Minha coleção de relógios | Ana Elisa Ribeiro | Digestivo Cultural

busca | avançada
56287 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> 'ENTRE NÓS' – 200 obras premiadas pelo IMS em Exposição no Paço Imperial, RJ
>>> 'Meus olhos', de João Cícero, estreia no Espaço Abu
>>> Aulas de skate é atração do Shopping Vila Olímpia para todas as idades
>>> Teatro Portátil fecha o ano de 2024 em Porto Ferreira
>>> Amor Punk de Onurb
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
Colunistas
Últimos Posts
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
>>> O jovem Tallis Gomes (2014)
>>> A história do G4 Educação
>>> Mesa do Meio sobre o Primeiro Turno de 2024
>>> MBL sobre Pablo Marçal
>>> Stuhlberger no NomadCast
>>> Marcos Lisboa no Market Makers (2024)
>>> Sergey Brin, do Google, sobre A.I.
Últimos Posts
>>> E-book: Estágios da Solidão: Um Guia Prático
>>> O jardim da maldade
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Peachbull de Maresias
>>> Quando Paris era uma festa
>>> Tribalistas e Zé Celso
>>> Eleições Americanas – fatos e versões
>>> O retalho, de Philippe Lançon
>>> Um nada, um estado de ânimo
>>> A Trilogia de Máximo Górki
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> O herói devolvido?
>>> YouTube e aberturas de novelas
Mais Recentes
>>> História da Menina Perdida - série napolitana volume 4 de Elena Ferrante pela Biblioteca Azul (2017)
>>> O Processo Didático 2ª edição. de Irene Mello Carvalho pela Fgv (1978)
>>> Guia Do Mochileiro Das Galáxias, O - Vol. 1 de Douglas Adams pela Sextante (2004)
>>> Ana Terra de Erico Verissimo pela Globo (2001)
>>> Sucesso Entre Aspas - Pensamentos Selecionados de Pagnoncelli Dernizo Vasconcellos Filho Paulo pela Sem editora (1992)
>>> P S Beijei de Adriana Falcão pela Salamandra (2024)
>>> Meishu-sama e o Johrei (coletânea Alicerce do Paraíso Volume 01) de Sama Meishu pela Mokti Okada (2002)
>>> Comédias da vida privada de Luiz Fernando Veríssimo pela Círculo do Livro (1998)
>>> O mulato de Aluísio Azevedo pela Klick (2024)
>>> Jaime Bunda - Agente Secreto de Pepetela pela Record (2003)
>>> Uma Orquestra De Minorias de Chigozie Obioma pela Globo Livros (2019)
>>> O Dom Da Historia: Uma Fabula Sobre O Que E Suficiente. de Clarissa Pinkola Estés pela Rocco (1998)
>>> Ressurreição de Liev Tolstoi pela Cosac & Naify (2010)
>>> Em Fogo Lento de Paula Hawkins pela Record (2021)
>>> Video Girl AI - Volume 1 ao 30 de Masakazu Katsura pela Jbc (2024)
>>> The Art Of Satire de Ralph E. Shikes/ Steven Heller pela Horizon Pr (1984)
>>> Neonomicon de Alan Moore/ Jacen Burrows pela Panini/ Avatar (2011)
>>> Milarepa de Eric-Emmanuel Schimitt pela Nova Fronteira (2003)
>>> As Tentações De Santo Antão de Gustave Flaubert pela Iluminuras (2004)
>>> Les Trottinou Déménagent de Cyndy Szekeres pela Deux Coqs Dor (1998)
>>> O Mito Nazista de Phillippe Lacoue-labarthe pela Iluminuras (2002)
>>> O Livro de Ouro da Mitologia Erótica de Shahrukh Husain pela Ediouro (2007)
>>> Viagem Ao Passado Mítico de Zecharia Sitchin pela Editora Madras (2015)
>>> Arzach de Móbius pela Nemo (2011)
>>> Les Trottinou Et Bébé Trot de Cyndy Szekeres pela Deux Coqs Dor (2009)
COLUNAS

Sexta-feira, 31/10/2008
Minha coleção de relógios
Ana Elisa Ribeiro
+ de 9500 Acessos
+ 5 Comentário(s)

As pessoas simples deveriam ganhar prêmios invisíveis. Elas não quereriam ganhar prêmios espalhafatosos justamente porque são simples. Essas pessoas deveriam dar às outras (a nós) uma dica de que presente ou agradecimento lhes serviria melhor. As pessoas simples não toleram ouriçamentos e muito menos presentes exuberantes demais. Elas são assim, tão simples, que parecem as paredes, as poltronas, as televisões velhas. Elas ficam ali ao pé da gente e só as notamos quando lá se vão, bem de costas, quando já não há tempo de alcançá-las. E há umas tantas pessoas assim, que se foram sem que desse tempo de dizer a elas coisas bonitas, que são os presentes de que elas mais gostam. São presentes que mudam a respiração da gente por alguns segundos. Aquele esforço doloroso para não chorar, aquele embrulho na garganta, aquela profundidade incontida nos olhos quase afogados. As pessoas simples passam a vida brincando de fingir que não estão nem aí.

Figuraças
No meu bairro, há muitas pessoas simples, até porque, se elas não o fossem, não morariam aqui. Mas nem todos os moradores são gente simples. Há muitos daqueles cujos olhos frustrados não escondem o desejo de morar em outro lugar, mais chique, mais caro, para parecerem melhores do que podem ser de fato.

Há umas senhorinhas que varrem os passeios todos os dias. Ontem mesmo, alguém me disse que este bairro é o lugar da cidade onde moram mais pessoas velhas. Terceira idade, sei lá que nome se tem dado às pessoas que estão aqui há mais de 65 anos, cumprindo sabe-se lá o quê. Olhando para as senhorinhas que varrem as calçadas não dá para imaginar como elas eram há 50 anos. Nem mesmo que cor de cabelo tinham. A maioria delas os tem hoje ou brancos ou de um caramelo comprado. Mas lhes cai bem, cai sim. Elas não são nem louras nem morenas, que isso parece que é coisa de moçoilas.

Os senhores que ficam sentados nas cadeiras da calçada são também segredos vivos. Parece que podem ter sido engenheiros dos canteiros de obras da antiga cidade em construção. Um deles foi dentista, eu sei, mas dizem que "prático". Outro era motorista não se sabe de quem. Hoje não parecem mais do que habitantes da calçada. E as cadeiras em que se sentam são simples, não são de balanço.

Hoje mais cedo, aproveitei que passava pelas calçadas e resolvi entrar na relojoaria. Uma portinhola pela qual não se aposta nada. Há alguns meses, dividiam espaços lá o relojoeiro e o barbeiro. Faltava reforma, a tinta das paredes era suja e os móveis eram quebrados. O barbeiro foi-se embora, dizem que para morar com a filha no interior do estado. O relojoeiro, que parecia muito amigo do barbeiro, deu graças a Deus. Contou-me que o outro não permitia que se fizesse uma necessária reforma na empresa. Hoje estão lá a parede branquinha, a pintura nova dos móveis e o cofre de estimação, onde ele guarda todo tipo de peça e bateria.

Fui trocar pilhas de vários relógios. Ávido por ter alguém com quem conversar, ele disparou a matracagem assim que pus os pés para dentro da soleira. Contou da família, da filha que terá promoção para major, do genro que não toma remédio, do médico que lhe disse que chás fazem mal. Tratou de me explicar que mal faz a Coca-Cola, que bebe muita água todos os dias e a demora em encontrar um especialista em doenças do trato digestivo.

Dizia ele que o doutor sabia de tudo, especialmente do que deveríamos evitar. Que médico não manda, médico pede para evitar. Que o que a gente pensa que faz bem, às vezes, na expressão dele, "faz efeito retroativo". Essa frase me desconcentrou por alguns segundos, mas consegui entender o que ele dizia, enquanto observava a precisão meio trêmula com que ele mexia na máquina do meu Technos. O relojoeiro dizia que os chás são de plantas e fazem mal, só mesmo o chá de camomila pode prestar para alguma coisa. Que médico é médico, mas que há as pessoas "que se diz ignorantes", que são aquelas que teimam com coisas bestas. E ele me dizia que a moça da esquina de cima veio trazer os relógios da filha para consertar. E que a menina sofreu um acidente doméstico e quase perdeu a mão, uma tristeza.

O relojoeiro comia meu tempo. Nas mãos dele, minha pequena fortuna em relógios baratos. E ele comentava os relógios quadrados do Faustão. E dizia que as máquinas dos meus não eram ruins. Mesmo a daquele meio genérico. O relojoeiro trocava as baterias e depois fazia questão de acertar as horas. A cada vez que ele fazia isso, eu me esgueirava por trás do vidro para ver que horas eram e quanto tempo ele havia surrupiado sem que eu notasse. O relojoeiro falou mais um belo bocado de assuntos diversos e deixou minha tarde comprida. Eu escutei como uma menina que ouve histórias pela segunda ou terceira vez. O relojoeiro ajeitou sete relógios.

Quatro reais cada bateria. Ele não tinha troco. Fez tudo por vinte vinténs, que era a nota que eu tinha abaixo da maior. Não quis completar os outros tantos que faltavam. Disse que tinha que me fazer "uma gracinha". Freguesa boa, volta sempre. Mas ele queria mesmo era agradecer a conversa durante bem mais de meia hora. Acho que queria agradecer minha escuta sincera, especialmente quando eu fazia cara de surpresa ou quando tecia um comentário ameno qualquer. O tempo do relojoeiro escorre. E ele sabe.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 31/10/2008

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Juan José Morosoli - a solidão, a pureza, a viagem de Eduardo Maretti
02. Sobre Jobs e Da Vinci de Noah Mera
03. Minha cartomante não curte o Facebook de Ana Elisa Ribeiro
04. 007 ― Quantum of Solace de Alexandre Inagaki
05. O Brasil pode ser um país de leitores? de Ana Elisa Ribeiro


Mais Ana Elisa Ribeiro
Mais Acessadas de Ana Elisa Ribeiro em 2008
01. Uísque ruim, degustador incompetente - 8/8/2008
02. Trocar ponto por pinto pode ser um desastre - 3/10/2008
03. Substantivo impróprio - 25/4/2008
04. Mínimas - 25/1/2008
05. Minha coleção de relógios - 31/10/2008


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
31/10/2008
00h44min
Não vou fingir que não estou nem aí: lindíssimo texto! Tocante! Me fez lembrar o filme do Paulinho da Viola, "Meu tempo é hoje", que, diga-se, de passagem é genial.
[Leia outros Comentários de Fernando Lima]
1/11/2008
06h31min
Querida Ana Elisa, "hoje mais cedo, aproveitei..." para visitar o Digestivo Cultural, e encontro o seu comovente texto. Ele me remeteu a "O Narrador" de Walter Benjamin; à grande lição dos gregos: jamais se rebelar contra o tempo, além do belo texto sobre a Tia Silvinha, com o qual você nos presenteou dias atrás. Obrigado por tantos presentes! Beijos do Sílvio Medeiros.
[Leia outros Comentários de Sílvio Medeiros]
3/11/2008
10h30min
Pena que li esse teu texto pela manhã. Gostaria de tê-lo lido no finalzinho da tarde, porque foi essa a sensação que ele me passou. E isso tem a ver com o tempo? Só tem! As senhorinhas e os senhores de teu bairro estão no fim do dia, e o relojeiro - provavelmente - também. E nós, Ana, também caminhamos pra lá. Teu texto tem o cheiro de coisa antiga, de palavras antigas, que nossos filhos, hoje, desconhecem. Eles não sabem o que é "vasilhame", "cumbuca", "baiúca", porque essas palavras pertencem a uma época em que sentar em cadeiras em frente de casa era sentir o tempo passar, costume simples, de pessoas simples. Teu texto tem a simplicidade de tardes amenas, que relógio nenhum é capaz de contar. Um grande abraço.
[Leia outros Comentários de Américo Leal Viana]
4/11/2008
08h04min
Acordei já na corrida para a internet - local de primeira etapa de trabalho - e decidi conferir se havia chegado um novo texto teu. Sim, pode avisar pro JDB que entro no site pra conferir isso e nada mais; o que ainda é mentira deslavada. Que bom poder dizê-las! Enfim, entre entrar aqui para te ler e comentar o lido, o tempo tem sido congelado. Não sinto que me roubam nada quando há prazer. Pena depois o tempo, que é de escorpião, fincar a vingança ao fim do intervalo. Corre por aí que ele adora viver do arrependimento alheio. Por hora resisto na minha trincheira. Bonito é ser um senhor chamado de segredo vivo. gracias, Ana E. R. Inté, F.
[Leia outros Comentários de Felipe Eugênio]
6/11/2008
14h24min
Ana Elisa, fiquei emocionada com seu texto, porque nasci e vivi durante muitos anos também em um bairro simples bem parecido com o que você contou. Lembro-me principalmente desses momentos que a gente chama de "jogar conversa fora". O tempo passa, mas de um jeito diferente. É uma delícia o que sentimos, só que não sabemos expressar como você. Parabéns!
[Leia outros Comentários de Áurea Thomazi]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Nuovo Dizionario Portatile - Italiano-Tedesco e Tedesco-Italiano
Jagemann e D'Alberti
Stampatore e Librajo
(1811)



Os Diários de Virginia Woolf
José Antonio Arantes
Companhia das Letras
(1989)



Cadeia produtiva da carne bovina de mato grosso do sul
Ido Luiz
Oeste
(2001)



Léo Marinho
Cristina Porto; Walter Ono
Ftd Didáticos
(1997)



Caminhos de Amor e Odio - Ficção - Literatura
Dr. Afranio Luiz Bastos
Bookess
(2015)



Mickey N. 734
Walt Disney
Abril



A Dieta da Superenergia do Dr. Atkins
Robert Atkins- Shirley Linde
Artenova
(1976)



De Volta aos Sonhos
Bruna Vieira
Gutenberg
(2014)



Lambisgóia
Edson Gabriel Garcia
Nova Fronteira
(1984)



Um Crime para Todos
R. Kaufman / P. Barry
Ediex
(1965)





busca | avançada
56287 visitas/dia
1,7 milhão/mês