Um cara legal | Eduardo Carvalho | Digestivo Cultural

busca | avançada
55391 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> ZÉLIO. Imagens e figuras imaginadas
>>> Galeria Provisória de Anderson Thives, chega ao Via Parque, na Barra da Tijuca
>>> Farol Santander convida o público a uma jornada sensorial pela natureza na mostra Floresta Utópica
>>> Projeto social busca apoio para manter acesso gratuito ao cinema nacional em regiões rurais de Minas
>>> Reinvenção após os 50 anos: nova obra de Ana Paula Couto explora maturidade feminina
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Mozart, o gênio da música
>>> Os premiados da Mostra
>>> Jeff Jarvis sobre o WikiLeaks
>>> Folia de Reis
>>> Hamlet... e considerações sobre mercado editorial
>>> Pedro e Cora sobre inteligência artificial
>>> Fred Trajano sobre Revolução Digital na Verde Week
>>> Spyer sobre o povo de Deus
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> O tempo e a água (série: sonetos)
Mais Recentes
>>> Salomao, O Homem Mais Rico Que Ja Existiu de Steven K. Scott pela Sextante (2008)
>>> O Menino Que Perdeu A Sombra de Jorge Fernando Dos Santos pela Positivo (2013)
>>> Visão Espírita da Bíblia de Herculano Pires pela Correio Fraterno (2000)
>>> Cantar Em Espirito e Verdade Orientaçao para Ministerio de Musica de João Carlos Almeida pela Loyola (1994)
>>> Themen Neu - Kursbuch 2 de Hartmut Aufderstrasse, Heiko Bock, M. Gerdes, H. Muller, J. Muller pela Hueber Max Verlag Gmbh & Co (2002)
>>> Era uma Voz de Gisele Gasparini, Renata Azevedo & Mara Behlau pela Thot (2006)
>>> Hiperatividade - Como Ajudar Seu Filho de Maggie Jones pela Plexus (2004)
>>> Programaçao Neurolinguistica Para Leigos de Romilla Ready pela Alta Books (2019)
>>> Touch And Feel - Dinosaur de Dk pela Dk Children (2012)
>>> Gibi Chico Bento n 316 Edição com Album Ploc É O Tchan! Total de Mauricio de Sousa pela Globo (1999)
>>> O Segredo da Pirâmide - Salve-se Quem Puder de Justin Somper pela Scipione (2012)
>>> Rompendo o Silêncio de Wilson Oliveira da Silva pela Do Autor
>>> Problema e Mistério de Joana D Arc de Jean Guitton pela Dominus (1963)
>>> Toda a Verdade Sobre os Discos Voadores de Ralph Blum] - Judy Blum pela Edibolso (1976)
>>> Como Conjugar Verbos Em Frances de Jorge De Souza pela Campus Editora Rj (2004)
>>> Nova York - Guia Visual da Folha de Ana Astiz pela Folha de São Paulo (1997)
>>> Papai Foi Morar Em Outro Lugar de Gergely Kiss pela Ciranda Cultural (2011)
>>> Bruxa Onilda Vai A Festa de E.larreula/r.capdevila pela Scipione (2001)
>>> Na Minha Casa Tem Um Lestronfo de Rosana Rios pela Elo (2022)
>>> Os Fofinhos - Woofits - Livro Ilustrado - Album - Completo de Os Fofinhos - Woofits - Multi Editorial pela Multi Editorial (1983)
>>> O Fantástico Mistério De Feiurinha de Pedro Bandeira pela Moderna (2014)
>>> Mansfield Park de Jane Austen pela Martin Claret (2012)
>>> Os Três Mosqueteiros - Coleção Clássicos Zahar de Alexandre Dumas pela Zahar (2011)
>>> Os Pensadores -Sócrates - Defesa de Socrates - Apologia de Sócrates de Sócrates pela Abril Cultural (1980)
>>> Garota, Interrompida de Susanna Kaysen pela Unica Editora (2013)
COLUNAS

Segunda-feira, 29/7/2002
Um cara legal
Eduardo Carvalho
+ de 6900 Acessos

Nick Hornby

Nick Hornby é um cara legal. Um escritor legal, aliás - o que é inaceitável. Escritor não pode ser legal. Não no Brasil, pelo menos, onde qualquer professor desocupado, se conseguir alinhar cinco frases coerentemente, pretende abalar um suposto conformismo político de burgueses alienados; e qualquer psicólogo estrangeiro, se souber escolher o título certo, convence multidões frustradas de que felicidade realmente existe. Porque quase todos os leitores, se não são acadêmicos mumificados, são secretárias deslumbradas. Ou seja: também são insuportavelmente chatos.

Eu não costumo acompanhar a crítica literária nacional, mas ouvi dizer que o novo livro de Hornby, Como ser legal, foi mal recebido por aqui. Evidente. Num posto de gasolina de beira de estrada, encontrei o livro de Hornby misturado com manuais de auto-ajuda. É isso: o critério de qualidade adotado pelos nossos críticos deve ser o mesmo usado pelo gerente de compras daquele posto: o título. Ler um livro de 300 páginas é trabalho demais, e esse método, tanto com os clientes do posto como entre leitores de cadernos culturais, tem funcionado. É mais fácil recorrer a frases prontas e análises flexíveis, que parecem adequadas a qualquer lançamento editorial. E que, invariavelmente, condenam um livro pelo mesmo erro que insistem em cometer: a pretensão de oferecer ao leitor algo mais do que uma trabalhada seqüência de clichês. No caso de Hornby, porém, o clichê não é o produto de sua literatura: ele é o principal instrumento de seu trabalho.

Hornby e Cusak, entre gravações de Alta Fidelidade Hornby conhece profundamente o universo em que seus personagens estão mergulhados - as músicas que ouvem, os filmes que assistem, os livros que lêem; ou ouviam, assistiam e liam, quando eram jovens e podiam dedicar tempo a isso. Ele é que se pode chamar, por falta de expressão melhor, de um erudito em cultura pop. Formado em Cambridge, antes de se estabelecer como escritor, Hornby queria ser roteirista de cinema; foi professor e jornalista; depois do sucesso de Alta Fidelidade, ele passou a colaborar freqüentemente com a revista New Yorker , escrevendo críticas de música pop. Hornby não se identifica com a imagem do escritor misantropo e pretensioso. É apaixonado por futebol, gosta de tomar cerveja e diz que é sociável demais para conseguir ficar trancado durante dois anos escrevendo um livro. E que, diferentemente de muitos escritores, prefere ser lido hoje a acreditar em um reconhecimento póstumo. Aliás, Hornby também não vê problema em ficar rico escrevendo livros. Quando perguntaram a ele se estava incomodado com o resultado do filme baseado em Um Grande Garoto(About a Boy), respondeu: "Eles me pagaram dois milhões de libras pela história. Era o que eu queria. Se fosse me incomodar, não venderia. E eles sempre me convidaram para opinar durante a produção, então seria injusto culpá-los agora pelas distorções. Se há alguma, a culpa é minha." Nick Hornby é um escritor que não é frustrado - e que, por isso, acaba sendo incomodamente sincero.

A narradora de Como ser legal, Kate Carr, é uma médica dedicada casada com David, um jornalista que escreve para o jornal do seu bairro uma coluna chamada "O homem mais irritado de Holloway". "Nossa história não tem nada de especial.", previne Kate, "(...) duas pessoas se conhecem, se apaixonam, têm filhos, começam a discutir, engordam e resmungam (ele), se entediam, se desesperam e resmungam (ela), e se separam." É mais ou menos verdade. Kate não suporta mais a rotina do seu casamento; ou melhor, da sua vida - e decide transformá-la pedindo o divórcio, com o qual, mesmo antes do casamento, ela já contava que fosse acontecer. David, desprevenido e ofendido, pede um tempo para que os dois pensem melhor e, quem sabe, se entendam melhor. E aí, de repente, a experiência dos Carr, de resto muito comum, começa a ficar peculiar: no meio da história, David conhece Boas Novas, um excêntrico ex-DJ que possui uma misteriosa capacidade de curar doenças, físicas e espirituais. E David se transforma completamente: de um jornalista azedo, que reclamava de velhinhas que nunca tinham trocado para pagar o ônibus, passa a ser o cara mais bonzinho do bairro, que convence vizinhos a acomodar meninos carentes em seus quartos desocupados.

Kate é o perfil exato daquela mulher de meia idade que acreditou no discurso da contracultura, quando jovem; leu uma meia dúzia de livros que seus amigos também liam; do fundo do coração, sempre quis ser boazinha, e decidiu ser médica por causa disso - mas quão fundo é o seu coração? Socialmente, é uma gracinha votar no Partido Trabalhista e apoiar discursos filantrópicos - mas será que Kate é realmente tão legal quanto ela pensa que é? Não - e esta conclusão é minha, não de Hornby. Kate sempre aderiu ao discurso politicamente correto, e não percebeu a distância entre ele e a verdadeira caridade. Uma imaginação benevolente não alivia um comportamento egoísta, e Kate devia saber disso. Mas não sabe. Sua aparente preocupação com a pobreza na África não compensa o fato de ela manter relações com um amante, e isso começa a incomodá-la.

David achava que era um gênio. Um gênio incompreendido, claro. A convivência com pessoas medíocres sempre eleva o conceito que gente ligeiramente acima da média tem de si mesma. David até tem idéias relativamente originais e engraçadas, se comparado a seus vizinhos. Mas, se fosse bom mesmo, escreveria para um jornal que, pelo menos, tivesse uma distribuição que alcançasse mais gente do que os mesmos vizinhos que ele critica. David é um escritor frustrado - até conhecer Boas Novas, e sua vida mudar completamente.

E David deixa de ser escritor e deixa de ser frustrado. Enquanto os Carr não decidem se se separam ou não, Boas Novas muda-se para a casa deles. A cozinha da casa do casal, que ainda tem dois filhos, se transforma no escritório em que David e Boas Novas elaboram seus projetos altruístas. O homem do qual Kate queria se separar muda completamente - e agora? Kate não sabe mais o que fazer, enquanto David está fanaticamente convencido de que, realizando seu trabalho beneficente, é um homem íntegro e feliz. Tudo que ele nunca quis ser - e que Kate sempre pensou que ela fosse.

Kate jamais poderia ter escrito o livro que Hornby escreveu em nome dela. Se fosse real, seu texto provavelmente seria ilegível. Hornby organizou suas inquietações esquizofrênicas com uma lucidez que a própria autora, se existisse, não seria capaz de atingir. Ou seja: as pessoas reais que sofrem de problemas semelhantes aos da autora fictícia não conseguem, normalmente, ser tão sinceras e tão profundas. E é aí que Hornby comprova que, mesmo com um enredo comum e personagens medíocres, é possível produzir uma literatura de qualidade.

De qualidade limitada, é claro. Se os aristocratas decadentes de Fitzgerald traduziam Joyce, a protagonista de Hornby assiste a Guerra nas Estrelas. Quando descobre que precisa de alguém para orientar sua vida, confessa: "Sei que é patético perceber isto num filme de ficção-científica infantil, e não na obra de George Eliot, Wordsworth ou Virginia Woolf. Mas aí é que está o cerne da questão, não é? Não tenho tempo nem energia para Virginia Woolf, e por isso sou obrigada a procurar sentido e reconforto nos vídeos de Guerra nas Estrelas do meu filho. Tenho que ser Luke Skywalker porque não sei mais quem ser." Quem nota que isso é patético é, na verdade, Hornby: Kate dificilmente teria consciência da limitação das suas referências, e da influência que elas têm na sua vida prática. Essa delicada elevação do nível da narradora é fundamental - ou então o livro poderia ter sido escrito por qualquer telespectadora de filmes B. Mas Hornby leu Virginia Woolf - e escreveu sobre quem não leu, para quem não tem saco para ler.

Não é preciso de saco para ler Nick Hornby.





Eduardo Carvalho
São Paulo, 29/7/2002

Mais Eduardo Carvalho
Mais Acessadas de Eduardo Carvalho em 2002
01. Com a calcinha aparecendo - 6/5/2002
02. Festa na floresta - 9/9/2002
03. Hoje a festa é nossa - 23/9/2002
04. Todas as paixões desperdiçadas - 23/12/2002
05. O do contra - 11/3/2002


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Minha 1ª Biblioteca - Larousse Dicionário de Inglês - Volume 13
Vivian Nunes (tradução)
Larousse Junior
(2007)



Aldir Geometria da Cor
Alberto Beutenmuller
Sem



Românul Brâncusi
Maria Bozan e Outros
Thausib
(1996)



Phrasal Verb Organiser - With Mini-dictionary
John Flower
LTP Language
(1993)



Das Kunstwerk
Sinclair Lewis
Deutsche Buch-Gemeinschaft
(1950)



Livro Infanto Juvenis Empurrem A Baleia De Volta Para O Mar!
Sophie Shoenwald
Callis
(2021)



Batman Gata Esperta
Michael Anthony
Biblioteca Nacional
(2008)



Escola De Fotografia. O Guia Da Técnica
José Antonio
Alta Books
(2017)



Despertar das Bruxas
Júlia Maya
Madras
(1998)



Boletim do Museu Nacional de Belas Artes - Ano 7 - Nº 19/20/21
Mnba - Museu Nacional de Belas Artes
Mnba
(1988)





busca | avançada
55391 visitas/dia
1,7 milhão/mês