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Quinta-feira,
23/3/2006
Mordaça virtual: o Google na China
Celso A. Uequed Pitol
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O maior site de pesquisas da internet é grande já no nome. "Google" é a corruptela de "googol", termo utilizado para designar o número 1 seguido de 100 zeros. É difícil imaginar algo que possa ser medido assim: na verdade, apenas grandezas estelares, pontos tão distantes que - para ficarmos no vocabulário matemático - podemos dizer que tendem ao infinito. Este é, pelo menos simbolicamente, o campo de atuação do Google. Seu objetivo é vasculhar e catalogar a infinidade de informações que são diariamente despejadas na internet. O site criado pelos americanos Larry Page e Sergey Brin é hoje a maior referência mundial em páginas de pesquisa.
O procedimento é o mais simples possível: digita-se uma palavra no buscador e links para todas as páginas em que ela aparece surgem na tela, listados por ordem de importância e na língua que o usuário escolher. Ainda que o foco sejam os textos, o usuário pode também procurar fotos e vídeos com o mesmo procedimento. Mais recentemente, a implantação do serviço Google Earth permite que o usuário acesse imagens captadas por satélite em qualquer parte do globo. E tudo isto com uma simples palavra digitada num espaço em branco. Se o espírito da internet é facilitar o acesso a informação, o Google é a sua própria encarnação.
"Eu não vim trazer a paz, eu vim trazer a espada", disse o Verbo encarnado, um homem notadamente perigoso. O Google não é tão belicoso, nem no nível simbólico em que foram ditas as palavras do Evangelho, e suas pretensões são bem menores. Mas é igualmente perigoso por ser um veículo potencial de idéias, e, portanto, de transgressão e afronta ao poder. Essa afronta resulta em conflito de poderes, e, informação é, entre outras coisas, poder. É esse o motivo pelo qual o Google, ao desembarcar no mercado chinês, foi alvo da censura pela primeira vez desde que foi criado, em 1998. Os idealizadores do site, a princípio reticentes em aceitar as restrições de Pequim, acabaram cedendo com a desculpa de que "apesar da remoção seletiva de resultados ser inconsistente com a missão do Google, não oferecer informação alguma seria mais inconsistente ainda", como disse o diretor de comunicação do serviço, Andrew McLaughlin. No confronto entre os princípios de liberdade de informação que o site diz defender e as infinitas oportunidades de negócio oferecidas por um mercado de mais de um bilhão de pessoas, venceu este último. De nada adiantaram os protestos oficias de Bill Gates, do governo americano e até de um ex-secretário de Mao Tse Tung contra a decisão dos chineses: o domínio do Google chinês entra em funcionamento com os cortes necessários para assegurar que o cidadão chinês não saberá coisas que não deve saber.
É curioso observarmos quais assuntos são sensíveis aos rastreadores eletrônicos maoístas. Uma busca por sites sobre a revolução cultural, a biografia de Mao ou o Grande Salto Para a Frente registrará apenas páginas do governo com informações oficialescas. Temas como o Dalai Lama, a invasão no Tibete, a independência de Taiwan e as mortes na Praça Tianamen, em 1989, são proibidos. O site "não encontrará" as páginas, como se elas não existissem. Situação análoga à verificada na antiga Alemanha Oriental, onde os livros eram classificados em seis categorias, dos vagamente identificados com a revolução aos mais descarados agit-props do regime. Autores com temas "pequeno-burgueses" e "anti-revolucionários", como Aldous Huxley, George Orwell ou Alexandre Solenjietsin, não recebiam qualquer classificação, nem a de impublicáveis: simplesmente não existiam para o leitor comunista. Hoje, censurar livros não significa tanto para quem tem uma ferramenta de busca que varre o mundo em segundos. É preciso domá-la, portanto. É o que fazem os chineses agora.
Como em muitas outras coisas, os comunistas de hoje podem ser facilmente atacados com argumentos retirados da linha de pensamento que eles se dizem representar. O próprio Karl Marx dizia que a imprensa livre é o olhar onipotente das massas. O autor de O Capital ia além, afirmando que o jornal é o "espelho intelectual no qual o povo se vê e a visão a si mesmo é a primeira condição da sabedoria". Inquestionável afirmação, basilar para todo o pensamento filosófico ocidental, e os chineses devem saber disso muito bem. O governo controla os jornais com mão de ferro, bloqueia canais de televisão e sinais de rádio, restringe a entrada de periódicos estrangeiros e monitora de perto dos correspondentes internacionais estrangeiros em serviço no país. Alguns órgãos arriscam criticar a corrupção estatal, mas a autoridade do Partido Comunista é intocável.
Agora, a internet somou-se à lista de dos meios de comunicação que servem, de uma forma ou de outra, aos interesses da revolução, e com a bênção de um dos sites mais conhecidos. Se a História mostra, como disse um site chinês em língua inglesa, "que só os sistemas totalitários precisam de censura noticiosa, na ilusão de que conseguirão manter o público fechado na ignorância", ela também registra que aqueles colaboradores dos ideais revolucionários não tardam a se arrepender.
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
23/3/2006
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