Quiche e Thanksgiving | Daniela Sandler | Digestivo Cultural

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Quarta-feira, 21/11/2001
Quiche e Thanksgiving
Daniela Sandler
+ de 9600 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Bruno Weiszflog

Amanhã é Thanksgiving, o dia de Ação de Graças dos norte-americanos. O feriado é quase tão importante quanto o Natal - para alguns, até mais. Nas universidades, as aulas cessam um dia antes para que os alunos tenham tempo de viajar até suas cidades de origem e passar a data com a família. Quase tudo fecha, quase todo mundo emenda a sexta-feira, e na quinta-feira propriamente dita todos se reúnem para a grande e longa refeição.

Eu já tinha ouvido falar de Thanksgiving, vagamente, antes de vir para cá. Achava que era a mesma coisa que o nosso dia de Ação de Graças, que para ser bem sincera até hoje não sei o que é. Meu calendário acadêmico foi minha primeira fonte de informação: descobri que Thanksgiving é um feriadão, três dias sem aula muito oportunos na época mais sobrecarregada do semestre.

A primeira suspeita de que Thanksgiving devia ser uma data especial veio depois, quando fui convidada para três jantares no mesmo dia. Com todo mundo comemorando, algo de importante devia ser... algo assim como um direito básico, a ser garantido até para os desgarrados, os que vivem longe da família, nós, os "soltos no mundo". Mais ou menos como alguém passando um Natal solitário numa terra estrangeira. Numa data em que a celebração é privada, familiar, a impressão que se tem é que "o mundo" está comemorando: o "mundo", claro, sendo as salas de jantar de cada casa e de cada apartamento.

Assim como o Natal tem peru e castanhas, Thanksgiving tem comidas especiais. Mas eu nada sabia de seus ritos - passei meu primeiro semestre americano alienada, sem televisão ou revista, vivendo na universidade, que é um mundo à parte. Minha fonte de informação, veja só, era o supermercado, onde via gente comprando peru, batata-doce e molho de cranberry (fruta cuja tradução eu e meu dicionário ignoramos). Bom, pensei, comidas típicas, sim, assim como as natalinas; e, assim como elas, elementos básicos com espaço para variações e gosto pessoal, enfim, para qualquer outra coisa que se queira servir num jantar especial.

E, pensando assim, comprometi-me (ah, que ingênua!) a fazer uma quiche de gruyère e cogumelos para o jantar que teria com meus amigos. Lucy, minha amiga canadense, polidamente não disse nada, mas preparou, além do recheio do peru, a torta de abóbora e o purê de squash (um tipo de moranga) - e felizmente Cyril cuidou da batata-doce! Sim, a quiche ficou boa e todo mundo gostou, mas foi também o atestado da minha condição de noviça cultural.

O significado da quiche

Foi só depois que me dei conta da dimensão do meu faux-pas e do significado da quiche. Thanksgiving não é prá qualquer um vir inventando moda, enfiando prato alheio, ingrediente estrangeiro ou sabor diverso. Há variações, sim; regionalismos, também; mas tudo de acordo com o roteiro básico e dentro de uma gama determinada de opções. Coisas estranhas, quando aparecem, são invencionice vanguardeira ou idiossincrasia. De resto, o comensal quer o peru "and all the trimmings", todas as guarnições. Que têm lá sua razão de ser, ainda que mítica.

Pois Thanksgiving celebra os pioneiros, os primeiros colonos a domar o solo e a pátria (sem contar os índios, pois mitos patrióticos não são politicamente corretos), a ceia primal, primeira refeição, primeiros frutos da colheita. É um feriado secular, cívico, um marco de fundação e identidade nacional. As comidas, em tese, remetem àquilo que os pioneiros teriam comido, ainda que historicamente isso não seja exato: muitos pratos sumiram, foram adicionados ou tornaram-se mais sofisticados; e nos primeiros anos colheitas ruins fizeram do Thanksgiving uma refeição quase miserável. Em todo caso, fixou-se o simbolismo da reunião anual para dar graças pela colheita, pela comida, pela sobrevivência no novo mundo, pela nova vida. América!

Arranjo lógico

Ainda que tempero, métodos e forma final variem, Thanksgiving que se preze tem uma fórmula clara e básica de combinação de comida. No centro, claro, o peru assado, que pode ser recheado ou não. Sempre há recheio, ainda que ele não tenha sido assado dentro do peru. Recheio chama-se stuffing ou dressing, e é parente da nossa farofa (iguaria desconhecida por aqui). Stuffing é feito de croûtons, aos quais se adicionam temperos e outros ingredientes, que quase sempre incluem salsão, cebola, alecrim e tomilho, e que podem também integrar castanhas, frutas secas, maçãs, tubérculos, cogumelos, pimentões, bacon e lingüiça.

Batatas são obrigatórias, inteiras ou em purê. Tradicionais mesmo são as batatas-doces - as daqui, de uma variedade diferente das que comemos no Brasil, têm intensa cor-de-laranja e sabor delicado. Podem vir assadas ou amassadas, comumente regadas com suco de laranja ou xarope de maple, e quase sempre encimadas por cubinhos de marshmallow (não, não é sobremesa). Outros itens sempre presentes são os molhos: o gravy feito com caldo e miúdos de peru; e o molho das tais cranberries, que são frutinhas vermelhas muitíssimo azedas. E, por fim, a torta de abóbora, em que o recheio é de regra temperado com cravo, canela e gengibre (a combinação é vendida, junto aos tubinhos de ervas e especiarias, como "pumpkin pie spice" - como se tivesse na natureza uma tal coisa já pronta, assim como o orégano ou o cardamomo!).

Essa mesa básica pode ser visitada por outros vegetais, dependendo do gosto e da região: purês ou sopas de squash, vagem, ervilhas, cenouras. Às vezes, inclui uma peça de presunto. Minha quiche, no entanto, só mostrou que eu não sabia mesmo nada de Thanksgiving. Ainda que esse prato francês seja familiar ao gosto americano (afinal, omelete e stratta são típicas comidas de café-da-manhã), é no entanto totalmente estranho ao paladar de Thanksgiving. Por certo há explicações gastronômicas, nutricionais e históricas - por exemplo, o peru e seu gravy já têm gordura demais, tornando o ovo e o creme da quiche supérfluos; não havia queijo na época dos pioneiros; o gosto marcante e untuoso da quiche "brigaria" com o resto da refeição. Mas para mim a explicação é simples, auto-evidente, e só pode ser demonstrada na prática.

Você está convidado(a)

Sente-se à mesa de Thanksgiving nesta quinta-feira que é mais um desses dias gelados de fim de novembro, em que lá fora o vento faz uma zona com as folhas que apodrecem no chão. Dentro da sala aquecida o relógio marca 5 da tarde: você sabe, os americanos jantam cedo. As luzes estão todas acesas porque a esta hora já começou a escurecer. O resto de luz diurna dá ao céu um tom azul fosforecente e uniforme, recortado pela janela. Todos os seus amigos já chegaram, já tiraram os sapatos como é costume em país que neva, e todo mundo já tem uma taça de vinho na mão.

No seu prato, alinhados como representantes diplomáticos na liga das nações, estão o peru and all the trimmings: um pouco de cada um. Fatias de peru branquinhas, talvez até um pouco secas, mas não importa, porque você vai cobri-las com o molho de cranberries, cor-de-vinho, brilhante e perfumado com casca-de-laranja; no começo, você talvez pense que esse molho é geléia e que foi parar por engano na mesa do jantar (testemunhei essa reação num jantar de brasileiros), mas depois você entenderá que o peru e as frutinhas foram feitos um para o outro. Ao lado do peru alguém pôs em seu prato uma porção enorme de stuffing, que a essa altura é um aglomerado úmido de croûtons e temperos, cheio de texturas diferentes, coberto pelo gravy marrom e espesso.

Ainda que com desconfiança, você se serviu da batata-doce com marshmallow - não muitos marshmallows, uns dois ou três só prá constar (depois, claro, você vai se arrepender e desejar ter posto mais). O prato transborda, quase não há espaço para enfiar o garfo, haverá espaço para a torta de abóbora de sobremesa?; mas que pergunta, você logo lembra que Thanksgiving, assim como o Natal, é ocasião de exagerada comilança.

Enfim, como eu disse, sente-se à mesa de Thanksgiving, assim como eu fiz, embora na minha primeira vez não tivesse exatamente uma mesa, mas sim umas cadeiras toscas e um sofá improvisado (casa de estudante). E depois de saborear o mosaico alimentar fundido na impressão geral do jantar - em sua língua dançando ainda a memória gustativa do conjunto - você há de entender, assim como eu, o significado da quiche, do peru and all the trimmings. Assim como eu, na próxima vez em que você for a um jantar de Thanksgiving, vai preparar, isso sim, uma bela travessa de stuffing, como se deve (e enquanto você lê esta coluna eu estou picando aipos e maçãs). E, claro, no espírito da festa, assim como fez minha amiga Lucy, você delicadamente não vai dizer nada se o noviço da vez aparecer com uma bandeja de sushi - porque isso também faz parte de todos os trimmings.


Daniela Sandler
Rochester, 21/11/2001

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Outra leitura para O pequeno Príncipe de Guga Schultze


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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
23/11/2001
02h41min
Voce foi muito "feliz" no que escreveu, moro aqui na America e ja participei de jantares de Thanksgiving. Acho que e tao mais importante que o Natal. Valeu Dani...
[Leia outros Comentários de Cecilia]
23/11/2001
12h30min
Daniela, Acho muito interessante como vc sempre consegue traduzir pra "brasileiro" o american way of life. E com muita graça. Espero que vc tenha tido um ótimo thanksgiving! Abraços, Ana
[Leia outros Comentários de Ana Veras]
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