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Terça-feira, 10/4/2012
Nuno Ramos, poesia... pois é
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 8600 Acessos

Nuno Ramos tem gosto pela palavra. É autor de Ensaio Geral, livro de quase 400 páginas, além de mais 5 obras literárias: O pão do corvo, O mau vidraceiro, Cujo, Ó (prêmio Portugal Telecom de Literatura em 2009) e Junco (livro de poesia). No seu trabalho como artista plástico, também a palavra aparece como um dos elementos principais de sua criação.

Não estranha, portanto, o fato de Nuno Ramos também ser poeta. Seu livro, que denominou Junco, foi editado pela Iluminiras em 2011. O livro reúne poemas escritos e retrabalhados desde 1996, chegando até suas produções de 2010. Junto aos poemas, o poeta publica fotografias duplas, onde aparecem, lado a lado, as figuras de um cachorro caído em estradas e de troncos de árvores abandonados em praias desertas. A orelha do livro foi escrita pela estudiosa de literatura Flora Süssekind.

Depois da leitura de Junco, a primeira coisa que nos vêm à mente é a famosa frase de Mallarmé, endereçada ao pintor Degas, de que "não é com ideias que se fazem versos, mas com palavras". Esta talvez seja a característica principal da relação de Nuno Ramos com a poesia, ou seja, a de tratar o poema como o lugar onde a palavra explode quase como um objeto e não como instrumento de transmissão de ideias. Seu desejo é de reduzir a palavra a si mesma, torná-la independente da ideia, de quem sempre fôra veículo.

Se sua poesia tem uma grande virtude, ela é, antes de qualquer outra, a de abandonar o Eu romântico, característica que ainda assola parte da poesia contemporânea (e causa da desgraça de muitos poetas). Isso, por si só, já coloca Nuno Ramos junto com grande parte da boa poesia publicada hoje no Brasil (como é o caso da poesia de Júlio Castañon Guimarães).

Essa característica se deve, talvez, ao fato de que Nuno Ramos seja um artista plástico, lidando com objetos que são por ele (re)significados a partir de sua própria materialidade. E a poesia, enquanto lugar da vida das palavras, enquanto corpo presente, não deixa de ser um ramo entre outros da própria ideia de arte que Nuno processa.

Essa ideia pode ser reforçada pelas fotografias que conjugam uma relação próxima aos poemas, que são também objetos abandonados à sua condição de pura matéria, palavras deixadas na maré do asfalto das páginas do livro.

Também podemos pensar na ideia da palavra como objeto a partir de uma definição esplêndida que encontramos no livro Cujo, do próprio Nuno Ramos: "A pele do conteúdo cai. Depois de muitas peles, o próprio conteúdo cai. Depois o caído cai. Até a aniquilação."

Essa aniquilação interessa para a arte, lugar onde se detona o trabalho do tempo ao dar aos objetos o direito a uma última aparição, que seja na forma da matéria em estado bruto, só lâmina, mas transmutada na delicada condição poética do seu derradeiro resitir e existir.

A poesia de Nuno Ramos tateia os objetos e por isso estamos tão próximos de sentir sua presença carnal entre nossos dedos. Isso porque cada palavra parece investida de uma corporeidade que não a afasta, através de simbólicos significados ocultos, do objeto que representa. Lendo um dos poemas, o leitor poderá comprovar o que se disse acima:

Por fazer do mar gelatina
e tirar da areia sua opaca
modelagem
é a ti que canto, polvo
coisa mole e desabitada
pelo arcabouço de uma ossada
pronto para a metamorfose
lagarta transparente
onde recentes bichos humanos
mastigam
estrelas íntimas.
São oito veios de coral
canais de pedra e pistilos
renda
de sifões mínimos
onde sobre o alimento
pelo canudo faminto
que suga caule, areia e sal
e tudo o que cabe
numa manhã solar.

Lendo o poema acima, temos a sensação de que é a própria palavra quem fala, fala-se a si mesma, no sentido exigido por Mallarmé, de que ela se desvincula do sujeito, sendo mais "nome" que "verbo". A palavra deixa de ser o condutor de alguma verdade ou de conteúdos anímicos do sujeito (em crise).

Nas artes plásticas a mesma revolução já se processou, onde a tela não é mais o lugar da simples representação ou da transmutação do eu lírico em arte, mas da experiência física dos materiais no seu entre-choque com a forma.

Na literatura, Rimbaud iniciou essa revolução, tornando a palavra independente, sendo som, cor, valendo mais pelo que sugere do que pelo que transmite. Ele sente que o A é negro, "de negro veludo, esmaltado de ouro fino". Depois disso, a palavra teria outro valor na poesia, deixando de ser subordinada ao conteúdo. Não há mais possibilidade de poesia confessional, substituindo-se o EU pela poesia do É.

Em Nuno Ramos algo semelhante se processa, quando sentimos a dimensão sinestésica entre palavra e coisa: "polvo/ coisa mole e desabitada/ pelo arcabouço de uma ossada". Até se pode falar, em Junco, de um além do que desejava a poesia moderna, quando se buscava o casamento entre som e significado em unidades sólidas, o conteúdo intelectivo e o efeito sonoro produzindo um todo orgânico.

Chegando ao limite do dizível, resta à palavra sua existência própria, carnal, seu cheiro próprio, sua materialidade única, objectual, excluindo da sua relação com o homem a comunhão simbólica (já que a linguagem per si está em crise - ou Beckett não existiria), mantendo a distância entre as coisas e o eu. Poesia como "faca, só lâmina", como no verso de João Cabral, que Nuno admira tanto, chegando a dar à sua exposição no SESC o título "Só Lâmina".

É nesta clave que se situa a poesia de Nuno Ramos. E o casamento entre a plástica da fotografia e as palavras do poema em Junco está longe de servir como um instrumento de ilustração de um para o outro. Não são os significados que dão valor aos objetos (cachorro, troncos, palavras), são os objetos que se significam enquanto existência bruta, impondo-se peremptoriamente ao expectador, seja como coisa vazia de sentido (como o próprio homem), ou seja como o oceano deserto ou a estrada perdida, onde ancoramos nosso olhar, deitado sobre o vazio do objeto que se decompõe em inevitável aniquilamento, no nada.

Nuno Ramos não se deixa cair na cilada fácil da explicação/significação, fazendo nos seus versos as palavras retornarem ao lugar objectual que lhe interessa. Veja-se, por exemplo, a seguinte construção: "Um figo seco/ na praia onde fungos/ úmidos/ na praia onde fungos úmidos." Embora o poema prossiga, é preciso deter-se na matéria dos "fungos úmidos", é preciso que se lhes reconheça enquanto tal.

À questão nietzschiniana do sentido da palavra, de quem fala e porque fala, se fosse endereçada ao poeta Nuno Ramos, embora já saibamos, que quem fala é a própria palavra, ele responderia com sua própria poesia:

"(...)
Mas já velho navegado
Desejoso apenas de contar
os grãos do chão mais reles

de ler com as mãos
o texto que há nos veios
úmidos da árvore

horizontal, disponível
para autópsia
que encontrei na areia bege

de sentir a umidade
subir por meus cabelos
e o marrom quase da merda

contaminar as folhas verdes
de compreender com olfato
o signo

líquido
das entranhas
desses cães que idolatro (...)"


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 10/4/2012

Quem leu este, também leu esse(s):
01. A Onda, de Dennis Gansel de Ana Seffrin
02. A difícil arte de viver em sociedade de Luis Eduardo Matta
03. O Livro das Cortesãs, de Susan Griffin de Ricardo de Mattos


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