A Marafa Carioca, de Marques Rebelo | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

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Segunda-feira, 22/12/2003
A Marafa Carioca, de Marques Rebelo
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 12400 Acessos
+ 2 Comentário(s)

"É sempre nas capitais que o sangue humano se vende mais barato". (Jean-Jacques Rosseau - Emílio ou da Educação)

Com a atual decadência em que se encontra a cidade do Rio de Janeiro, sendo tragada por um lamaçal de corrupção em todos os níveis, de pobreza, de politicagem, de marginalização, de violência, de uma sujeira lamentável do espaço urbano, de incerteza quanto ao futuro, da alienação e infelicidade geradas por tudo isso - a vida humana que habita esse universo deveria ser um tema aprofundado pela pena de algum romancista.

Na falta deste romancista, podemos ler agora o livro Marafa, de Marques Rebelo, lançado este ano pela editora Nova Fronteira. Embora o romance seja de 1935, quando ganhou o Grande Prêmio de Romance Machado de Assis, ele nos convida a um passeio por um Rio de Janeiro que está longe de ter desaparecido ou de desaparecer.

Não acreditam? Pois então acompanhem o seguinte trecho do livro de Rebelo: "Mendigos estendem as mãos imundas, mostrando chagas, andrajos e deformidades. Mendigas dão maminhas mirradas a esqueletos de crianças. Inválidos, cegos, aleijados, portadores de elefantíase, suspeitas caras de leprosos, há mendigos nas esquinas, nas soleiras, no portão dos cemitérios, nos degraus das igrejas, à porta dos restaurantes, dormindo no sopé das estátuas e nos bancos das praças. Há tantos mendigos e falsos mendigos como há pardais. E há a Comissão de Turismo, convidando o mundo, com maus cartazes, para conhecer as belezas naturais da capital maravilhosa."

Marques Rebelo, com os seus flagrantes da metrópole pequeno-burguesa, suas histórias irônicas e enternecidas ao mesmo tempo, a sua funda simpatia pelos humildes e desajustados, caixeiros de armarinhos, fuzileiros navais, boxeadores, cafetões, prostitutas, mulatas capitosas, mocinhas do subúrbio, é um romancista da cidade do Rio de Janeiro, da mesma família de um Machado de Assis e de um Lima Barreto.

Pioneiro do romance urbano, Rebelo retratou como nenhum outro escritor a transformação continua do Rio de Janeiro a partir dos anos 30, o frenesi de sua vida noturna, sua sensualidade e seus vícios.

Marafa é uma crônica do imenso mural da metrópole individual e coletiva, pessoal e anônima, que é o Rio de Janeiro. Segundo Ribeiro Couto, "na maneira incisiva e calma, na atitude meio zombeteira, meio piedosa, a posição espiritual de Marques Rebelo é a de um continuador da tradição desses mestres admiráveis da novela urbana, homens para quem a vida citadina de todos os dias existe - a vida humilde, burguesa, monótona, difícil, de toda gente e de todos nós".

Trechos como este confirmam a observação de Otto Maria Carpeaux, que dizia que "a matéria prima de Marafa são justamente as drogas que envenenam esse povo carioca, anestesiado pelo carnaval, pelo futebol, pela mulata, pelas leituras falsas e pela baixa politicagem".

A palavra Marafa, que dá título ao romance, e que se encontra hoje em desuso, significa, segundo o dicionário Aurélio, "vida desregrada, licenciosa, libertina". E é dentro deste mote que circulam os personagens suburbanos que aparecem dentro do romance, marcados, sempre, por uma existência trágica.

O romance é escrito em pequenos capítulos, às vezes, surgem até poemas em prosa, no qual um grande número de personagens se insurge com marcada presença existencial, sendo que desaparecem e voltam repentinamente para depois sumirem novamente. O desenrolar do livro marca o ritmo normal da vida urbana nascente daquele tempo, firmada nos tempos de hoje, onde estranhos nos cruzam, interferindo ou não em nossa vida para, depois, sem mais nem menos, desaparecerem para nunca mais serem reencontrados por nós.

Mas existem dois personagens centrais no livro, ao qual a maior parte das ações está ligada. José e Teixeirinha. O primeiro é um homem honesto e trabalhador, que se apaixona por uma suburbana com o qual quer se casar. Para melhorar sua vida, pois só assim poderá ser aceito pela família da moça e se casar, transforma-se num lutador de boxe, mergulhando no submundo dos contratos sujos e falsos das violentas lutas. Sua família, no qual faz parte um irmão com carreira pela medicina, acha esse investimento de José, através do boxe, indigno para um homem de sua classe. Aos poucos, no entanto, vão se acostumando com a fama do filho lutador que sai em todas as manchetes de jornais como um grande campeão.

O segundo personagem, Teixerinha, é o protótipo do malandro, com passagens ocasionais pela polícia, que vive de pequenos golpes, explorando prostitutas, pulando de quarto em quarto de hotéis sórdidos para fugir de credores e que, para dar algum sentido menos perverso à sua existência, cuida de alguma escola carnavalesca.

A grande surpresa do livro é a forma com que esses dois personagens se encontram, fechando o sentido trágico de suas existências. Não podemos, evidentemente, narrar o encontro dos dois, pois o leitor não pode perder o prazer da surpreza e o terror que advém deste encontro.

Os personagens do romance de Rebelo nos surpreendem a cada aparição com suas nuances contraditórias e multifacetadas. É o caso do cuidadoso, bem comportado e estudioso irmão de José, que acaba se apaixonando pela pretendente de seu irmão, que passa a maior parte do tempo viajando atrás de lutas de boxe, vindo a assediá-la de forma insistente. A recusa da mesma leva-o a transtornos emocionais perigosos. Mesmo a mocinha, assustada diante do fato, mergulha em universos próximos ao suicídio por não conseguir informar ao noivo o assédio que sofre por parte do seu irmão. Neste momento estamos próximos das tragédias cariocas de Nelson Rodrigues, só que no caso de Rebelo a contensão repressiva vence.

Dentro do romance como um todo, o que se faz notar é esse cheiro de noite, de perversão, de desespero, de carências, de insanidade - porém, tudo relatado de uma forma tranqüila, sem o mínimo expressionismo. Segundo Massaud Moisés, na literatura de Rebelo "não se houve um berro, um gesto dissonante". No entanto, segundo Mário de Andrade, "ele era o nosso criador mais pessimista, uma personalidade sofrida e trágica".

Esse passeio pela vida cotidiana de personagens suburbanos ou de classe média em ascensão e o confronto de seus desejos com as exigências de uma vida urbana em formação valem, per se, a leitura de Marafa. Diferente da escrita machadina, fortemente marcada pela psicologia dos personagens, no caso de Rebelo o que conta é a dinâmica entre o ritmo da vida vulgar dos seus personagens e o ritmo de sua escrita - elementos que se bem entrosados fazem sugir aquilo que pode ser definido como uma excelente obra de arte.

Para ir além




Sobre o autor

Marques Rebelo, jornalista, contista e crônista, é o pseudônimo literário de Edi Dias da Cruz. Nascido em 1907 no Rio de Janeiro, faleceu na mesma cidade em 1973. Foi leitor ávido de Balzac, Flaubert e Eça de Queiroz desde sua infância, que passou entre Barbacena (MG) e Rio de Janeiro. Foi eleito em 1964 para a Academia Brasileira de Letras. Seu romance mais conhecido é A Estrela Sobe, de 1939, sobre a vida de uma suburbana que "vence" no rádio, a grande fábrica de ilusões dos anos 30. Para quem quiser fazer uma viagem através de sua vida e de suas polêmicas literárias vale ler sua biografia, da coleção "Perfis do Rio", recentemente lançada pela editora Relume-Dumará.


Jardel Dias Cavalcanti
Campinas, 22/12/2003

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* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
22/12/2003
12h13min
Caro Jardel, parabéns pela resenha, é tudo o que estávamos precisando para ‘cutucar’ esta atual sociedade e devemos sempre lembrar e fazermos vibrar Marques Rebelo, principalmente ‘Marafa’, que é uma historia atual e lúcida! Não podemos continuar mantendo toda essa imbecilidade (é assim, somos vistos) de bundas coloridas, de lixos culturais (Tchan! e degradações semelhantes), chega de putrefações intelectuais, precisamos analisar estes erros para que possamos fazer surgir, emergir, submergir de forma nítida e veloz a grande riqueza cultural que possuímos e que a mídia não faz questão de ‘dividir’, pelo motivo absurdo de que a grande população prefira o lixo. Devemos nos felicitar pelo surgimento de Maria Rita (parabéns, pelo fato de ter absorvido e transmitido em palavras as emoções que a interpretação/voz dessa mulher nos causa sempre!), de Ana Carolina e sua ‘garganta’ feroz e vibrante e todos os outros dessa linha. Vamos ver o Rio de Janeiro sem a câmera do Leblon (nebuloso ‘Neblon’), que a TV ‘diz’, estamos problemáticos; ótimo o desafio é a recuperação e não a hipocrisia das novelas e filmes (sem contar com a remela de falsos atores – ex-modelos e atuais ‘celebridades’), que são exibidos no exterior. Vamos ser rebeldes e mudar, já que o caos não está só no Rio de Janeiro, está em outros ‘meses e cidades’, a transformação do cenário cultural é o ‘chamado’ para toda conscientização! Parabéns Digestivo (Digeri). Fernanda Gonçalves
[Leia outros Comentários de Fernanda Gonçalves]
24/12/2003
19h48min
jardel, a superfície volátil que colocam sobre o atual cenário carioca pelo jeito é clareada numa linha cultural em marafa, me interessa saber mais, pretendo ler o livro, já que pouco tempo atrás escrevi para a revista científica do senac/sp sobre a banalização do corpo carioca e também sobre a "bunda music". li sobre o que escreveu sobre a linda herança deixada por elis, para nós - a talentosa maria rita! parabéns, maria alice
[Leia outros Comentários de maria alice ximenes]
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