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COLUNAS
Segunda-feira,
18/8/2025
Ozzy Osbourne (1948-2025)
Julio Daio Borges
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Estou atrasado, porque escrevi um obituário no dia da morte ― ou no dia seguinte, não me lembro exatamente ―, mas não fiquei satisfeito, principalmente com a conclusão do texto.
A verdade é que falar de heavy metal como música não dá a real dimensão do fenômeno. Afinal, quem ouve rock é “animal invertebrado”, como dizia Paulo Francis. (Talvez seja mesmo.) Logo, devemos analisar a música popular como uma manifestação social e, não, “só” como música.
No meu texto eu adotava um tom olímpico, como se aquela fase houvesse passado e eu me observasse, agora, à distância. Como se Ozzy fosse um ídolo de infância. Como uma menina da minha geração olharia para Xuxa ― com um misto de nostalgia e condescendência.
Eu não estava sendo justo com o personagem. Para ser justo, eu diria que, se um dia fosse escrever minhas memórias, o heavy metal não seria “só” um gênero musical, mas seria todo um capítulo de paisagens, amizades, descobertas e aventuras.
Quem ouve os discos hoje, fora do contexto, naturalmente não entende que não era simplesmente um “prazer sensorial” ― como escrevia Paulo Francis ―, o heavy metal, além do país em que a gente habitava, com nossa indumentária preta e vastas cabeleiras, era a pátria da qual saíamos em defesa, em longas discussões sobre gosto.
(Atire a primeira pedra quem nunca entrou numa discussão sobre gosto.)
O heavy metal não era a nossa ideologia, mas era a nossa mitologia ― com deuses e demônios, reis e rainhas, o céu e o inferno. Não diria religião, mas culto ― com shows que eram uma verdadeira cerimônia pagã. Catárticos ― extravasando nossa energia juvenil, rebeldia de estádio, às vezes resultando em violência e abusos.
(Ritual de iniciação que não comprometia a maioria ― embora alguns tenham ficado pelo caminho...)
Sendo Ozzy o nosso sumo sacerdote, o nosso “papa”, o nosso sumo pontífice. E poderíamos chamar os discos do Black Sabbath de “Bíblia” ― sobre os quais eu poderia escrever um romance de formação.
“Quando os gigantes andavam sobre a Terra...” ― é o subtítulo de um livro sobre o Led Zeppelin. Quem acabou com os dinossauros do heavy metal? Há controvérsias. Por incrível que pareça, o grunge, com sua execução “punk”, tirou de cena os “virtuoses”, obrigando as gravadoras a simplificar arranjos de grupos desde o Rush até o Van Halen.
Nesse contexto, No More Tears, de 1991, é o último grande disco de Ozzy. Hoje sabemos que, em 1993, começaram as primeiras manifestações do Parkinson, que o incapacitaria e, finalmente, o levaria. Talvez pressentindo sua condição, Ozzy chamou aquela turnê de “No More Tours”...
Promessa de aposentadoria que passaria o resto da vida descumprindo. Graças a Deus. E graças a isso, também, pude assisti-lo ao vivo, no Pacaembu, em 2 de setembro de 1995. Trinta anos esta noite (mais uma vez).
A formação nem era a que eu preferia ter visto, com o guitarrista que substituiu Zakk Wylde (preguiça de pesquisar o nome dele agora). Mas, no meio da faculdade, eu não era mais o adolescente que habitava o mundo do heavy metal...
Não me lembro, especialmente, de nenhuma canção. Com a animação de sempre, Ozzy desempenhava seu papel com o mesmo profissionalismo que o caracterizou ― até o final.
Me lembro, sim, de parar e olhar para ele, no palco, a poucos metros de mim... Quantas paixões, quantas discussões, quantas audições, quantos sonhos, quantos encontros...
Quantas vidas, quantas gerações...
Descanse em paz, Prince of Darkness!
E obrigado por encher a minha adolescência de música ;-)
Julio Daio Borges
São Paulo,
18/8/2025
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