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Terça-feira,
13/5/2025
A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
Jardel Dias Cavalcanti
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Lançado no final de 2024 pela editora Impressões de Minas, o livro de poemas Sem termo, de Ronald Polito, é dividido em cinco seções, totalizando uns 70 pequenos poemas.
A abertura do livro deixa claro a que se propõe o poeta em seu “assim sendo”, ou seja, o que tenho a dizer (Destarte):
um só
problema:
o que não
dizer
Como uma estrada em caracol ou como se o poeta propusesse mil becos por onde o leitor possa entrar, mas sem encontrar nenhuma saída, os pequenos, mínimos poemas, criam uma espécie de contraponto, no sentido de direções dadas, mas que se movem necessariamente em direções contrárias, sendo uma a inversão da outra, anulando toda a certeza que se possa pensar em alcançar.
O título do livro Sem termo indica uma possibilidade de interpretação, já que sempre foram de extrema importância os títulos dos livros como definidores da poética de Polito.
Podemos pensar, relacionando “sem termo” aos poemas a partir de uma ideia de falta de definição, seja de limite ou de clareza que se resolve fácilmente, seja de uma incerteza em relação a uma situação que não se pode compreender.
Há também uma tentativa, creio que bem resolvida, de desafiar qualquer noção de compreensibilidade, produzindo um entrechoque entre o que se afirma e o que se nega. O embaralhamento da cabeça do leitor, forçado a ler e reler o poema para entender que não conseguiu formular uma certeza quanto ao seu significado, é o que é certeiro. Cala-se a mente do leitor, no fim das contas.
silêncio
ouve-se o que
não se diz
silên
O trabalho com o corte dos versos é fundamental, introduzindo essas pausas que interrompem a criação de uma imagem que se pretende firmar no terreno da página. Toda a atenção a esse procedimento é necessária para melhor penetrar na poesia de Polito.
A significação não clara, ou de sentidos simultâneos, de um título como “sem termo”, implica primeiro a ideia de “sem palavra” e, depois, de “sem fim”.
A redução léxica do livro chama a atenção para o sentido de, primeiro, falar o mínimo possível (deixando ainda qualquer afirmação levar uma rasteira de sua ideia contrária), e, segundo, de um moto-perpétuo (irresolvível, diga-se, por exemplo, na impossibilidade da escuridão ser “uma luz”, embora se afirme isso).
tanto quanto
um espelho
que só
se refletisse
Sabemos que um espelho que só se refletisse refletiria mil espelhos anulando em sua infinitude de imagens, a imagem original de si mesmo. Essa espécie de colapso do desdito que se afirma dizendo que o que se pode dizer, e o não dizer, marca geralmente toda a poesia de Ronald Polito.
A ambiguidade, característica da obra aberta, é levada aqui às últimas consequências, pois é uma abertura infinita para a impossibilidade de sentido do dizer – nesse ponto Polito diverge de toda a poesia contemporânea brasileira, sedenta de dizer, de demarcar territórios e posições, sejam elas estéticas ou ideológicas, ou, pior ainda, que tratem do drama pessoal intersubjetivo quase como uma ladainha doméstica de um mundo perdido.
então
a proliferação
de sentidos
até sua
recíproca
anulação
Não podemos deixar de pensar a poesia de Polito também como uma espécie de “mensagem que nunca chega” kafkiana ou de “o que tenho a dizer é que nada há a dizer” becketiano. E se nos cabe aqui, como resultado, uma ideia de pós-poesia, à la Augusto de Campos, em que “tudo está dito”, portanto nada há que se dizer, a tônica da destruição do poema como narração, imagem ou figura se configura, talvez, como projeto para pensar o nosso próprio tempo, de avançada histeria da fala e de construção de imagens vazias.
Nada a resolver, portanto, lhe resta o paradoxo (em Polito, a desfiguração de suposições é latente), oximoros (em Polito, a melhor aproximação seria a do “quadrado branco sobre fundo branco” de Malevitch), adynatas (em Polito, o efeito retórico jamais será um efeito de sentido que se quer verdade).
O que se aproxima
e vai
o que some
e fica
uma luz
a escuridão
O lado lúdico, esse prazer de gerar contraposições entre o sentido e o não sentido, faz da poesia de Ronald Polito um parque de diversões, onde ficamos correndo e caindo o tempo todo e recomeçando a brincadeira sem a certeza de um acerto quanto ao caminho que a areia movediça de suas construções oferece.
assim
se torna
aparente
uma imagem
do invisível
É derrapando que tentamos encontrar aquilo que não se pode agarrar e controlar, já que o que se produz é essa espécie de entretempo, um espaço entre o dito e o não dito (“algumas pausas”), um vácuo, mas onde a poesia pode novamente deixar de ser apenas discurso.
fora de dúvida
além de qualquer certeza
algumas pausas
A poesia de Polito não se propõe a criar imagens visuais, estas que tentam atingir aexperiência sensorial, ao contrário, é uma poesia da impropriedade, do descompasso em relação ao que as palavras dizem normalmente. Criar discrepâncias em relação ao verso claro, operando deslocamentos de sentido, arrancando o sentido de seu campo semântico tradicional, chegando até à impropriedade da relação entre as palavras e seu desdobrado e não idêntico sentido de si, é sua forma de constituição elíptica.
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
13/5/2025
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