Ser brasileiro nas Olimpíadas | Daniela Sandler | Digestivo Cultural

busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Yassir Chediak no Sesc Carmo
>>> O CIEE lança a página Minha história com o CIEE
>>> Abertura da 9ª Semana Senac de Leitura reúne rapper Rashid e escritora Esmeralda Ortiz
>>> FILME 'CAMÉLIAS' NO SARAU NA QUEBRADA EM SANTO ANDRÉ
>>> Inscrições | 3ª edição do Festival Vórtice
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Do Comércio Com Os Livros
>>> E-mails a um jovem resenhista
>>> O Conflito do Oriente Médio
>>> García Márquez 1982
>>> Sex and the City, o filme
>>> Evangelización
>>> 2007 enfim começou
>>> Depeche Mode 101 (1988)
>>> Borges: uma vida, por Edwin Williamson
>>> Why are the movies so bad?
Mais Recentes
>>> O Anjo guardião magia sagrada e divina 586 de A. C. Godoy pela Madras (1994)
>>> Prática E Exercícios Ocultos 586 de Gareth Knight pela Ediouro (1987)
>>> Ajuda te pela auto hipnose 586 de Frank S. Caprio pela PapeLivros
>>> Testes psicológicos 586 de Hubert Happel pela Ediouro (1979)
>>> Eça De Queiroz Revisitado de Marie-helene Piwnik pela Opera Omnia (2012)
>>> Como Organizar Sua Vida Financeira de Gustavo Cerbasi pela Campus (2009)
>>> Psicologia Econômica de Vera Rita De Mello Ferreira pela Elsevier (2008)
>>> Pesquisa Operacional Para Decisão Em Contabilidade E Administração de Carlos Renato Theóphilo pela Atlas (2011)
>>> Rituais de Aleister Crowley de Marcos Torrigo pela Madras (2001)
>>> Os Novos Romance de Luiz Vilela pela Record (2023)
>>> Outlander - A Viajante de Diana Gabaldon pela Casa das Letras (2016)
>>> Autoridade Espiritual Genuína de David W. Dyer pela Ministério Grão de Trigo (2008)
>>> Playing For Keeps: Michael Jordan And The World That He Made de David Halberstam pela Random House (1999)
>>> Manual Prático De Levitação de Elias Jose pela Gryphus (2005)
>>> Livro Temas Sobre Lazer de Heloisa Turini Bruhns (0rg.) pela Autores Associados (2000)
>>> Fé E Emoções de Ney Bailey pela Candeia (1986)
>>> Um Diario Imperial de Gloria Kaiser pela Reler (2005)
>>> Outlander - Os Tambores do Outono de Diana Gabaldon pela Arqueiro (2016)
>>> Escritos e Biografias de São Francisco de Assis de São Francisco de Assis pela Vozes (1988)
>>> Avivamento Total: O Cristão Como Verdadeiro Modelo Para A Sociedade Da Qual Faz Parte de Caio Fábio pela Vinde (1995)
>>> Profecias Morenas de Jorge De Souza Araujo pela Uesc (2014)
>>> A Moura Torta 603 de Rosane Pamplona pela Folha de S. Paulo (2022)
>>> Um Chamado Divino de Unknown pela Fisicalbook
>>> Gramática Latina de Napoleão Mendes de Almeida pela Saraiva (1990)
>>> Viagem A Portugal de Jose Saramago pela Companhia Das Letras (1997)
COLUNAS

Quarta-feira, 1/9/2004
Ser brasileiro nas Olimpíadas
Daniela Sandler
+ de 4000 Acessos

“Que reação exemplar”, repetia, admirado, o apresentador da rede de televisão norte-americana NBC. Na tela, o maratonista Vanderlei Lima percorria o estádio olímpico com um sorriso enorme e alternando gestos de alegria: acenando para a multidão, abraçando gente nas arquibancadas, imitando aviãozinho com os braços abertos. Lima acabava de completar a maratona em terceiro lugar – conquistando medalha inédita para o Brasil – após liderar a prova em quase toda a sua extensão. E após ter sido empurrado para fora da pista, no meio da corrida, por um manifestante lunático.

O apresentador no estúdio e o repórter no estádio trocavam frases entusiasmadas sobre a alegria e o espírito olímpico de Lima. Em vez de desistir da prova após o incidente, em vez de fazer escândalo ou entrar em paranóia de segurança, Lima voltou à pista e ainda ganhou medalha. Talvez os apresentadores norte-americanos tivessem em mente a histeria de seu próprio país, em que mínimas suspeitas de brechas possíveis na segurança levam a reações extremas e exageradas de punição e vigilância. Ou talvez pensassem na mania de processo dos Estados Unidos, em que qualquer deslize que prejudique ou interfira remotamente na vida de alguém – de acordo com os preceitos radicais tanto do politicamente correto quanto do conservadorismo de direita – é motivo para entrar no tribunal. Nesse estado de espírito beligerante e desconfiado, deve ter sido uma surpresa enorme ver Lima correndo e comemorando.

Nem tanta surpresa assim. A julgar da cobertura norte-americana das Olimpíadas, o Brasil é uma terra de gente emotiva e passional, exuberante e pitoresca. Durante o jogo de vôlei feminino entre Brasil e Cuba, disputando a medalha de bronze, o comentador definiu as brasileiras como “emocionais”, em referência às lágrimas de uma jogadora na quadra, em plena semifinal. Na final do vôlei de praia masculino, a cobertura deu destaque ao “super-herói do Brasil” – assim mesmo, em chamada no canto da tela. Marcelo, o torcedor embalado em macacões colantes e sungas apertadas, nas cores berrantes da bandeira brasileira, apareceu dançando e rebolando na arquibancada, tornado personagem pelo olhar curioso da tevê americana. Imagens de Marcelo em jogos anteriores, finalizando com entrevista durante a final. A repórter abraça Marcelo. Contato físico e demonstrações afetivas não são exatamente parte do comportamento americano, mas a jornalista quer entrar no clima brasileiro. Marcelo manda sua mensagem: “Power and happiness”. Os apresentadores norte-americanos repetem, focando na felicidade. É a cara do Brasil: uma peruca cacheada verde-bandeira e amarelo-canário, sorriso, abraço e felicidade.

O estereótipo não é tão ruim assim, e, como todo lugar-comum, tem seu fundo de verdade. Nosso temperamento é mesmo diverso do norte-americano, ou do europeu: somos mais expansivos e menos formais. Até aí, notar diferenças culturais é chover no molhado. E por que não sorrir diante da imagem simpática, ainda que às vezes um pouco ridícula, que fazem de nós os povos do norte?

O povo cordial

Essa nossa imagem, sob a capa inocente da benevolência, é conveniente demais para quem a constrói. Isso não é novidade. Do homem cordial ao comentário de Charles de Gaulle (“O Brasil não é um país sério”), até as esculhambações contemporâneas de Diogo Mainardi, muitos brasileiros e estrangeiros já notaram que a nossa irreverência se presta a mais interesses que a pura diversão. Vantajosa para iniqüidades internas, aceitas com pouca resistência pela população; lucrativa para opressões externas, em que o país acede à sua própria exploração. Quando o país tenta mudar seu peso – como nas recentes e sucessivas disputas contra concorrência desleal no comércio internacional –, países economicamente dominantes como Estados Unidos e Canadá reagem com virulência desmedida. Essa ordem de poderes econômicos e preconceitos culturais nos reserva o papel carnavalesco do povo que sofre, mas sorri; pobre, mas feliz.

O exemplo de Lima é revelador. O corredor é atacado, empurrado para o meio da platéia, no momento que talvez seja o mais importante de sua carreira até então. Dá a volta por cima e, como os apresentadores não cansam de repetir, sorri e está feliz. O ataque, realizado por um ex-padre maluco que já havia se metido no meio de uma corrida de Fórmula 1, é representado quase que como um cataclisma natural, uma inevitabilidade que se pôs no meio do caminho de Lima como um acaso infeliz, um azar – e Lima que se vire com ele. É com alívio que os apresentadores interpretam o bom-humor do maratonista – com alívio e exagero, ao dizer que o sorriso significa que o próprio corredor reconhece que o ataque não alterou seu curso na corrida nem influenciou o resultado. Alívio: ninguém vai contestar a medalha de prata norte-americana, ninguém vai dar escândalo ou reclamar compensação pela segurança falha.

Paternalismo

Isso foi antes de Lima declarar, em entrevista, que o ataque custou-lhe o ouro; antes de a Federação Brasileira solicitar uma medalha de ouro para o atleta (a competição teria dois vencedores no primeiro lugar). Nesse hiato, os jornalistas americanos se sentiram livres para fazer comentários paternalistas sobre a reação exemplar de Lima – “What an attitude!”. O comentarista – que supostamente entende algo do esporte – repetiu com candura inacreditável que o ataque não pode ter tido nenhuma influência no bronze de Lima, já que claramente os dois corredores que o ultrapassaram demonstraram muito mais energia no final da prova. Ora, qualquer um que sabe um pouquinho apenas sobre maratonas e outras provas de longa distância sabe também que não apenas preparo físico é essencial, como também disposição mental. O desempenho depende de concentração, de prestar atenção ao próprio corpo, administrando velocidade e energia sem deixar que o cansaço se transforme em desespero. Saber até onde explorar os próprios limites sem extingui-los. Numa modalidade em que o corpo se desgasta absurdamente, perder a cabeça é perder a prova. Imagine-se o que passou pela cabeça de Lima ao ser atacado – fisicamente agredido, sem saber se o ataque era pessoal ou político, se era ato terrorista ou palhaçada, se o atacante queria só dar um empurrão ou se teria feito mais. Voltar à prova com a consciência da vulnerabilidade e da insegurança, com quilômetros pela frente onde outros ataques poderiam ocorrer.

Quem já sofreu agressão física, mesmo leve – como ter a carteira batida, levar um empurrão ou ser bolinado – sabe como é fácil ficar atordoado depois do tranco, mesmo que o corpo esteja intacto, e perder por instantes a dimensão prática e imediata. Lima não apenas não perdeu, como fez muito mais – retornou à maratona ateniense, considerada por muitos atletas como o percurso mais difícil até hoje. Finalmente, o corpo sofre quando o exercício físico prolongado é interrompido subitamente – e sofre de novo para retomar o ritmo. É razoável supor que tudo isso tenha custado no mínimo os dois minutos de diferença entre o ouro e o bronze de Lima.

Mas o comentarista repetiu bobamente que o ataque não fez diferença. Houvesse sido um americano a vítima, já teriam acionado o alerta de terror vermelho-vinho e os advogados junto ao comitê olímpico não só para conceder medalha de ouro, como para obter indenização à altura. E, quando vieram a versão de Lima – e o pedido, negado, da Federação Brasileira –, os apresentadores calaram rápidos seus comentários anteriores.

A questão, é claro, vai além da medalha de ouro. É impossível saber se Lima teria vencido a maratona sem o ataque – impossível, porque não aconteceu. É provável que tivesse vencido, sim – mas, ainda que acreditemos, como Lima, que esse seria o caso, uma prova esportiva não pode ser baseada em credo, mas apenas em fato. O contrário é uma ofensa tanto ao talento de Lima quanto ao feito do italiano que terminou a prova primeiro. Podemos considerar que o feito de Lima foi ainda maior – ser atacado, interrompido, e ainda assim completar a prova em terceiro lugar. Mais difícil que ganhar o ouro tranqüilo. Nesse caso, um prêmio especial faz sentido – ainda que o prêmio de fair play e espírito olímpico concedido ao brasileiro tenha um ranço de consolação. O atacante maluco privou Lima de algo mais precioso que a medalha de ouro – privou-o de saber se teria vencido ou não.

Já a atitude do jornalismo norte-americano (que, no geral, reflete a atitude da maioria da população e do governo) revela condescendência e o desejo de manter os outros (nós, e os demais) no silêncio sorridente do conformismo. Sem resistência, sem contestação, sem ameaça. Talvez o Comitê Olímpico não tivesse negado tão imediatamente um pedido similar de dupla medalha de ouro se o pedido tivesse sido feito pela Federação Norte-Americana. Talvez o Comitê tivesse assumido com mais veemência sua própria falha na organização do evento (ainda que alguns digam que um incidente desse tipo teria sido inevitável).

Ser brasileiro

A delegação brasileira, por sua vez, não fez feio. Sim, muitas vezes cumpriu-se a “profecia” de Mainardi, que, há algumas semanas, definiu o atleta típico brasileiro como aquele que se esforça, vence dificuldades sociais, financeiras, etc., dá tudo na prova e morre na praia. Sim, o temperamento emotivo dos brasileiros custou-lhes medalhas – como no caso de Daiane dos Santos, que admitiu ter sido prejudicada pelo próprio nervosismo. Não chegamos nem perto dos países no topo do ranking, e talvez a nossa comemoração do número inédito de medalhas de ouro em uma Olimpíada (quatro) seja desproporcional se comparada às conquistas da Rússia, Estados Unidos e outros “gigantes” olímpicos. Mas fechamos os jogos com chave de ouro – com o perdão do trocadilho, com a atitude de nobre de Lima, que, além de ser atacado, voltar à prova, terminar, ganhar bronze, sorrir, celebrar e demonstrar alegria, não abaixou a cabeça aos afagos paternalistas e reiterou o que qualquer apresentador de televisão norte-americana com direitos exclusivos de cobrir a Olimpíada devia saber.

Espírito olímpico

"We are Americans! We are Americans! They will surrender! We won't!" (Do senador John McCain, durante a convenção do Partido Republicano norte-americano, em 30/08, sobre a guerra contra o terrorismo.)


Daniela Sandler
Rochester, 1/9/2004

Mais Daniela Sandler
Mais Acessadas de Daniela Sandler em 2004
01. Olá, Lênin! - 10/3/2004
02. Brasil em alemão - 7/7/2004
03. Muros em Berlim, quinze anos depois - 24/11/2004
04. Dia D, lembrança e esquecimento - 9/6/2004
05. Fritas acompanham? - 18/8/2004


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Repertório de Jurisprudência e Doutrina Sobre Liminares
Teresa Arruda Alvim Wambier
Revista dos Tribunais
(1995)



Internet - Guia de Orientaçao
André Luiz N G Manzano; Maria Izabel N. G. Manzano
Erica
(2010)



As Três Balas de Boris Bardin
Milo J. Krm Potic
Tordsilhas
(2012)



Prosperidade
Lair Ribeiro
Objetiva
(1992)



Origens Da Universidade: A Singularidade Do Caso Potuguês
Aldo Janotti
Edusp
(1992)



Livro Literatura Estrangeira Eleanor & Park
Rainbow Rowell
Novo Século
(2013)



Um jogo cada vez mais sujo 296
Andrew Jennings
Panda Books
(2014)



Livro Literatura Brasileira Suor
Jorge Amado
Record
(1995)



Genética Neoliberal
Susan Mckinnon
Ubu
(2021)



Em Busca Do Verdadeiro Eu
A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada
Bhaktivedanta Book Trust
(2014)





busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês