O comerciante abissínio | Guilherme Pontes Coelho | Digestivo Cultural

busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Cultura Circular: fundo do British Council investe em festivais sustentáveis e colaboração cultural
>>> Construtores com Coletivo Vertigem
>>> Expo. 'Unindo Vozes Contra a Violência de Gênero' no Conselho Federal da OAB
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Ed Catmull por Jason Calacanis
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> Conduzinho Miss Maggie
>>> Relações de sangue
>>> Unsigned and independent
>>> Pô, Gostei da Sua Saia
>>> Poesia e inspiração
>>> Painel entalhado em pranchas de cedro *VÍDEO*
Mais Recentes
>>> Terror no Museu Mal-Assombrado de R.L. Stine pela Ediouro (1985)
>>> Discurso Sobre A Servidão Voluntária de Étienne De La Boétie pela Folha De S.Paulo (2021)
>>> Missão de Espionagem de Ruth Glick e Eileen Buckholtz pela Ediouro (1985)
>>> Voz Do Silencio, A - Colecao Dialogo de Giselda Laporta Nicolelis pela Scipione (paradidaticos)
>>> A Vingança Do Poderoso Chefão de Mark Winegardener pela Record (2009)
>>> Os Homens Que Nao Amavam As Mulheres de Stieg Larsson pela Companhia Das Letras (2008)
>>> Expedição a "Vernico 5" de Megan Stine e H. William Stine pela Ediouro (1985)
>>> Humor E Crítica de Luiz Gama pela Folha De S.Paulo (2021)
>>> Clínica de identificação de Clara Cruglak pela Companhia de Freud (2001)
>>> Inovação Como Rotina. Como Ajudar Seus Colaboradores A Transformar Ideias Criativas Em Realidade de Paddy Miller pela Mbooks (2013)
>>> Discurso Sobre A Servidão Voluntária de Étienne De La Boétie pela Folha De S.Paulo (2021)
>>> Neuroses Atuais E Patologias Da Atualidade de Paulo Ritter pela Pearson (2017)
>>> Manual De Medicina De Família E Comunidade de Ian R. McWhinney; Thomas Freeman pela Artmed (2010)
>>> Padrões De Cultura de Ruth Benedict pela Folha De S. Paulo (2021)
>>> Diário De Pilar No Egito de Flavia Lins E Silva pela Pequena Zahar - Jorge Zahar (2014)
>>> Clarice, Uma Biografia de Benjamin Moser pela Cosac & Naify (2013)
>>> Auditoria Fácil - Série Fácil de Osni Moura Ribeiro; Juliana Moura pela Saraiva (2013)
>>> Ladinos E Crioulos de Edison Carneiro pela Folha De S.Paulo (2021)
>>> O Processo de Franz Kafka pela Martin Claret (2010)
>>> Guardiões Do Carma - A Missão Dos Exus Na Terra de Wanderley Oliveira; Pai João de Angola pela Dufaux (2017)
>>> Os Evangelhos Gnósticos de Elaine Pagels pela Cultrix (1995)
>>> Sobre A Liberdade de John Stuart Mill pela Folha De S.Paulo (2021)
>>> Contabilidade Básica Fácil de Osni Moura Ribeiro pela Saraiva (2010)
>>> O Espetáculo das Raças de Lilia Moritz Schwarcz pela Companhia Das Letras (1993)
>>> A Cabala e a Arte de Ser Feliz de Ian Mecler pela Sextante (2007)
COLUNAS

Quarta-feira, 7/4/2010
O comerciante abissínio
Guilherme Pontes Coelho
+ de 6800 Acessos
+ 1 Comentário(s)


Rui Pires © (http://rui-pires.artistwebsites.com)

Ele era um comerciante habilidoso. Sabia, como por um dom clarividente, as ervas para todas as necessidades, os tecidos para todas as indumentárias e acessórios, os animais para todos os trabalhos. Este saber nada tinha de mágico, na verdade. Era a manifestação de uma aguda sensibilidade, tanto de espírito quanto de sentidos.

Um andarilho. Harar, Aden, Tadjoura, Zeila... O deserto. O vazio. As cidades. Os mercados. Visitou cada um deles. Mercados apinhados, com cores e rostos distintos, à algaravia de vários idiomas. Entre essa gente, nosso comerciante andarilho, oferecendo cretone adamascado, merinó azul, flanela vermelha, pérolas Decan & Co.; botões ornamentados, fitas douradas, brillés. Panelas, tesouras, couro de bode. Ouro, almíscar. Seda, crepe, lona, algodão.

Item por item, ele conhecia um por um. Assim como as pessoas. A quem vender, a quem não vender. Por quanto vender: o preço justo para quem compra e lucrativo para ele. E o que e com que fim vender: o cretone adamascado, matéria-prima das maréchates, as mantas que vestem os abissínios; Bloknote, uma marca de blocos de papel, ideal para o alfabeto amárico ― debdabies amara ― por suas linhas estreitas; seda azul da Índia, adequada para confecção dos djanos, outro modelo de manta abassi. Assim por diante. Com precisão cristalina, ele comercializa bens: "Tecido de algodão, de trama cerrada, quente, espesso, com a resistência dos panos leves para vela, cortados no comprimento com faixas vermelhas e azuis de cinco centímetros de largura, separadas entre si por vinte centímetros".

Riqueza, longe disso. Mas, sim, próspero, à sua maneira. Nunca lhe faltou trabalho. Havia tanto o que comerciar, por sinal, que ele se aventurou a vender armas, seduzido pela chance de ganhos astronômicos. Mas a transação deu errado. Esta incursão pelo tráfico de armas, temperada com subornos absurdos e caprichos da realeza etíope, deixou um gosto amargo em sua boca. Voltou então a trabalhar entre aromas, fragrâncias, texturas, metais. Sua vocação.

"Próspero, à sua maneira". Nos onze anos em que viveu como comerciante, de 1880 a 1891, ocupou casas simples, indistintas das habitações nativas. "Vivia como um beneditino", disse um contemporâneo. Mal havia móveis onde morou, o que levava amigos a se perguntarem onde infernos ele dormia ― porque, além da ausência de camas, quando em casa, era sempre visto escrevendo, noite adentro, numa mesa improvisada. Escrevia muito, mas nada literário. Cartas, pessoais e comerciais. Primorosas pela concisão e pela sagacidade.

Os únicos luxos visíveis nas casas em que viveu eram os que ele proporcionava aos seus hóspedes, geralmente amigos precisando de um teto temporário, e à sua "família". Não família de sangue, mas de fato, composta por duas pessoas. Uma, o jovem criado abissínio, natural de Harar, adquirido em plena adolescência e que viveria uma década ao lado do seu amo, sempre diligente e prestativo (esta dedicação renderia uma profunda estima de seu mestre, a ponto de ele, o "fiel servidor", ser o único lembrado nos últimos dias de vida do seu senhor, tanto por necessitar de sua assistência quanto por destinar a ele uma certa herança). A outra, uma bela abissínia cor de café, natural de Choa, que desempenha as funções de empregada doméstica. Era tímida e doce e só saía de casa na companhia do comerciante andarilho. Gostavam de passear pelo mercado popular. Ele a ensinava francês com paciência e ternura. Planejava ter filhos com ela, contrariando seu espírito livre de andarilho por meio da perpetuação.

Sua família logo voltaria a ser apenas ele e seu servidor. A abissínia voltou para sua cidade, por vontade dele. A História não soube registrar nem seu nome, nem se fora contratada ou mesmo comprada. Esse relacionamento, nas palavras dele, foi uma "farsa".

(Estes envolvimentos domésticos alimentaram boatos de que ele também traficava escravos. Ah, foram só boatos mesmo, incentivados por preconceitos acadêmicos.)

Ele era assim. Facilmente seduzido por uma ilusão. Convicto e irascível em se desiludir.

Irascibilidade era uma de suas características. Sobretudo em questões de trabalho. Se algo desse errado na aquisição ou na oferta de suas mercadorias ele explodia contra quem quer que fosse. Estas mudanças radicais de humor eram toleradas por amigos e parceiros de negócios: é de se esperar isso de um homem sincero e mercador honesto.

Outra característica por todos notada, e por ele mesmo sempre alardeada, era sua constante expressão de tédio. Queixava-se sempre de estar entediado ― e seus amigos percebiam. Talvez por isso ― talvez! ― ele gostasse tanto de esforços físicos extenuantes. Era um caminhante incansável. Em suas caravanas, mal utilizava cavalos. Simplesmente caminhava quilômetros desérticos, impressionando pelo ritmo e pela resistência, vestido como um muçulmano. Tantas jornadas extremas lhe causariam uma sinovite incurável e mortífera.

Apesar do eterno tédio estampado no rosto, era um ótimo contador de histórias. Seus amigos gargalhavam ao ouvi-lo e ao ler suas cartas. O trabalhador obstinado, constantemente aborrecido e que nunca esboçava um sorriso era fonte de risos, quem diria.

Era um homem generoso. Não negava ajuda a ninguém e seguia o código universal da generosidade autêntica: agia em silêncio e jamais se vangloriava.

Magro, alto, loiro. Poliglota. Conhecedor do Corão. Olhos azuis penetrantes e inesquecíveis. O comerciante abissínio, Arthur Rimbaud.

Para ir além
Rimbaud na África (Nova Fronteira, 2007, 496 págs.), de Charles Nicholl.


Guilherme Pontes Coelho
Brasília, 7/4/2010

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Por que Harry Potter é boa literatura de Fernanda Prates


Mais Guilherme Pontes Coelho
Mais Acessadas de Guilherme Pontes Coelho em 2010
01. Nas redes do sexo - 25/8/2010
02. A literatura de Giacomo Casanova - 19/5/2010
03. O preconceito estético - 29/12/2010
04. O retorno à cidade natal - 24/2/2010
05. O mundo pós-aniversário - 3/2/2010


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
11/8/2010
14h52min
Lindo texto!
[Leia outros Comentários de jardel]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Marketing Cultural ao Vivo
Francisco Alves
Francisco Alves
(1992)



A Turma do Meet
Annie Piagetti Müller
Target Preview
(2005)



Livro Estrangeira O Gabinete Secreto
Stephen Frey
Best Seller
(2003)



Eureka!
Rupert Lee
Nova Fronteira
(2006)



Os Caçadores de Mamutes - Os Filhos da Terra - Volume 3
Jean M. Auel
Record
(2004)



Modernas Técnicas de Gerência e Administração - Organização e Métodos
Harry Miller
FGV
(1980)



O Que o Dinheiro Não Compra
Michael J. Sandel
Civilização Brasileira
(2013)



Crestomatia da Imortalidade
Divaldo Franco
Leal
(2002)



Obras Completas de Stefan Zwieg - 29 Volumes
Stefan Zwieg
Civilização - Porto
(1980)



Submundos do Sexo no Iluminismo
G. S. Rousseau; Roy Porter
Rocco
(1999)





busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês