77 anos do Mercado Municipal | Eugenia Zerbini

busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
>>> Estônia: programa de visto de startup facilita expansão de negócios na Europa
>>> Água de Vintém no Sesc 24 de Maio
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Precisamos falar sobre Kevin
>>> Guia para escrever bem ou Manual de milagres
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> A lei da palmada: entre tapas e beijos
>>> A lei da palmada: entre tapas e beijos
>>> A importância do nome das coisas
>>> Latrina real - Cidade de Deus
>>> Notas de Protesto
>>> Um imenso Big Brother
>>> O enigma de Lindonéia
Mais Recentes
>>> Felpo Filva de Eva Furnari pela Moderna (2001)
>>> Crepúsculo dos Deuses de Robson Pinheiro pela Casa dos Espíritos (2010)
>>> Diagnostico Bucal de Silvio Boraks pela Artes Medicas (1996)
>>> A Construção Social Da Realidade de Peter L. Berger - Thomas Luckmann pela Vozes (1996)
>>> Playboy Edição Colecionador- 1975 -2003 - A História da Revista Em 337 Capas de Revista Playboy pela Abril (2003)
>>> Revista Sexy - Mari Alexandre - Outubro 1994 de Revista Sexy pela Abril (1994)
>>> Radiologia Odontológica de Aguinaldo de Freitas - José Edu Rosa - Icléo Faria pela Artes Medicas (1994)
>>> Dentística - Procedimentos Preventivos E Restauradores de Baratieri Cols pela Quintessence Books - Santos (1996)
>>> Histologia Básica de Junqueira e Carneiro pela Guanabara Koogan (1995)
>>> O Livro da Psicologia de Clara M. Hermeto e Ana Luisa Martins pela Globo (2012)
>>> Mulheres Públicas de Michelle Perrot pela Unesp (1998)
>>> Alma de Luz - Obras de Arte para a Alma de Joma Sipe pela Pensamento (2014)
>>> Além do Divã - Um Psicanalista Conversa Sobre o Cotidiano de Antonio Luiz Serpa Pessanha pela Casa do Psicólogo (2004)
>>> Brasil: Uma Biografia de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling pela Companhia das Letras (2015)
>>> Lavoura Arcaica de Raduan Nassar pela Companhia das Letras (1997)
>>> O Diário de Anne Frank (Capa Dura) de Anne Frank pela Record (2015)
>>> Mapas Estratégicos de Robert S. Kaplan e David P. Norton pela Campus / Elsevier (2004)
>>> Perdoar Amar Agradecer de Carmen Mendes pela Luz da Serra (2022)
>>> O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues de Ruy Castro pela Companhia das Letras (2013)
>>> Livro Pena de morte - Coleção Lazuli de Maurice Blanchot pela Imago (1991)
>>> Livro A Colônia das Habilidades de Liriane S. A. Camargo pela Rima (2015)
>>> Memórias de Vida, Memórias de Guerra de Fernando Frochtengarten pela Perspectiva (2005)
>>> Os Segredos da Maçonaria de Robert Lomas pela Madras (2015)
>>> Livro Como Elaborar Projetos De Pesquisa de António Carlos Gil pela Atlas (1993)
>>> Incríveis Passatempos Matemáticos de Ian Stewart pela Zahar (2010)
ENSAIOS

Segunda-feira, 1/2/2010
77 anos do Mercado Municipal
Eugenia Zerbini
+ de 4700 Acessos

No mesmo dia em que São Paulo comemorou os 456 anos de sua fundação, no último 25 de janeiro, o mercado central festejava 77 anos de funcionamento. Quem sabe por ter nascido durante as grandes festas do 4º Centenário, mantenho, desde pequena, uma relação de amor com a cidade. Em um desdobramento desse sentimento, quem sabe ― outra vez ―, dei à luz a minha única filha no alvorecer de um 25 de janeiro, anos atrás.

Não é fácil declarar essa paixão neste momento, em que a cidade revela sua face de Medéia líquida, inclemente sob a força das águas, sorvendo muitos de sua extensa cria. Rilke já escreveu que todo anjo é terrível. Anjos e mães, completaria Freud, seu contemporâneo.

O Mercado Municipal, projetado por Ramos de Azevedo (o mesmo projetista do Theatro Municipal de São Paulo), para mim sempre sintetizou os antagonismos, contradições e paradoxos do materno. Por isso, o programa para a celebração de seu 77º aniversário ― incluindo queima de fogos na passagem de 24 para 25 de janeiro ― serviu de impulso a um retorno àquela suntuosa construção que, antes de ser inaugurada em sua função de mercado, em 1933, serviu de depósito de armas, ao tempo da Revolução Constitucionalista, em 1932.

Uma das lembranças mais caras de minha infância é a de uma ida ao Mercado Municipal, acompanhando minha avó, nos preparativos para a ceia de Natal. Entre as várias compras que realizou, ela não apenas separara uma caixa de papelão vermelho onde eu, recém-alfabetizada, podia ler "sultanas", como também pedira ao vendedor um quarto de quilo de figos secos da Turquia. As sultanas do pacote eram uvas passas brancas, mas, ao ouvir esse nome, somado à referência àquele país cuja capital já foi Bizâncio, me vi personagem de um dos contos das Mil e uma noites.

Mais adiante, minha avó encomendou um peru vivo, que ela mesma matou, depois que o vendedor mandou entregá-lo em casa, no dia seguinte. A comodidade das carnes congeladas nem sempre existiu e as boas donas de casa eram obrigadas a cometer certas selvagerias.

As comemorações do aniversário do Mercado começaram no dia 19 de janeiro, com cursos de culinária dedicados ao público feminino e masculino. Seguidos temporais impediram-me de comparecer, como o planejado. Acabei fazendo apenas uma visita, no dia 24.

Apesar da vizinhança cinza, suja e molhada, como sempre me lembro de ter sido o entorno do Mercado Municipal, foram precisos poucos passos em direção a seu interior para que eu recobrasse o encanto que ele em mim há décadas despertara.

Quase tudo é ainda anunciado com um adjetivo: o orégano é chileno; o anis, estrelado; a pimenta é da Jamaica. As azeitonas podem ser portuguesas, espanholas, libanesas, gregas ou sírias, todas coloridas, luzentes e carnudas. A lata de curry indiano deixa explícita que é da marca escolhida pelo governador de Bombaim. Apenas nomes, mas que têm o condão de despertar ― ao menos em mim ― um leque de fantasias.

Não se vendem mais aves e pequenos animais, como coelhos e carneiros, vivos. Os peixes e crustáceos, porém, estavam lá, lindos, sobre leitos de gelo fresco: atum, salmão, carapau, meca, tainha e vermelho, ao lado de lagostas, camarões, lulas, polvos e tamarutacas (sem mencionar nos práticos mexilhões "desconchados"). As ostras pareciam em baixa, poucas e anêmicas. Fraca, também, a variedade de hortaliças (talvez pelo excesso de chuva).

A nota máxima ficou por conta da barraca de frutas exóticas (Empório das frutas, rua K, box 20/22), onde o preço é dado em gramas, ao contrário de todos os outros lugares, em que o cálculo é feito por quilo. Assim, a custo quase de caviar, estavam expostas fruta do dragão (pitaya), rambutan (olho do dragão ou lichia maláia), chirimóia do Chile, atemóia (criação hibrida, cruzamento da fruta-do-conde com esta última), mangostim (anunciada como a rainha das frutas da Malásia) e abiu da Amazônia.

Tentando fugir do lugar-comum, em vez de pastel de bacalhau e de sanduíche de mortadela, duas especialidades do Mercado Municipal, preferi um pote de salada de frutas, para saborear enquanto flanava pelos seus corredores, admirando seus vitrais. Evitei o mezanino, agregado ao prédio em uma das reformas por que passou: esse novo espaço mais parece a praça de alimentação de um dos shoppings da capital. A estrela do lugar são mesmo os boxes numerados, alinhados em corredores denominados por letras, organizados pela natureza dos produtos oferecidos. Esses corredores, ou "ruas", são sinalizados por placas indicativas em cada cruzamento.

Através de um dos largos portões, vi que a chuva recomeçara. Com ela veio ao pensamento uma história antiga, por meio da qual eu aprendi que os seres humanos tinham a opção de dar fim à própria vida. Pouco depois de minha primeira visita ao Mercado, minha mãe me contara que uma das empregadas de minha avó (a quem eu acompanhara) se suicidara, atirando-se às águas do rio Tamanduateí, que hoje corre em galerias sob a Avenida do Estado, vizinha ao Mercado. De certa forma, aquela que me dera a vida, passara-me a consciência de ser possível dar o basta final.

São Paulo, anjos e mães são terríveis e guardam mistérios, de vida e de morte. Para poder encará-los é necessário um recuo, um afastamento. Quando criança, tinha a mania de arregalar os olhos e forçá-los em direção ao nariz. Ficava com um semblante idiota; essa manobra, entretanto, me propiciava imagens distorcidas do mundo, o que me agradava. Um jeito particular de ver as coisas, assim, meio fora de prumo. O artista plástico Gregório Gruber, ao retratar São Paulo, revelou-a atrás de uma névoa onírica, que parece com o resultado que eu obtinha com o estrabismo forçado de minha infância.

O aguaceiro lá fora se adensava. Havia a possibilidade de esperar para ver os preparativos do gigantesco bolo de 300 quilos que seria oferecido no dia seguinte, na festa de aniversário da cidade. Ou de até voltar mais tarde para assistir ao desfile da escola de samba Mocidade Alegre, programado para à noite, antes dos fogos. Porém, ainda que escondido sob o asfalto, corria lá fora o Tamanduateí (o rio que os índios já sabiam ser de muitas voltas), simples amostra da força aquosa que tem abalado a cidade.

Era hora, decidi, de voltar para casa.

Nota do Editor
Eugenia Zerbini venceu o Prêmio SESC Literatura 2004 na categoria romance, com o livro As netas da Ema. Tem contos publicados no jornal Rascunho, revista Cult e no blog do caderno "Prosa e Verso" de O Globo. Leia também o Especial "SP 450".


Eugenia Zerbini
São Paulo, 1/2/2010
Mais Eugenia Zerbini
Mais Acessados de Eugenia Zerbini
01. Para o Daniel Piza. De uma leitora - 16/1/2012
02. O diabo veste Prada - 2/10/2006
03. O romance sobre o nada - 28/5/2007
04. De vinhos e oficinas literárias - 2/7/2007
05. Legado para minha filha - 13/6/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Leituras para Repensar a Prática Educativa
Oswaldo Alonso Rays
Sagra
(1990)



Improviso para Leila
Luiz Taddeo
Edicon
(1984)



Gerente pela Primeira Vez
Theodore G. Tyssen
Nobel
(1997)



Livro Turismo Nova York é Aqui Manhattan de Cabo a Rabo
Nelson Motta
Objetiva
(1997)



O Grande Gatsby
F. Scott Fitzgerald
Bestbolso
(2007)



Avaliação na escola de 2º grau
Lacarias Jaegger Gama
Papirus
(2002)



A Espada da Fé
Jose Paulo Alves Fusco
Eme
(2005)



A Cancao Da Meia-noite De Henry James
Carol De Chellis Hill
Record
(1997)



A Verdadeira Obra do Espírito
Jonathan Edwards
Vida Nova
(1995)



Curso de Direito Comunitário - Autografado
José Souto Maior Borges
Saraiva
(2005)





busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês