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Quinta-feira, 27/4/2006
Entre o sertão e a biblioteca
Celso A. Uequed Pitol
+ de 6100 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Talvez nenhum autor brasileiro tenha trabalhado tanto para escrever uma obra atemporal como Guimarães Rosa. Não que outros grandes nomes da nossa literatura trabalhassem a fundo perdido, sem quererem que sua obra se perpetuasse. Ao contrário: pretensão nunca faltou entre eles. A diferença entre eles e Guimarães Rosa é a intenção. É como se escrevessem apenas para o momento, para as discussões do dia-a-dia, resposta para chamados como a hipocrisia das elites, a necessidade de fundar uma nacionalidade ou a beleza singela do amor singelo, quase sempre expressa com o máximo de singeleza. Transcender os apelos ligeiros é um expediente ao qual nossos literatos não são muito afeitos, mesmo quando pretensiosos. Deixam essas coisas para os filósofos, e estes para os filósofos estrangeiros. Essas coisas de eternidade estão lá longe e não nos interessam tanto assim.

Mas elas interessam muito a Guimarães Rosa e, por isso, no momento em que escrevia, — e, sobretudo, no momento em que escrevia Grande Sertão: Veredas — estava muito ciente do impacto de sua obra na literatura brasileira. Sabia que trabalhava com assuntos que, se haviam sido tratados antes, o foram de modo superficial, embrionário, olhadelas de soslaio durante viagens que não raro levavam ao nada, e ainda assim de modo completamente diferente. Sabia-se único, em suma. Pôde talvez antever que se falasse, trinta anos depois de publicada a sua obra maior, de nada menos do que uma cosmologia de Grande Sertão: Veredas, com direito a criação do mundo, bem e mal, ascensão e queda e tudo o que uma cosmologia que se preze tem direito.

Sem querer tirar daqui a metafísica — até porque, por definição, é ela que nos abarca, e não nós a ela —, devemos voltar nossos olhos para o enfoque escolhido, que é o da linguagem, algo um tanto óbvio quando se fala de Guimarães Rosa. É o que logo de cara chama a atenção de qualquer um. Palavras que nunca vimos antes surgem a todo instante, e Grande Sertão começa, algo solenemente, com uma delas, Nonada, uma contração de "não, nada" ou "não é nada", falada pelos jagunços do sertão. Temos que aprender a sintaxe própria do autor, que não é a mesma do português que vemos no dia-a-dia. Os personagens têm nomes estranhos, união de vocábulos que são também união de significados e dão ao personagem suas principais características pessoas, à maneira das antigas narrativas míticas. Cada palavra e cada frase são pequenas "obras abertas", na acepção de Umberto Eco. São desafios à nossa lógica, e não poderia ser diferente: Guimarães Rosa é pré-lógico, puramente intuitivo, sem a regulação daquela estruturação da linguagem exibida nas gramáticas e nos manuais de retórica. E o é conscientemente, como ele mesmo confessou:

"(...) Como eu, os meus livros, em essência, são anti-intelectuais — defendem o altíssimo primado da intuição, da revelação, da inspiração, sobre o bruxulear presunçoso da inteligência reflexiva, da razão, da megera cartesiana. Quer captar a experiência direta com o ser, e por isso prefere 'ficar com o Tao, com os Vedas e Upanixades, com os Evangelistas e São Paulo, com Platão, com Plotino, com Bergson, com Berdiaeff — com Cristo principalmente".

Rosa quer, portanto, a intuição. Segundo a bela definição de Benedetto Croce, intuição é a "forma auroral do conhecimento", anterior à lógica e à petrificação que os conceitos sempre trazem. Qual é a saída para um escritor assim? É a poesia. Segundo Croce, ela é a intuição pura, única linguagem capaz de "captar o palpitar da vida em sua realidade". Por isso o Grande Sertão, malgrado a sua forma romanesca — é aquela em que ele mais facilmente se encaixa —, é essecialmente poético, e por isso nos parece primitivo, como a Ilíada e as sagas islandesas nos parecem primitivas no enredo e na linguagem.

Em um ensaio intitulado "o Iapa de Guimarães Rosa", o filósofo tcheco naturalizado brasileiro Villém Flusser dá uma missão a Guimarães Rosa. Segundo ele, nosso idioma sofreu dois grandes purgatórios: o primeiro deu-se quando, após a purificação da língua latina, a migração dos povos bárbaros vulgarizou o idioma. Após um breve florescimento durante o Renascimento, começou o segundo purgatório, marcado pelo preciosismo lingüístico, o excessivo apego à forma e o sufocar da imaginação, que redundou na gramatiquice muito nossa conhecida. Para Flusser, Guimarães Rosa será o responsável pelo renascimento do português como língua de cultura, ao unir o que ele chama de língua do sertão e língua das bibliotecas — isto é, a língua em estado bruto, do dia-a-dia do homem, do homem rural, sobretudo, e a língua cristalizada em estruturas que resistem às mudanças. É a língua do vaqueiro e a do empoladíssimo professor de língua, de Lampião e de Napoleão Mendes de Almeida. Eis o que faz Rosa, segundo Flusser:

"Viaja com os vaqueiros em busca de palavras e formas. Dorme com os bezerros para captar os ruídos e as imagens brutais que tendem a realizar-se na linguagem sertaneja. Sorve a plenitude das vogais e mastiga a dureza das consoantes para apalpar a matéria prima da língua". Logo depois, "mergulha nos compêndios, anota e compara formas de gramática latina, húngara, sânscrita ou japonesa para penetrar o tecido da língua e desvendar-lhe a estrutura".

A empolgação de Flusser ao antever um futuro glorioso para a criação rosiana é análoga à empolgação da época — o ensaio data dos anos 60— com o futuro do Brasil e, particularmente, com o da nossa cultura. Não podemos dizer que ele tenha se equivocado, apesar de tudo. Ainda que a obra de Guimarães Rosa não tenha sido, até hoje, bem digerida pelos frágeis estômagos dos literatos brasileiros — que costumam engolir finas iguarias como se fossem pipoca de cinema, e por isso raramente ultrapassam o nível da imitação barata — resta-nos a esperança de que a vista contemplada por Guimarães Rosa seja tão ampla quanto parece. Como bem observou Ferreira Gullar, ele estava plantando ipês, árvores para florescerem séculos depois de germinadas. E, quando isso começar, os séculos que geraram metáforas desgastadas como "túmulo do pensamento" e "inculta e bela" ficarão definitivamente para trás.


Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 27/4/2006

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01. Kokoro, de Natsume Soseki de Ricardo de Mattos


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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
27/4/2006
00h07min
Um texto bom e interessante. Se é que isso importa...
[Leia outros Comentários de Jose Alfredo]
28/3/2008
11h05min
Excelente texto. Consciente e seguro, o autor sintetiza com rara maestria o grande significado para a literatura brasileira da cultura popular nordestina (sertões).
[Leia outros Comentários de joao monteiro neto]
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