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Segunda-feira, 21/9/2009
Traço superior do acontecimento
Daniel Piza
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Euclides da Cunha por Cícero.

A prosa de Euclides da Cunha não é menos controversa do que suas opiniões sobre raça e progresso. Mais do que em qualquer outro clássico brasileiro, inclusive Guimarães Rosa, ela tem sido um obstáculo para muitos leitores, tão árido e abafado quanto a travessia de Queimadas para Canudos. Por sinal, seu estilo é comumente associado à vegetação da caatinga, por seus galhos tortuosos, mas também poderia ser à floresta amazônica, pois caudaloso e superlativo. O fato é que suas dificuldades podem ser transpostas, sim, se o leitor chegar a ela preparado, e não como o Exército ao sertão baiano; e do lado de lá vai encontrar uma realidade poderosa, marcante, com um arsenal de recursos que o idioma não via desde o Padre Vieira.

Isso não é desculpar os excessos de Euclides. O grande crítico da época, seu amigo José Veríssimo, em mais de uma resenha se queixou das inversões sintáticas e períodos entrecortados. Euclides reconheceu, mas disse que já não tinha como se livrar desses "estigmas". Se atentamos para seus textos dos últimos anos, depois da viagem à Amazônia em 1905, percebemos que ele tentou frear mais, interpondo número maior de frases sintéticas, mais coloquiais, como "o Purus é um enjeitado". Mesmo assim, lá está seu fraseado extenso, grandiloquente, suas mesóclises ("revelou-se-lhe") e aquilo que a meu ver são seus maiores problemas: o vocabulário, mais do que amplo, repleto de nomes pomposos ao lado de termos técnicos ("esterilizam-se os ares urentes"); e a profusão de advérbios e adjetivos, uma mania gongórica de sempre acompanhar cada substantivo de pelo menos um qualificativo.

Não é o caso de dizer que sem tais excessos o estilo não seria o mesmo, não significaria a mesma experiência estética e existencial de sua leitura. Uma boa edição a deixaria ainda mais absorvente. Mas o que quero dizer é que a recompensa de tais esforços ao leitor ― ainda que ele tome a razoável decisão de seguir mesmo quando não compreende todas as palavras, a fim de se manter atado ao ritmo acima de tudo ― é incalculável. Há momentos tão belos na prosa de Euclides que dá vontade de ler em voz alta. Não por ser uma prosa poética, no sentido de uma prosa que tem métricas e rimas como as da poesia, mas por ser uma combinação de prosa poética com prosa científica. Sem esta, o estilo de Euclides não iria tão longe.

Afinal, mais do que leitor de John Milton, Victor Hugo e Castro Alves, ou de beletristas como Coelho Neto e naturalistas como Zola, ele era leitor de cientistas viajantes como Alexander Von Humboldt e Alexandre Rodrigues Ferreira, que faziam descrições às vezes líricas da geologia, fauna e flora; e de social-darwinistas como Herbert Spencer e positivistas como Benjamin Constant, com suas argumentações em torno de etnias evoluídas. Ponha mais uma pitada dos grandes historiadores do século 19, como Michelet e Carlyle, e as influências principais estão pesadas. Mas o estilo de Euclides, como o de Machado ou Rosa, não pode ser explicado assim; é muito próprio para ser visto como simples combinatória de influências. Com o ideal de unir ciência e arte, classicismo e romantismo, ele ousou e inventou como poucos.

Uma das linhas de força de seu estilo é a colagem de gêneros. Ora ele escreve como geógrafo, ora como historiador; ora como romancista, ora como ensaísta. É também o primeiro grande jornalista literário brasileiro, porque sempre tenta se ater aos fatos; melhor ainda, que permitiu que os fatos mudassem sua opinião, ainda que continue marcada em boa parte por preconceitos de época. Sua narrativa de guerra, A Luta, é um prodígio porque encadeia os eventos sem deixar de construir pontes intermitentes com o que disse antes em A Terra e O Homem. Euclides sempre abre seus textos com o "macro", com a descrição panorâmica de uma região, espécie de Google Earth em verbo. Depois vai fechando sua lente no grupo social e, por fim, em indivíduos, como a sertaneja de mangas sujas de sangue que teve pai e filho degolados pela República. A discordância sobre suas generalizações não tira a força dessa convergência.

Sua saudável ambição em Os Sertões era notar o que ninguém mais notara, o "traço superior do acontecimento". E "traço" aqui remete tanto à sua visada geológica (como a de Darwin), que destaca a topografia insular do arraial (a qual, impedindo a "mestiçagem extrema", teria preservado a bravura estoica dos jagunços), como à sua escrita pictórica. Ele recorre a todas as figuras de linguagem e retórica que conhecemos (metáfora, símile, antítese, hipérbole, enumeração, aliteração, até ironia e oxímoro) e a uma enorme variação de ritmos, a justaposições e cortes ― que hoje chamamos de cinematográficos, embora nenhum cineasta os recrie. Isso acentua as expressões memoráveis: "o espasmo assombrador da seca"; "arrastando a carcaça claudicante"; "cada parede se rachava em seteiras"; "peitos broqueados à bala ou sarjados à faca".

Quando vai à Amazônia, não por acaso, se refere a ela como o maior "quadro" da Terra, embora lamente sua falta de linhas verticais e variação cromática. No célebre texto "Judas Asvero" enfeixado em À Margem da História, é óbvia sua preocupação em transcrever a cena com a marcação de todos os pontos no espaço, desenhando a composição, e com alternância de frases breves e longas que lhe dá movimento: "Caminha. Não para. Afasta-se no volver das águas. Livra-se dos perseguidores. Desliza, em silêncio, por um estirão retilíneo e longo; contorneia a arqueadura suavíssima de uma praia deserta." Extensivo e intensivo, Euclides enxergava mais drama onde os outros só viam trama.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado n'O Estado de S. Paulo, em 16 de agosto de 2009.


Daniel Piza
São Paulo, 21/9/2009
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