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Segunda-feira,
13/12/2010
Educação de Verdade
Daniel Bushatsky
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A revista Veja publicou, na edição do último 10 de novembro, reportagem com o sugestivo título "Só falta pensar no ensino", na qual notícia que existem no Congresso Nacional 76 projetos de lei para incluir novas matérias no já inflado currículo escolar.
Dentre as brilhantes ideias estão ensinar Esperanto, língua criada no século XIX com a pretensão de ser universal, e aulas sobre o Código Nacional de Trânsito desde o maternal. Fantástico, não?
Porém, as matérias que mais chamam a atenção são "Cooperativismo" (preparar o aluno para constituir novas cooperativas em sua região), "Cultura de Paz" (construir uma genuína cultura de aceitação da diversidade) e "Leitura e Educação para a Mídia" (desenvolver o senso crítico dos alunos em relação à mídia). Isto porque são matérias que deveriam ser ensinadas através de um projeto pedagógico sério e eficiente, a qualquer tempo, não necessitando de projeto legislativo específico para isto, muito menos que ocupassem o valioso espaço na grade curricular.
Ou seja, não é necessário "perder" tempo criando matérias que são inerentes ao processo de ensino e de desenvolvimento do conhecimento.
O professor Gabriel Chalita ensina que o aluno deve desenvolver três habilidades na escola: cognitiva, social e emocional (ver, ao fim da coluna, nota 1).
Assim, óbvio que não é necessário que o aluno frequente aulas sobre cooperativismo, e sim que aprenda a comunicar-se bem (habilidade social) e entenda as vantagens e desvantagens do cooperativismo (habilidade cognitiva), se quiser e sentir necessidade em eventual aula optativa.
Aliás, órgãos ligados ao governo ensinam sobre cooperativismo e outras formas de associação de forma mais eficiente e barata, visando o real interesse do aluno-empreendedor.
Mas não é só. Os projetos (e a matéria da revista) demonstram que nossos representantes não estão pensando realmente no ensino, mas sim em interesses pessoais, sem levarem em conta a real necessidade ou profundidade do programa. O aluno precisa aprender a realizar uma leitura crítica da realidade. Isto é o essencial e não se ensina em um semestre. Ensina-se durante toda a vida, mas deve-se começar na escola e, quiçá, em casa.
A filósofa Hannah Arendt, em seu livro A condição humana, prega a reflexão sobre "o que estamos fazendo?". É isto que o aluno deve tentar compreender e ser ensinado. Como? Por exemplo, tentando compreender seus sentimentos com uma análise crítica, que passaria por reconhecer sua vontade, entender seu pensamento e julgá-lo. Os três estágios acima são retirados de outro livro da filósofa: The life of the mind.
Passando por esses três estágios, aí, sim, deve-se tomar uma ação.
Infelizmente, ensinar a chegar a um julgamento e tomar uma ação não é garantia de se criar um cidadão ideal ― se é que isto existe ―, mas é um caminho.
Aristóteles dizia que havia três tipos de vida: (i) carnal (pior tipo), onde o sujeito só pensava em futilidades; (ii) política, onde o sujeito pensava em todos; e (iii) contemplativa (melhor tipo), onde o sujeito era desapegado às coisas e pessoas (ver nota 2) . Para criar pessoas que se encaixem nos modelos (ii) e (iii) seria necessário moldar seu estado moral.
Novamente para Aristóteles, em seu livro Ética à Nicômaco, os estados morais que devem ser evitados são: "o vício, o desregramento (intemperança) e a bestialidade. As disposições opostas no que tange a dois desses três estados são evidentes: a uma delas chamamos de virtude, à outra de autocontrole (temperança). Como oposto da bestialidade será mais adequado empregar a expressão virtude sobre-humana, ou virtude numa escala heróica ou divina".
Não querendo criar deuses, é de bom tom focar na virtude e no autocontrole. Acredito que ensinando os estágios de Hannah Arendt não seria impossível termos cidadãos melhores, que consigam lutar pela "Cultura de Paz", tenham uma visão crítica da mídia e, por que não, não saiam espancando homossexuais em plena Avenida Paulista.
Certamente, para os atuais mestres desenvolverem as três fases acima, exigir-se-ia um currículo menos extenso em matérias, no mínimo inúteis, e maior reciprocidade e comprometimento entre mestres e alunos.
Neste último ponto, concordo com o professor Gabriel Chalita quando ele diz que sem habilidade emocional não só não será possível alcançar habilidade cognitiva e social, como também que é com ela que se conquista a autonomia e a felicidade (ver nota 3).
Ora, é por meio de equilíbrio emocional, conquistado através da atenção e do crescimento conjunto de aluno e mestre ou mestre e aluno, que se alcança um aluno consciente e questionador e, portanto, pronto para enfrentar o mundo como ele é: desafiador!
Está na hora da ação: vamos lutar por uma educação de verdade!
Notas do Autor
(1) Para Gabriel Chalita: a) habilidade cognitiva: "é a habilidade de absorver o conhecimento e de trabalhá-lo de forma eficiente e significativa"; b) habilidade social: "é a preparação para a convivência em uma sociedade plural. A preparação para o trabalho em grupo, em equipe, cuja aprendizagem dever ser significativa"; e c) habilidade emocional é: "o grande pilar da educação é a habilidade emocional. Não é possível desenvolver a habilidade cognitiva e a social sem que a emoção seja trabalhada. Trabalhar emoção requer paciência (...) A emoção trabalha com a libertação da pessoa humana. A emoção é a busca do foco interior e exterior, de uma relação do ser humano com ele mesmo e com o outro, o que dá trabalho, demanda tempo e esforço, mas que significa o passaporte para a conquista da autonomia e da felicidade". (fonte: Educação: a solução está no afeto, Editora Gente, 2001).
(2) Para Tomás de Aquino o sujeito desapegado de coisas materiais iria para o céu; já o apegado, para o inferno.
(3) Jean-Claude Rousseau, filósofo do período Romântico, acreditava que a felicidade era por comparação. Aqui estamos defendendo a ideia de felicidade emocional, conquistado sem comparações, mas sim por entendimento das questões internas e saboreando os prazeres da vida, sem comparações.
Daniel Bushatsky
São Paulo,
13/12/2010
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