A dignidade da culpa, em Graciliano Ramos | Ricardo Gessner

busca | avançada
75396 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Vera Holtz abre programação de julho do Teatro Nova Iguaçu Petrobras com a premiada peça “Ficções”
>>> “As Artimanhas de Molière” volta aos palcos na Cidade das Artes (RJ)
>>> Com Patricya Travassos e Eduardo Moscovis, “DUETOS” volta ao RJ
>>> “Sonho Encantado de Cordel, O Musical” chega ao Teatro Claro Mais SP
>>> Jade Baraldo e Josiel Konrad agitam o Dolores Club, na Lapa (RJ)
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Salinger que poucos leram
>>> Cartuns de Michael Jackson
>>> A vida sexual da mulher feia
>>> Isso sim era guerra...
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> David Lynch em BH
>>> O Código Da Vinci em tela plana
>>> Olhos de raio x
>>> Wilhelm Reich, éter, deus e o diabo (parte I)
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
Mais Recentes
>>> Limites de Roberto Amaral pela Editora Record (1999)
>>> O Relógio Belisário de Jose J. Veiga pela Bertrand Brasil (1999)
>>> O Umbigo Do Anjo de Fernando Pessoa Ferreira pela Editora Record (1998)
>>> Muito Romantico de Toni Brandao pela Gutenberg (2012)
>>> Aprenda A Ser Feliz Com Os Florais De Bach de Mara Paroni E Celso Paroni pela Bach Centre (2008)
>>> O Passado Fará Você Chorar de Chester Himes pela Record (1999)
>>> O Tao Da Negociação de Joel Edelman pela Record (1996)
>>> Romeu E Julieta de William Shakespeare pela Publifolha (1998)
>>> Paulo VI - Construtor de Futuro de Carlo Cremona pela Paulinas (1997)
>>> Transtornos Do Desenvolvimento E Do Comportamento de José Raimundo Facion pela Ibpex (2007)
>>> Livro Quem Canta Seus Males Espanta com Cd + 1 Livro De Brinde de Theodora Maria Mendes pela Caramelo (2017)
>>> Agenda De Sabine de Nick Bantock pela Editoro Marco Zero (1995)
>>> 365 Histórias Para Ler E Sonhar - Uma História Por Dia + 1 Livro De Brinde de Ciranda Cultural pela Ciranda Cultural (2017)
>>> O Iluminado de Stephen King pela Record (1977)
>>> Os Grandes Artistas 8 Volumes de Editora Nova Cultural pela Nova Cultural (1991)
>>> Série Mortal 30 Volumes de Nora Roberts J. D. Robb pela Bertrand (2007)
>>> Filhos do Éden Livros 1 e 2 de Eduardo Spohr pela Verus (2011)
>>> A Batalha do Apocalipse de Eduardo Spohr pela Verus (2011)
>>> Tempo dos Anjos de Anne Rice pela Rocco (2010)
>>> De Amor e Maldade de Anne Rice pela Rocco (2011)
>>> Bruxos e Bruxas 4 Volumes de James Patterson pela Novo Conceito (2013)
>>> Trilogia do Círculo 3 Volumes de Nora Roberts pela Bertrand (2011)
>>> As Calhoun 4 Volumes de Nora Roberts pela Harlequin (2010)
>>> Criatividade E Processos De Criacao de Fayga Ostrower pela Editora Vozes (1987)
>>> Turma Da Mônica Jovem Vol.3 - de Maurício De Sousa pela Panini
BLOGS >>> Posts

Domingo, 23/9/2018
A dignidade da culpa, em Graciliano Ramos
Ricardo Gessner
+ de 1800 Acessos

Em 1934, um brasileiro nascido na cidade de Quebrângulo, Alagoas, chamado Graciliano Ramos, publicou o romance São Bernardo. É um livro que põe o dedo numa ferida sempre aberta, por mais esforços que se faça para silenciá-la: o sentimento de culpa. E não seria exagero dizer que a obra mereceria estar ao lado de Crime e Castigo (Fiódor Dostoievski), Ressurreição (Leon Tolstói) ou Metamorfose (Franz Kafka), num panteão de obras essenciais ao entendimento da natureza humana, não fosse a língua portuguesa que a condenou a ser um “galho menor de um arbusto secundário dos jardins das musas”. Ora, no jardim das musas não há arbustos secundários, e os leitores de língua portuguesa também têm seus privilégios.

O romance é uma espécie de autoanálise em que Paulo Honório, narrador-personagem, reconta a história de sua ascensão social, graças às falcatruas, emboscadas, relações de falsa amizade e interesse. Relembra de como levou Luís Padilha (antigo dono e herdeiro da fazenda São Bernardo) à falência; de como planejou o assassinato de seu vizinho para expandir suas terras; de como perdeu o interesse pelo próprio filho; de como levou sua esposa, Madalena, ao suicídio.

Diante de tais atrocidades, Paulo Honório lamenta-se de uma, em específico: a consciência de não conseguir sentir culpa. Apesar de pequenos indícios de aflição, trata-se de um sentimento ambíguo, pois não brota de um arrependimento, mas da consciência de ser incapaz de arrepender-se. Diz Paulo Honório: “Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige”; ou seja, mesmo se tivesse uma segunda chance, não faria diferente. Noutra situação, quando manifesta a ausência de amor pelo filho, sua expressão é emblemática: “Nem sequer tenho amizade a meu filho” – veja-se a precisão e sutileza com que se expressa: nem sequer “amizade” sente pelo filho, ou seja, nem mesmo o mínimo de afeição esperada, ao que se completa: “Que miséria!”.

A interjeição diante da falta de “amizade” pelo filho – “que miséria!” – é reveladora. Paulo Honório reconhece a miséria de sua própria condição moral. “Reconhecimento” é um item importante nas tragédias gregas: é o momento em que o herói reconhece sua condição de desgraça. Nesse sentido, São Bernardo é um romance trágico, construído sobre um paradoxo: à medida que Paulo Honório ascende socialmente, decresce moralmente. É uma ironia presente no próprio nome do protagonista: “Honório” provém de “honorius”, que em latim significa “honorífico”, “honrado”, sendo sua raiz etimológica: “honor”: “honra”; entretanto, toda sua honra se restringe à sua condição social, não moral.

A grandiosidade do romance está na figura de Paulo Honório ao reconhecer sua condição moral miserável e assumi-la como sua responsabilidade. Obviamente que não elogio suas ações criminosas, nem as defendo. Por outro lado, ele não mente para si mesmo: “Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu”. Se por um lado é uma fala que revelaria a perversidade do protagonista, por outro é um gesto de coragem, de alguém que assume a responsabilidade diante de sua condição de desgraça, consciente da própria incapacidade de se libertar.

A atualidade de São Bernardo não está na construção do típico “sinhozinho” que é Paulo Honório; não está na caracterização do explorador avaro e sem sentimentos; não está na crítica ao “capitalismo perverso que corrompe as pessoas”. A atualidade de São Bernardo está em ser um contraponto a um mundo que facilita e, silenciosamente, valoriza a mentira para justificar ou negar as próprias falhas, medos e fraquezas. Se Paulo Honório justificasse o suicídio de sua esposa pela adesão ao comunismo – “Comunista, materialista. Bonito casamento!”, exclama o narrador em pensamento, durante uma conversa a respeito de sua esposa –, seria menos doloroso. Contudo, seria menos honesto, menos consciente.

Quando Paulo Honório assume sua responsabilidade diante da própria vida, quando assume ser o culpado de sua desgraça, torna-se moralmente digno, pois sua coragem e sobriedade merecem respeito. Um gesto raro.

Um dos itens que compõe uma obra clássica é a contribuição para um entendimento mais profundo de nossa natureza e condição. São Bernardo é um clássico.


Postado por Ricardo Gessner
Em 23/9/2018 às 15h59

Mais Ricardo Gessner
Mais Digestivo Blogs
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!

* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Lord Arthur Savile`s Crime and Other Stories
Oscar Wilde
Oxford
(2014)



Almanaque de Vida Infantil 1952
Diversos autores
Vida Domestica
(1952)



Um Coração Ardente
John Bevere
Dynamus
(2002)



Assassins Creed Renascenca 602
Oliver Bowden
Galera Record
(2013)



é Possivel Superar a Violencia na Escola?
Luciene Regina Paulino Tognetta / Telma Pileggi vi
Do Brasil
(2012)



Yom Hashuoa - Holocaust Day
Ben Abraham
Sherit Hapleita
(1988)



O Caderno de Michelangelo
Paul Christopher
Rocco
(2006)



Livro Química Segundo Grau Volume Três
Ricardo Feltre
Moderna
(1977)



A Memória De Uma Amizade Eterna
Gail Caldwell
Globo
(2011)



Residências Inteligentes
Caio Augustus Morais Bolzani
Livraria da Física
(2004)





busca | avançada
75396 visitas/dia
1,7 milhão/mês