária, como rompimento com a inocência e a ideia de a busca por grandes aventuras. A pornografia, tão restrita há algumas décadas, tornou-se algo banal e que não move mais grandes mutirões. Poderíamos citar 50 Tons de Cinza como exceção se esse não fosse arrastar o público mais pelo sucesso de vendas do livro do que pelo interesse de se excitar assistir ao longa.
De tal forma, o conteúdo para o público adulto, esse mais diversificado em seus gostos do que a linearidade do adolescente, acaba sendo levado para dentro de casa. Tanto que sua definição de público é mais maduro, para pessoas que tenha maturidade para encarar o enredo. Séries como Narcos, Família Soprano e Sons of Anarchy tem teor altamente contrário aos padrões comportamentais e estão ao alcance com um clique do controle remoto.
Dizer que houve uma inversão na sociedade e que o ambiente privado da casa é o local da permissibilidade e as ruas o do pudor seria um completo exagero. Porém, o mundo passou por muitas mudanças (como o complexo conceito de pós-modernidade) e muitas das referências de então não nos cabem mais. Nesse caso específico de indústria cultural, novas tecnologias e novos referenciais de gostos e de relacionamento geraram esse espaço diferente onde o proibido se dá ou não. Basta lembrar que o deputado federal Protógenes Queiroz quis impedir a exibição do filme Ted dos cinemas. Da exibição na TV por assinatura ninguém questionou.
Postado por Guilherme Carvalhal
Em
27/11/2015 às 15h23
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