O Verão de 1968 | Ruy Castro

busca | avançada
44126 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Teatro do Incêndio e Colmeia Produções convidam o público a partilhar saberes no ciclo Incêndios da
>>> ZÉLIO. Imagens e figuras imaginadas
>>> Galeria Provisória de Anderson Thives, chega ao Via Parque, na Barra da Tijuca
>>> Farol Santander convida o público a uma jornada sensorial pela natureza na mostra Floresta Utópica
>>> Projeto social busca apoio para manter acesso gratuito ao cinema nacional em regiões rurais de Minas
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Aproximações políticas, ontem e hoje
>>> Surf em cima do muro
>>> E não sobrou nenhum (o caso dos dez negrinhos)
>>> Semana da Canção Brasileira
>>> Cartas@de.papel
>>> 24 Horas: os medos e a fragilidade da América
>>> Ai de ti, 1958
>>> Cultura, técnica e uma boa idéia
>>> Aqui você encontra?
>>> Desvirtualização no Itaú Cultural
Mais Recentes
>>> O tarô zen, de Osho de Osho pela Antier (2022)
>>> O Catador de Pensamentos de Monika Feth pela Brinque Book (2013)
>>> Educação Excepcional Manual para Professores de Ottilia Braga Antipoff pela Pestalozzi (1983)
>>> O Cemitério Dos Anões Livro 2 de Marcos Mota pela (2017)
>>> O Poder do Agora de Eckhart Tolle pela Sextante (2000)
>>> Codigo Penal Para Concursos Sanches de Rogerio Sanches Cunha pela Juspodivm (2022)
>>> Os Três Lobinhos e o Porco Mau de Eugene Trivizas e Helen Oxenbury pela Brinque Book (2010)
>>> 50 Gershwin Classics - Piano / Vocal de George Gershwin pela Warner Bros (1989)
>>> As Sete Leis Espirituais Da Ioga de Deepak Chopra pela Rocco (2008)
>>> Ozzy - O Menino da Cabeça Erguida de Anna Padilha Moura pela Quatro Ventos (2024)
>>> Frank Sinatra Songbook de Frank Sinatra pela Warner Bros (1989)
>>> Uma aventura de Asterix o gaules - O adivinho de Uderzo - Goscinny pela Record (1985)
>>> Autobiografia De Um Iogue de Paramahansa Yogananda pela Self-realization Fellowship (2016)
>>> Para minha amada Julieta de Natália Soares pela Literíssima (2024)
>>> A Corrosão Do Caráter de Richard Sennett pela Record (2012)
>>> Bíblia Sagrada - Show da Fé, Edição Comemorativa de Sociedade Bíblica do Brasil pela Sociedade Bíblica do Brasil (2006)
>>> Anjo Da Morte de Pedro Bandeira pela Moderna (2001)
>>> Manual de processo penal de Fernando da costa tourinho filho pela Saraiva (2013)
>>> Pocesso penal de Fernando da costa tourinho filho pela Saraiva (2000)
>>> Direito e processo do trabalho de Estêvão mallet,vários autores pela Ltr (1996)
>>> Processo penal de Fernando da costa tourinho filho pela Saraiva (1990)
>>> Código penal de Juarez de oliveira pela Saraiva (1993)
>>> Código comercial de Antonio luiz de toledo pinto pela Saraiva (2005)
>>> Código comercial de Antonio luiz de toledo pinto pela Saraiva (2004)
>>> Clínica médica medicamentos e rotinas médicas de Ênio roberto pietra pedroso,reynaldo gomes de oliveira pela Blackbook (2007)
ENSAIOS

Segunda-feira, 14/1/2008
O Verão de 1968
Ruy Castro
+ de 8300 Acessos
+ 3 Comentário(s)

Um ano inteiro de sol, antes que caísse a longa noite...

Bastou atravessar o túnel e 1967 ficou para trás, em Botafogo. Quando demos no outro lado, em Copacabana, a alguns segundos da meia-noite, os fogos de Ano Novo já estouravam por 1968. A idéia fora essa mesmo: sair do Solar da Fossa, onde todos morávamos, atravessar o Túnel Novo a pé, em turma, e ir para a praia, cujo réveillon consistia de uns poucos milhares que iam acender velas e jogar flores para Iemanjá; depois, caminhar entre os grupos de devotos na areia, ouvindo os tambores e cantos, e nos sentirmos superiores porque estávamos ali, com um pé na África, e não numa festa de família cheia de pais e tios quadrados.

Na verdade, aquela noite não tinha muita importância. Era só simbólica, tanto quanto a travessia do túnel ― porque, para todos os efeitos, 1968, ou pelo menos seu verão, já começara. E começara quase um mês antes, nos primeiros dias de dezembro, quando a chegada das férias desmobilizara o movimento estudantil e sustara temporariamente as passeatas contra a ditadura militar. A partir dali, e pelos dois ou três meses seguintes, poderíamos exercitar os radicalismos que fariam de 1968 o ano em que seríamos felizes para sempre ― e quase fomos.

Pouco antes, nos últimos dias de aula, só restara uma menina virgem em nossa turma de primeiro ano do curso de ciências sociais na Faculdade Nacional de Filosofia ― e ela, tão doce, frágil e bonita, com seus anéis de cabelo louro e enormes olhos verdes, não se conformava com isso. A pílula já era vendida em qualquer farmácia, a revolução sexual estava em ebulição e a virgindade feminina ― até um ou dois anos antes, uma obrigação ― se tornara um atraso, uma mancha no currículo de qualquer garota que se prezasse. Mas daquele verão não passaria, ela decidiu. Por coincidência, restara também na classe um rapaz bonito, calado, meio sem jeito ― e igualmente virgem. A menina era de uma rica e elegantérrima família carioca, famosa pelo mundanismo de seus membros; o rapaz era da elite paulistana, com um sóbrio sobrenome inglês, cheio de ww e kk. E assim, faute de mieux, os dois resolveram promover um com o outro suas estréias. Um colega emprestou o apartamento ― um quarto-e-sala na rua Senador Vergueiro, no Flamengo, quase sem móveis ― e, numa noite abafada, aqueles dois filhos da alta burguesia brasileira, que teriam direito a lençóis de linho, colchões de penas e núbios para abaná-los, fizeram amor num chão de tacos frouxos, sobre uma esteira de praia, certamente com restos de areia entre os trançados de palha. Isso já era 1968 na veia.

Poucos meses antes, Caetano Veloso e Gilberto Gil tinham se mudado do Solar e ido para São Paulo. Mas, sempre que no Rio, davam um pulinho até lá ― Caetano, de camisa da Marinha, com as fraldas para fora; Gil, gordo, com a cara redonda, de biscoito Aymoré, e chapeuzinho de couro. Iam visitar sua amiga Gal, que todos só chamavam de Gracinha e que continuava morando ali, e conferenciar com o artista gráfico Rogério Duarte, criador do cartaz de Deus e o diabo na terra do sol. Um dia cheguei da rua e encontrei Rogério no pátio, finalizando um desenho colorido. Era uma mulher nua em meio a um cenário de bananas, serpentes e dragões. Ele me disse que era para a capa de um disco de Caetano. Comentei que mais parecia uma capa do Almanaque Capivarol. Ele riu, concordou e disse que a idéia era essa mesmo ― tinha a ver com algo que estava sendo cozinhado na gravadora Philips, chamado tropicalismo. Rogério convidou-me a seu quarto no Solar e, de um aparelhinho de fita cassete (o primeiro que vi na vida), saíram metais estridentes e dramáticos, com arranjo de Rogério Duprat. De repente, "Sobre a cabeça os aviões/ Sob os meus pés os caminhões/ Aponta contra os chapadões meu nariz..." A impressão foi profunda e, até hoje, para mim, esta é uma das trilhas sonoras daquele verão.

Naquela noite de 31 de dezembro, enquanto virávamos o ano na areia, uma festa de réveillon na casa de um casal grã-fino no Jardim Botânico reuniu cerca de 1000 pessoas e serviu de trailer para tudo que se passaria em 1968. Dela resultaram quase vinte casamentos desfeitos, centenas de novas ligações amorosas e brigas cujas conseqüências ― cortes no rosto, rótulas esmagadas, corações em pedaços ― se prolongariam durante meses para os litigantes. E por que se brigou tanto? Porque, naquela festa, com os dois times pela primeira vez completos em campo, viu-se o choque da Nova Ordem contra a Velha Ordem. Aos primeiros minutos de 1968, ainda era chocante para alguns maridos que suas mulheres tivessem se tornado favoráveis ao casamento aberto ― e resolvido abri-lo ali mesmo, na festa, com homens que nem conheciam. Ou que homens e mulheres, que haviam levado a vida reprimindo seu homossexualismo, decidissem subitamente exercê-lo às claras, declarando-se a pessoas do mesmo sexo. Ou que pregações de violência política, já a favor da luta armada, se sobrepusessem aos conselhos dos moderados que ainda acreditavam na incrível aliança entre os ex-arquiinimigos Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart, formalizada pouco antes. O que havia no ar, no verão de 1968, para que, de repente, nada mais fosse como antes?

O que fazia com que, ao atravessar de novo o túnel, para assistir aos ensaios de Roda viva, que José Celso Martinez Corrêa estava dirigindo no Teatro Princesa Isabel, muitos de nós víssemos com a maior naturalidade a criação das cenas em que a platéia seria agredida pelos atores com postas de fígados sangrentos sendo esfregadas em seus rostos? E por que nossa surpresa quando, com a peça finalmente em cartaz, em janeiro, os espectadores se ofendiam com a agressão e fugiam do teatro espavoridos? Meses depois, quando o espetáculo se mudou para São Paulo, os órgãos de repressão invadiram o teatro e promoveram um massacre de verdade do elenco. Era a revanche da Velha Ordem.

Visto de hoje, parece incrível (e mais ainda para quem não o viveu), mas era como se, no verão de 1968, houvesse uma certeza de que estávamos às portas de um ano como nunca houvera. Naqueles meses, eu era repórter da revista Manchete, mas já tinha um convite de Paulo Francis para voltar a trabalhar com ele no Correio da Manhã. Meu último trabalho para Manchete foi no comecinho de março ― uma longa e deliciosa entrevista com Tom Jobim no bar Veloso, em Ipanema, enquanto no mesmo momento, a alguns quilômetros dali, o estudante Edson Luiz era morto pela polícia no Calabouço, que era um albergue para rapazes pobres como ele. Por causa desse episódio, a Velha Ordem recuou e a Nova Ordem se impôs, culminando, em junho, com a Passeata dos 100 Mil, o maior ato até então contra a ditadura. Pelo segundo semestre, a ilusão de liberdade nos fez crer que o verão se prolongaria por todo o resto do ano e ― esperávamos ―, ao emendar com o verão seguinte, acordaríamos finalmente na democracia.

Mas, na noite de 13 de dezembro de 1968, a Velha Ordem voltou à cena, e mais feroz do que nunca. Os militares implantaram o Ato Institucional no. 5, suspenderam as garantias civis, fecharam o Congresso, prenderam um mundo de gente e acabaram com a nossa festa. Por ordens superiores, baixou a noite, fez frio, caiu garoa e, com isso, não deu praia no dia seguinte e nem tivemos o verão de 1969.

No verão de 1968, Ruy Castro tinha 19 anos, era estudante e já jornalista. Morava no Solar da Fossa, um casarão em Botafogo, no Rio, onde também viviam os jovens Paulinho da Viola, Abel Silva, Ítala Nandi, Betty Faria e outros, todos duros, românticos, boêmios e relativamente anônimos. Ocupava toda a área onde hoje fica o shopping Rio Sul, quase na entrada do Túnel Novo.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista Vogue de janeiro de 2007.


Ruy Castro
Rio de Janeiro, 14/1/2008
Mais Ruy Castro
Mais Acessados de Ruy Castro
01. O Frankenstein de Mary Shelley - 25/7/2005
02. Delírios da baixa gastronomia - 26/9/2011
03. Vida e morte do Correio da Manhã - 26/10/2009
04. A Geração Paissandu - 30/10/2006
05. Chico Buarque falou por nós - 9/2/2009


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
17/1/2008
16h04min
No verão de 1968, eu estava no Rio, em lua de mel, não tinha idéia do movimento politico, mas ja' conhecia a libertação sexual da mulher. Eu não tinha casado virgem como a maior parte das mulheres da minha geração...
[Leia outros Comentários de Iara]
11/2/2008
09h39min
Ruy Castro, um dos autores que mais aprecio, traça o panorama de uma fase de sua vida que foi extremamente marcante, não só para ele e a turma do Solar, bem como para outros jovens por este Brasil afora que ansiavam por liberdade. Sempre correto em seus textos, Ruy consagra-se cada vez mais no cenário literário brasileiro.
[Leia outros Comentários de Maura Soares]
11/2/2008
13h17min
Eu só dividia um apartamento na Barata Ribeiro com a argentina Irma Alvarez mas como todo intelectual que se prezasse na época (eu era um assistente de direção do cinema novo e repórter de passeatas da Última Hora) também frequentava o Solar da Fossa. Graças à atriz e moradora Maria Gladys por quem eu era apaixonado na época - mas ela era apaixonada pelo Cecil Thiré que era apaixonado por... e tudo era mesmo uma fossa deslumbrante, em meio a muita música, cinema, teatro de vanguarda e... cassetetes da PM.
[Leia outros Comentários de Joel Macedo]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Bush 2 a Missão e outras reflexões sobre o mundo do século XXI
Nelson Franco Jobim
Nova Prova
(2006)



Seefahrt in Aller Welt Nr 20
Anker Hefte
Moewig Verlag
(1955)



Os Jornais Podem Desaparecer?
Philip Meyer
Contexto
(2007)



Wander Piroli uma Manada de Búfalos Dentro do Peito
Fabrício Marques
Conceito
(2018)



Godenslaap
Erwin Mortier
Bezige
(2009)



Livro Literatura Estrangeira O Vermelho e o Negro Volume 23
Stendhal
Abril Cultural
(1971)



Matemática Aplicada às Ciências Gerenciais
Dimas Felipe de Miranda; João Bosco Laudares; Trajano Coutinho de Almeida
Fumarc
(1983)



Caridade
Francisco Cândido Xavier; Outros
Ide
(1984)



Amiga Do Diabo - Coleção Negra
Peter Robinson
Record
(2010)



O Cérebro e o Sistema Nervoso Central - Seu Corpo , Sua Saúde
Readers Digest
Readers Digest
(2007)





busca | avançada
44126 visitas/dia
1,7 milhão/mês