A literatura contra o sistema | Guilherme Diniz | Digestivo Cultural

busca | avançada
84380 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
>>> ESTREIA ESPETÁCULO INFANTIL INSPIRADO NA TRAGÉDIA DE 31 DE JANEIRO DE 2022
>>> Documentário 'O Sal da Lagoa' estreia no Prime Box Brazil
>>> Mundo Suassuna viaja pelo sertão encantado do grande escritor brasileiro
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O dinossauro de Augusto Monterroso
>>> Marketing de cabras
>>> Simplesmente tive sorte
>>> Sete tecnologias que marcaram meu 2006
>>> Maria Helena
>>> Sombras
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Aconselhamentos aos casais ― módulo II
>>> Perfil (& Entrevista)
>>> Entrevista a Ademir Pascale
Mais Recentes
>>> Dylan Dog - Nova Série nº 4 de Recchioni. Stano e Bigliardo pela Júlio Schneider (2019)
>>> Televisão e Psicanálise de Muniz Sodré pela Ática (2003)
>>> Os Pilares da Terra de Ken Follett pela Rocco (2012)
>>> As Flores Falam de Val Armanelli pela Independente (2018)
>>> Las Mejores Intenciones de Ingmar Bergman pela Fabula Tusquets Editores (1992)
>>> The Best Intentions: a novel de Ingmar Bergman pela Arcade (1993)
>>> Tell Everyone de Rosana Solter pela Caramure (2022)
>>> Coleção Sobrenatural: Vampiros de Duda Falcão (org.) pela Avec (2015)
>>> Poemas humanos. España, aparta de mí este cáliz de César Vallejo pela Laia Literatura (1985)
>>> Sítios Arqueológicos Brasileiros de Cristiane de Andrade Buco pela Editora Brasileira (2014)
>>> Ven 1 - Libro de Ejercicios de F. Castro, F. Marin, R. Morales e S. Rosa pela Edelsa (1997)
>>> Paris s`affiche (bilíngue - inglês e francês) de Aurélie Druart pela Intemporel (2006)
>>> Mapping Arab Women`s Movements de Pernille Arenfeldt e Nawar Al-Hassan Golley pela Cairo Press (2012)
>>> As Parceiras de Lya Luft pela Siciliano (1990)
>>> Apontamentos de Viagem de J. A. Leite Moraes pela Companhia das Letras (1995)
>>> Em Busca do Tempo Perdido vol 5 de Marcel Proust pela Nova Fronteira (2014)
>>> A Saga da Liga da Justiça vol. 8 de Grant Morrison e Howard Porter pela Panini (2023)
>>> Batsquad nº 1 de Chuck Dixon. Rick Leonardi pela Abril (2002)
>>> Open Source de Alice Vieira pela Penalux (2018)
>>> Tutto Tex nº 339 (italiana) de C. Nizzi e A. Galleppini pela Sergio Bonelli Editore (2001)
>>> A Pata da Gazela de José de Alenca pela Edições de Ouro
>>> Métaphysique des Tubes de Amélie Nothomb pela Le Livre de Poche (1999)
>>> Dario Argento e seu mundo de horror de Maro Abbade (org.) pela Central das Artes (2011)
>>> Arte para Jovens - Ave Jorge de Antonio Maia e Ziraldo pela Berlendis & Vertecchia (1997)
>>> O Velho Mundo desce aos Infernos de Dolf Oehler pela Companhia das Letras (200)
COLUNAS

Segunda-feira, 30/3/2009
A literatura contra o sistema
Guilherme Diniz
+ de 4400 Acessos
+ 2 Comentário(s)

A literatura deve ser, por necessidade, progressista. Mesmo que escritores sofram influências de outros autores ― o que é absolutamente natural ―, é necessário o repensar constante da dimensão estética e conceitual daquilo que se irá escrever. A aceitação não-crítica de certos cânones e de regras prescritivas quanto à estilística e conteúdo faz com que uma pretensa literatura do futuro se torne mero plágio daquilo que apenas no passado se deu como ruptura.

Por esse motivo, o discurso literário ― para não dizer as escolas literárias ― deve ser avesso a qualquer noção de sistema. Por sistema pode-se entender a totalidade discursiva organizada em torno de um mesmo objetivo; noutras palavras, um conjunto de elementos que, conectados entre si, hierarquicamente, visa explicar, aclarar ou fazer desenvolver determinado ponto de vista.

Isso porque a literatura, e aqui se foge de qualquer limite imposto pela conceituação, deve ser abordada como algo ambíguo, incompleto, dotado de significados diversos. Deve ser ela mesma considerada, na noção de Umberto Eco, uma obra aberta. Contudo, o pensador italiano qualifica como aberta ou fechada não apenas a literatura, mas diversas manifestações artísticas onde ela é apenas uma vertente da expressão humana, ao lado da pintura e da música.

Contudo, o que é aberta ou fechada não é a obra em si, mas o veículo que permite sua existência. No caso em questão, onde se fala de literatura, o veículo é a própria linguagem, pois é ela que permite sua manifestação. Para que uma literatura se proponha como inovadora, sua linguagem deverá sofrer provocações do acaso, do indeterminado, do provável, do interpretável. Essa literatura, antes de procurar flertar com o estabelecido, deverá aspirar à desordem fecunda.

Deverá ela invocar tudo aquilo que desmistifica a ordem tradicional, objetiva, que legitima o status em detrimento da inovação; deve invocar a abertura de perspectivas e de hipóteses. Não é sem razão que no século XX viu-se o florescer de movimentos que iam afrontar justamente os cânones que supostamente determinavam a boa literatura.

Influenciados por filósofos como Nietzsche, Kierkegaard e Wittgenstein, diversos escritores lutavam contra o que eles chamavam de "esclerose dos sistemas", com forte recusa quanto a autoridade moral de autores predecessores. A ideia de um discurso literário racionalista, descritivo, fechado, teve de ceder espaços cada vez maiores à sugestão, à imaginação, ao inconsciente, à ficção.

Somente deste modo é possível, de forma coerente, situar a obra de James Joyce e Ezra Pound. Do contrário, livros como Os Cantos e Finnegans Wake se mostram apenas como delírios de mentes férteis, quando na realidade eles exploram e ultrapassam toda e qualquer objeção já feita quanto às prescrições poéticas e linguísticas de vanguarda.

A literatura de Jorge Luis Borges (especialmente seu livro O Aleph), por exemplo, onde ele utiliza a narrativa sugestiva ao invés da puramente descritiva (como a encontrada em Eça de Queirós), pode ser citada como um produto desse novo movimento, ao lado, também, do escritor mexicano Octávio Paz; é bem significativo, nesse sentido, seu poema "Piedra de Sol". De forma explícita, podemos encontrar o poder da sugestão como método em Stéphane Mallarmé.

Entretanto, como alguns já pretenderam, pode-se considerar a ambiguidade fonética encontrada no poeta francês meramente questão de estilo. Mas essa seria uma explicação reducionista e ao mesmo tempo incorreta. Se fosse essa característica apenas um modo de escrita inovador, seria improvável a criação de laços tão profundos como os que foram criados após a publicação do seu poema "Un coup de dés jamais n'abolira le hasard", no ano de 1914.

A explicação mais plausível ― e é a que eu compartilho ― é a de que naquele momento histórico o discurso racional estava fatigado. A imposição do rígido modelo advindo de Aristóteles, exposto na sua obra Poética, estava em descompasso com uma realidade que então surgia. Era árvore de frutos infecundos, que já na conservadora Inglaterra do século XVIII William Blake lutava para desenraizar. Mallarmé apenas explicitou o que já estava, de uma forma ou de outra, implícito.

Neste sentido, a obra aberta, nascida de uma literatura igualmente aberta, de múltiplas interpretações, só será possível quando os limites impostos pelas pretensões de se encontrar uma literatura acabada estiverem ultrapassados. A partir daí, um trabalho literário não procurará mais saber o que é e o que não é adequado. Será um trabalho que proporá mais perguntas do que oferecerá respostas; será uma literatura que considerará o mundo um objeto a ser decifrado, onde apenas a verdade do leitor servirá de guia relevante.

Não será ela uma obra informal; não será ela, tampouco, casual. Ela será regida por uma estrutura própria, interna, ditada pelo seu próprio conteúdo, diferente daquela que o racionalismo demanda, onde um modelo pré-definido é escolhido para análise de forma comparativa. Seu objetivo será, como profetizou William Blake, romper com as banais portas da percepção. A obra aberta quer mostrar como as coisas são: infinitas ― iguais à imaginação humana.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado em seu blog, O Rinoceronte Voador. Leia também "Baudolino e a obra aberta de Eco".


Guilherme Diniz
Belo Horizonte, 30/3/2009

Quem leu este, também leu esse(s):
01. A Serbian Film: Indefensável? de Duanne Ribeiro
02. Da relevância e do respeito musical de Rodrigo Cavalcanti da Rocha
03. Sobre nossas ambições (equivocadas) de mass media de Julio Daio Borges
04. Geração abandonada de Eduardo Carvalho
05. O Diário de Anne Frank de Nanda Rovere


Mais Guilherme Diniz
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
30/3/2009
08h39min
Que a literatura e a arte não são meramente diversão ou conformismo está na essência. Até o Paulo Coelho pode ser inconformista, se ele leva o leitor além da sua rotina pragmática, ainda que de forma programática e previsível. Se houver a exigência da mudança da linguagem e da forma, muito frequentemente a literatura será dirigida a um núcleo intelectualizado, e não terá o poder de questionar aqueles que exatamente têm menor acesso a uma realidade transformadora. Esta é a razão do fracasso dos movimentos vanguardistas e modernistas do século XX, ao transformar a revolução num movimento de bares e academias, e renegar a cultura popular a uma posição humilhante. Hoje, a literatura frequentemente busca formatos revolucionários sem discutir ideia alguma. Memórias pessoais, uma pequena aventura amorosa inconcluída. A obra aberta vive principalmente nas ideias que ela traz, e na capacidade de ser captada.
[Leia outros Comentários de Renato]
30/3/2009
19h38min
Caro Guilherme, parabéns, ótimo texto. Contudo, um pretexto: eu não consigo entender a razão da excelente "Obra Aberta" de Umberto Eco ter sido traduzida no Brasil apenas pela metade. Foi preciso que eu adquirisse a tradução francesa da referida obra, além da italiana, para que eu tivesse uma compreensão da obra em sua totalidade. Esquisito. Aqui no Brasil, os tradutores suprimiram o supra-sumo da "Obra Aberta", no qual Eco realiza uma análise minuciosa da poética joyciana. Ah, detentores do monopólio dos saberes! Coisas do Brasil = o gato comeu! abs do Sílvio Medeiros.
[Leia outros Comentários de Sílvio Medeiros]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Hora Azul
Alonso Cueto
Objetiva
(2006)



Pequeno Livro da Alegria
Victor Mirshawka Junior
Dvs
(2013)



O Mal de Lázaro
Krishna Monteiro
Tordesilhas
(2018)



O Brasil Cruel e sem Maquiagem
Hélio Bicudo
Moderna
(2000)



O Discurso Oral Culto
Beth Brait / Dino Preti / e Outros
Humanitas / Usp
(1997)



Segredos da Cozinha 2
Silvia Bruno Securato/ Denise Ayres
Oficina do Livro
(2010)



Paradoxo global
John Naisbitt
Campus
(1991)



Alice no País dos Espelhos
Lewis Carroll
Martin Claret
(2009)



Para Viver Um Grande Amor: Crônicas E Poemas.
Vinicius De Moraes
Companhia Das Letras
(2007)



Wizard Brasil 35
Wizard
Panini Comics
(2006)





busca | avançada
84380 visitas/dia
2,0 milhão/mês