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COLUNAS
Quinta-feira,
8/3/2018
Uma suposta I.C.
Elisa Andrade Buzzo
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Seu nome provavelmente era Isabel Coelho. Seu endereço não me lembro mais, apenas de repeti-lo no remetente, com mecânica caligrafia, o metódico trejeito de dar notícias esparsas da adolescência. E finalizar o preparo com o moderno selo adesivo com a bandeira do Brasil. Depois, o carimbo estampado dos correios como algo definitivo e um último olhar melancólico dirigido ao envelope pousado na prateleira do internacional. Mas isso não é sobre mim, mas uma suposta I. C. Nascida entre 1980 e 1983, residente à época em Lisboa, Portugal.
Poderia muito bem conferir todas as informações necessárias, trilhar as pilhas de cartas arquivadas, as fotos, remexer nos postais. E munida da morada exata, bater naquela talvez velha porta, subir tateante os poentos degraus até o apto. Mas há algo que impede, uma sutileza que me mantém distante de uma perscrutação densa do passado, e me coloca suspensa frente a uma inquirição do presente. Talvez porque entenda ou saiba da inutilidade de instaurar uma devassa das coisas tal e tal se passaram, desencavar o que já são cabelos e ossos, se há tão ilusória exatidão diante dos rastros deixados por um esmaecido e poético passado.
Ficarei apenas com as migalhas suspensas. O hoje surge como os pontos do passado ligados, pouco a pouco, repercutindo em um desenho sempre a se completar. Encontrando no ar íntimo da cidade vestígios impalpáveis de Isabel e do que ela me mostrou sem esperança alguma de que um dia em seu sítio estivesse. Nem pensa ela mais nisso. Eu mesma pouco penso, pois o movimento da vida é para a frente, retilíneo, afeito a leves repuxos.
Fotos suas e de amigos, com roupa de frio dentro de um apartamento simples. A imagem de uma praça arborizada com prédios baixos avarandados. E os sentimentos obscuros de cidade pacata que essas poucas imagens evocavam. Já tinha comigo o espírito calmo e suburbano de que era feito esse lugar e suas cores claras, seu peso invernal de sobretudos de nylon, a repetição de prédios e árvores nos subúrbios desbotados e sem comércio, os prédios antigos do centro e o ar de ruína da arquitetura estado-novista.
Mas esta cidade agora não é mais a mesma da década de 90. Os postais que compro e os quais não enviarei a ela tem um apelo ultra-colorido. Isabel me deixou um gosto dela tal qual era nesse passado de correspondentes. Terra ressecada, prédios encardidos, marasmo de roupas no estendal. Um gosto de velharia que talvez me apeteça mais do que esse estranho esplendor de ânsia estrangeira pela vista do velho rio.
Elisa Andrade Buzzo
Lisboa,
8/3/2018
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