Café-com-leite | Daniela Sandler | Digestivo Cultural

busca | avançada
52275 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Começa o Cerrado Cup, o maior circuito itinerante de e-sports do DF
>>> “Malina” é o primeiro e único romance de uma trilogia inacabada da austríaca Ingeborg Bachmann
>>> Kitchen, de Banana Yoshimoto
>>> Galeria de Arte São Luís: 1959-1966
>>> Um ano no Japão: Descubra o Japão que vai além dos roteiros turísticos
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Um rio dez vezes maior que o segundo maior rio
>>> O centenário de Contos Gauchescos
>>> Revista Jukebox em São Paulo
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
Mais Recentes
>>> Estudos de Literatura Brasileira de Douglas Tufano pela Moderna (1983)
>>> Por Onde Anda A Virtude? (coleção Letras Italianas) de Fernanda Pivano pela Berlendis E Vertecchia (2002)
>>> Mãos em Evolução de Mauricio Moscovici pela Med Line (2014)
>>> Fundamentos de Matemática Elementar 4 de Gelson Iezzi e Samuel Hazzan pela Atual (2013)
>>> Fundamentos de Matemática Elementar 7 de Gelson Iezzi pela Atual (2013)
>>> A Assustadora História Da Medicina de Richard Gordon pela Ediouro (1995)
>>> Curso de Vinhos de Jancis Robinson pela Cotovia (1999)
>>> Chave da provisão infinita de Masaharu Taniguchi pela Seicho no Ie (2007)
>>> As Uvas E O Vento de Pablo Neruda pela L&pm (2010)
>>> Hq Marvel 99 - 4 revistas: 1,2,3,8 de Vários Autores pela Abril (1998)
>>> O Castelo Animado de Diana Wynne Jones pela Record (2007)
>>> As Melhores Histórias De Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle pela L&pm (2010)
>>> Toda Sua de Sylvia Day pela Paralela (2012)
>>> Chok Leyisrael - Bereshit (Edição Bilíngue) de Rav Yoseph Milstein pela Rdx (2017)
>>> Manifesto Do Partido Comunista de Karl Marx pela Martin Claret (2009)
>>> Um Longo Domingo De Noivado de Sébastien Japrisot pela Asa (1991)
>>> Memórias de Sherlock Holmes de Sir Arthur Conan Doyle pela Martin Claret (2007)
>>> Felicidade não tem cor (2º ed. - 37º impressão) de Julio Emílio Braz - Odilon Moraes pela Moderna (2009)
>>> A Abadia De Northanger de Jane Austen pela L&pm (2014)
>>> Um Estudo Em Vermelho de Sir Arthur Conan Doyle pela L&pm (2008)
>>> Fiz O Que Pude (2º edição - 56º impressão) de Lucilia Junqueira De Almeida Prado pela Moderna (2011)
>>> Regras de Futebol Interpretação Das Leis do Jogo de Leopoldo Sant'Ana pela Cia Brasil
>>> O Príncipe de Maquiavel pela L&pm (2025)
>>> O Signo Dos Quatro de Sir Arthur Conan Doyle pela Martin Claret (2009)
>>> The Luxe Food Lovers Companion de Sharon Tyler Herbst e Ron Herbst pela Barrons (2009)
COLUNAS >>> Especial Politicamente Incorreto

Segunda-feira, 14/5/2001
Café-com-leite
Daniela Sandler
+ de 6500 Acessos
+ 3 Comentário(s)

Quando vim morar nos Estados Unidos, uma das primeiras coisas que me espantaram foi o clima de "patrulha ideológica" que permeia todos os aspectos da vida por aqui: da piada que se conta entre amigos aos temas de estudo na universidade. No Brasil essa história de politicamente correto nunca pegou, a não ser como motivo de piada (exceção feita a alguns movimentos militantes que adotaram o discurso e o jargão, no mais das vezes sem refletir sobre seu significado no contexto brasileiro).

Aqui não. Fala-se o tempo inteiro em direitos das minorias, "identity politics" (luta pela afirmação identitária de grupos, por exemplo, mulheres, homossexuais, negros, "chicanos"), reconhecimento das identidades individuais, e por aí vai. O feminismo, que começou como a justa reivindicação de direitos políticos, econômicos e sociais para as mulheres, virou receptáculo de toda sorte de rancores, no mais das vezes pessoais. Um dia eu estava dirigindo com umas amigas canadenses. Levei uma fechada de uma mulher numa via de alta velocidade e, no susto, soltei: "Só podia ser mulher"! O carro gelou, minhas amigas ficaram quietas, e eu percebi na hora que havia cometido uma gafe quase imperdoável.

Comecei a me policiar o tempo inteiro. Pelo menos, pensava, eu também vou ter meus direitos como minoria respeitados. Deve haver um lado bom no politicamente correto. Se essa atitude corresponde a uma visão libertária da sociedade, em que há abertura para a ação e os direitos de todos, o que pode haver de errado?

Bom, politicamente correto não é nada disso. Não é democrático, não é libertário, e - pior - é movido por preconceito, ignorância e rancor. Os afro-americanos, por exemplo (termo p.c. para negros) - ninguém aqui quer saber se você é racista. Você é branco, você é mau. O clima é quase hostil. Claro que há exceções, especialmente na universidade, mas de uma forma geral - e mesmo nos ambientes acadêmicos - há uma dinâmica de reconhecimento/aliança entre iguais e hostilidade aos demais. Eu fiquei espantada de ver, na universidade, grupos compostos somente por alunos negros. Também não é raro ver bandos de gente loira de olho claro. Mulato, moreno, aqui não existe...

Eu, como branca, senti o politicamente correto como a vingança dos oprimidos: não o desejo de emancipação, mas de trocar de posição com os opressores. Da mesma forma aconteceu em relação a opções sexuais. Pela primeira vez na vida, eu, heterossexual, me vi como minoria! No meu departamento, sei lá por quê, a maioria dos homens e mulheres é gay. No começo achei o máximo o fato de todo mundo se assumir sem muitos problemas, até eu perceber que eu estava sendo vítima de discriminação! O reconhecimento dos "iguais" funciona como uma senha - você é gay, você é automaticamente incluído. Você é straight (hetero), você tem de provar que, apesar disso, você é legal.

Há exceções? Claro. Quase todos os meus (bons) amigos gays são totalmente contra o politicamente correto. Os mais hostis são também aqueles que rezam pela cartilha de "política de identidade", traduzida, no caso, por disciplinas acadêmicas com o nome de "Queer Studies" e "Gender Studies".

Já estava certa de que o politicamente correto não tinha nada de correto, até o belo dia em que parei no sinal vermelho ao lado de uma reluzente BMW (eu estava dirigindo o meu Chevrolet 91). Ao volante, um jovem negro, vistoso, bonito, elegante. Essa cena não tem nada de incomum por aqui, e foi exatamente isso que me ocorreu naquela hora. Negros com carros novos, belas casas, bons empregos - isso se vê a toda hora por aqui. Na universidade em que faço pós (com bolsa integral e ajuda de custo), os alunos de graduação pagam quase 30.000 dólares por ano. Há quase tantos alunos negros quanto brancos. Quantos alunos negros havia na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde me formei? Eu me lembro de dois - dois estudantes de intercâmbio africanos. Dois em quase mil alunos.

Fiquei pensando: alguma coisa deve haver de correto nesse sistema em que, apesar dos preconceitos, do histórico de escravidão, das desigualdades, há possibilidade de ascensão social e material (o que, no sistema capitalista, se traduz em emancipação…) A luta pelo reconhecimento dos direitos dos negros, historicamente intensa e mobilizada por aqui, está na raiz tanto da conquista de direitos materiais quanto do politicamente correto, que apareceu depois, como uma de suas ramificações.

O politicamente correto, por aqui, não é o anti-racismo - é o racismo exacerbado, o direito de ser racista estendido às vítimas de discriminação. Os Estados Unidos são terrivelmente racistas. E não estou falando só desse racismo "de vingança". Os brancos são racistas, as pessoas não se misturam, os loiros ficam cada vez mais loiros, não há mulatos, morenos, meio-termo; não há ambigüidades, transição, indefinição. O politicamente correto é xiita, injusto, muitas vezes imbecil; mas, por outro lado, os Estados Unidos precisam disso para controlar a violência "intrínseca" da sua sociedade. Se existe o politicamente correto, é porque existe algo de incorreto a ser controlado. Às vezes, ouço comentários ou piadas que escapam ao controle e penso como isso aqui seria sem esse tipo de "patrulha". Basta ver o que é que os opositores do politicamente correto têm a dizer. A maioria desses opositores corresponde à ala mais conservadora, exclusivista, injusta e discriminatória da sociedade norte-americana. Criticam o politicamente correto não pelos direitos que ele tolhe: para eles, o problema são os direitos que ele fez possível.

Bom, se é essa a alternativa, prefiro a patrulha ideológica...

Por fim, fiquei pensando no Brasil. A gente tem um povo todo misturado, e dizer que se tem um pé na cozinha virou moeda social (vocês devem se lembrar do FHC…). Tudo bem, na FAU não havia negros, mas havia um montão de mulatos, de gente com ascendência indígena, negra, européia, quatrocentona… a gente cresce junto, tudo igual e tudo diferente ao mesmo tempo. Aqui nos EUA, os morenos são imediatamente "classificados" (como negros ou hispânicos). Há racismo no Brasil, mas não há um décimo da hostilidade aberta e onipresente daqui.

Não sei até que ponto a miscigenação no Brasil compensa a discriminação velada, pela qual os negros acabam sendo também os pobres. Não sei se a rigidez social dos EUA, a ausência de mistura e a hostilidade aberta funcionaram, dialeticamente, como motivação para as lutas de emancipação. Mas o meu lado otimista me diz que os dois países teriam muito a aprender um do outro - aprender das conquistas e também dos defeitos -, e que, nessa história de politicamente (in)correto, nada é totalmente claro e definido como, digamos, preto no branco...


Daniela Sandler
Rochester, 14/5/2001

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Assim como o desejo se acende com uma qualquer mão de Elisa Andrade Buzzo
02. A poesia afiada de Thais Guimarães de Jardel Dias Cavalcanti
03. Voto obrigatório, voto útil... voto nulo de Diogo Salles
04. Emprego? Exercite o desapego de Adriana Baggio
05. Erotismo, sensualidade e literatura de Marcelo Spalding


Mais Daniela Sandler
Mais Acessadas de Daniela Sandler em 2001
01. O primeiro Show do Milhão a gente nunca esquece - 8/8/2001
02. Quiche e Thanksgiving - 21/11/2001
03. A língua da comida - 29/5/2001
04. Notícias do fim-do-mundo - 24/10/2001
05. Mas isso é arte??? - 29/8/2001


Mais Especial Politicamente Incorreto
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
5/6/2002
12h41min
OI DANIELA SANDLER, ESTOU NO 3 PERIODO DE JORNALISMO ELI SOBRE SUA MATERIA SOBRE O POLITICAMENTE CORRETO.ACONTECE QUE ACHEI O MAXIMO COMO VOCE SE COLOCOU DIANTE DE TAL ASSUNTO.GOSTARIA QUE SE POSSIVEL VOCE ME ENVIASSE MAIS SOBRE O MESMO.TENHO UM TRABALHO PRA ENTREGAR NA UNIVERSIDADE SOBRE " O QUE É O POLITICAMENTE CORRETO COMO E ONDE SURGIU,SE É UMA QUESTAO DE ETICA,ENFIM CONTO COM SUA AJUDA TA. BEIJINHOS. SYNNARA RECIFE,05/06/2002.
[Leia outros Comentários de SYNNARA RODRIGUES ]
14/6/2002
11h36min
SOi Daniela Sandler,estou no 3 período de comunicação social, lê e gostei muito da sua matéria do politicamente correto, gostaria de ficar recebendo por e-mail qualquer "assunto" na ária que estou estudando. Um abraço.Andréa Karla Recife-15/06/2002
[Leia outros Comentários de AndréaKarlaSantana ]
12/9/2006
03h11min
Ola! Estava lendo a historia do "Digestivo Cultural" e acabei na pagina do seu texto! Estou fazendo faculdade de jornalismo nos EUA ha' 7 meses e ja' tinha reparado em td o que vc disse, mas nunca tinha achado expressoes para descrever o "movimento" que aqui funciona "inconscientemente". Muito bom! Abraco
[Leia outros Comentários de Paulina Vespasiano]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Guerra Civil 489
Stuart Moore
Novo Século
(2014)



Os Nacionalismos
Paulo Martinez
Scipione
(1996)



Testemunhos De Amor
Maria Salvador
Lachâtre
(2004)



O Dossiê Pelicano
John Grisham
Rocco
(1993)



Veja Sob Censura 1968-1976 566
Maria Fernanda Lopes Almeida
Jaboticaba
(2009)



A Redação de Trabalhos Acadêmicos - Teoria e Prática
Orgs. Claudio Cezar Henriques, Darcilia Marindir Simoes
Eduerj
(2004)



Vagabond 27
Takehiko Inoue
Conrad
(2003)



Simples e Complexos - Visão Espírita de Temas Diversos
Alessandro Viana Vieira de Paula
Fráter
(2014)



Um Verso a Cada Passo a Poesia na Estrada Real
Angela Leite de Souza
Autentica
(2015)



Como Proust Pode Mudar Sua Vida
Alain De Botton
Rocco
(1999)





busca | avançada
52275 visitas/dia
1,7 milhão/mês