Claraboia, o jovem Saramago | Marcelo Spalding | Digestivo Cultural

busca | avançada
42713 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> ZÉLIO. Imagens e figuras imaginadas
>>> Galeria Provisória de Anderson Thives, chega ao Via Parque, na Barra da Tijuca
>>> Farol Santander convida o público a uma jornada sensorial pela natureza na mostra Floresta Utópica
>>> Projeto social busca apoio para manter acesso gratuito ao cinema nacional em regiões rurais de Minas
>>> Reinvenção após os 50 anos: nova obra de Ana Paula Couto explora maturidade feminina
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Agora a morte da televisão
>>> For The Love of God explicada
>>> Obsessão por livros
>>> Breve reflexão cultural sobre gaúchos e lagostas
>>> Meu beijo gay
>>> YouTube, lá vou eu
>>> Sonho francês
>>> Minha Estante
>>> A Última Ceia de Leonardo da Vinci
>>> Steven Spielberg
Mais Recentes
>>> A Ascensao Do 'resto' de Alice H. Amsden pela Unesp (2009)
>>> Atividades E Jogos Com Escalas de Smoothey pela Editora Scipione (1997)
>>> Red-eyed Tree Frog de Joy Cowley pela Scholastic Paperbacks (2006)
>>> O Gabinete Negro - Cartas Com Comentarios - Edição De Luxo de Max Jacob pela Carambaia (2025)
>>> Orelha, Nariz, Barriga e Bumbum: Quer Mudar Algum? de Célia Cris Silva e Renato Teixeira pela Aymará (2009)
>>> Investigação Matemática Atividades e Jogos Com Gráficos de Marion Smoothey pela Scipione (1997)
>>> Outlander: A Viajante Do Tempo de Diana Gabaldon pela Arqueiro - Sextante (2016)
>>> Mundo Encantado Da Música: Dó, Ré, Mi, O de Nilsa Zimmermann pela Scipione (1996)
>>> Fabio De Melo E Gabriel Chalita, Cartas Entre Amigos de Gabriel Chalita / Fabio De Melo pela Fisicalbook (2010)
>>> Extraordinário 445 de R. J. Palacio pela Intrínseca (2013)
>>> Nelson Leirner de Lenir Morgado Roseli Ventrella pela Moderna (2007)
>>> Inclusão Um Guia Para Educadores 445 de Susan Stainback pela Artmed (1996)
>>> A Literatura Para Crianças E Jovens 445 de Maria Alexandre Oliveira pela Paulinas (2008)
>>> A Gigante Caixinha De Medos de Dani Grinberg pela Cortez (2018)
>>> Longman: Gramatica Escolar da Língua Inglesa de Longman pela Pearson (2004)
>>> Lições de sabedoria 445 de Marlene R. S. Nobre pela Sem (1997)
>>> Contando Até Dez de Rejane Machado pela Scortecci (2012)
>>> O Novo Rosto Da Igreja. Papa Francisco de Luis Gonzalez-quevedo, pela Loyola
>>> Tudo É Comunicação de Paulo Nassar pela Lazuli (2005)
>>> Melhores Frases Do Rock N Roll de Carmem Cacciacarro pela Garamond (2006)
>>> O Crime Do Padre Amaro 445 de Eça de Queirós pela Novo Século (2003)
>>> Calabar de Chico Buarque pela Civilização Brasileira (2012)
>>> O grande mentecapto de Fernando Sabino pela Record (1986)
>>> Ó Luis, Vais de Camoes? de Francisco Maciel Silveira pela Reis (2001)
>>> Fisiologia Respiratória: Princípios Básicos de John B. West pela Artmed Editora (2010)
COLUNAS

Sexta-feira, 25/1/2013
Claraboia, o jovem Saramago
Marcelo Spalding
+ de 4900 Acessos

Poucos ofícios imortalizam tanto um homem quanto o de escritor. Um bom livro sobrevive ao seu autor nas prateleiras das livrarias, nas estantes das casas, no orgulho da família. E não raro novos textos seus são publicados mesmo depois de sua morte.

Com José Saramago, o Nobel da língua portuguesa, o mais polêmico, conhecido e reconhecido escritor contemporâneo de nossa língua, não poderia ser diferente. Um ano e meio depois de sua morte, ocorrida em 2010, foi lançado o romance Claraboia (Companhia das Letras, 2006, 384 págs.), incrivelmente escrito em 1953 - se fosse publicado à época seria o segundo romance do autor.

Os motivos para a não-publicação nos anos 1950 são mais comerciais que literários: a obra foi enviada a uma editora lusitana que nunca respondeu ao autor, nem aceitando nem rejeitando o original (desrespeitosa prática comum até hoje, diga-se de passagem), até que nos anos 1980, com Saramago já famoso por sua literatura, a tal editora entrou em contato com o autor para publicar o livro. Aí foi a vez de Saramago rejeitar, por despeito ou por questões literárias, sabe-se lá. Deixou a decisão para que a família tomasse, depois de sua morte.

Felizmente para os leitores, a família optou por publicar o romance, cuja história narra episódios da vida de seis famílias do subúrbio lisboeta, histórias que se encontram e desencontram ao longo da narrativa. Enredos desse tipo hoje são comuns no cinema (Babel, Crash), mas acrescente-se a essa falta de unidade temática o fato de que em Claraboia o leitor começa a conhecer as famílias no meio de suas histórias e não saberá o final delas. Trata-se, portanto, de uma crônica de costumes, de um romance de representação social em que o cenário é mais importante que os acontecimentos.

Para quem gosta de literatura e de Saramago em especial, o romance é leitura obrigatória porque revela os primeiros passos do gênio, o que primeiro ele inventou na prosa até chegar à sua forma complexa e admirável de um Evangelho Segundo Jesus Cristo, por exemplo. Em Claraboia, os diálogos ainda são pontuados da maneira tradicional, mas já temos aqui o narrador intruso, onisciente e irônico, marca da ficção do autor. O começo, misto de descrição com narrativa, é arrebatador:

"Por entre os véus oscilantes que lhe povoavam o sono, Silvestre começou a ouvir rumores de loiça mexida e quase juraria que transluziam claridades pelas malhas largas dos véus. Ia aborrecer-se, mas percebeu, de repente, que estava acordando. Piscou os olhos repetidas vezes, bocejou e ficou imóvel, enquanto sentia o sono afastar-se devagar. Com um movimento rápido, sentou-se na cama. Espreguiçou-se, fazendo estalar rijamente as articulações dos braços. Por baixo da camisola, os músculos do dorso rolaram e estremeceram. Tinha o tronco forte, os braços grossos e duros, as omoplatas revestidas de músculos encordoados. Precisava desses músculos para o seu ofício de sapateiro. As mãos, tinha-as como petrificadas, a pele das palmas tão espessa que podia passar-se nela, sem sangrar, uma agulha enfiada."

Silvestre, aliás, será um personagem importante nesse mosaico de tipos por expressar em seus diálogos os pensamentos político-ideológicos do autor. Nesse romance, o Saramago jovem (o autor tinha em torno de 30 anos, a idade de Abel, personagem-chave do livro pelos diálogos que trava com Silvestre) é muito mais explícito do que nos romances de sua maturidade acerca de política, filosofia e engajamento social, utilizando-se dos diálogos entre o jovem Abel e o sapateiro Silvestre para expressá-los.

"- Ouça, Abel! Quando ouvir falar no homem, lembre-se dos homens. O Homem, com H grande, como às vezes leio nos jornais, é uma mentira, uma mentira que serve de capa a todas as vilanias. Toda a gente quer salvar o Homem, ninguém quer saber dos homens.

Abel encolheu os ombros, num gesto de desalento. Reconhecia a verdade das últimas palavras de Silvestre, ele próprio já o pensara muitas vezes, mas não tinha aquela fé. Perguntou:

- E que podemos nós fazer? Eu? O senhor?

- Vivemos entre os homens. Ajudemos os homens.

- E o que faz o senhor para isso?

- Conserto-lhes os sapatos, já que nada mais posso fazer agora. O Abel é novo, é inteligente, tem uma cabeça sobre os ombros... Abra os olhos e veja, e se depois disto ainda não tiver compreendido, feche-se em casa e não saia, até que o mundo lhe desabe em cima!"

Muitos dirão e escreverão que esse parece um diálogo entre o jovem Saramago e o velho Saramago, que talvez o autor tenha dado algumas pinceladas no original dos anos 50 antes de falecer. Mas tudo será especulação, e evitemos a especulação...

Vale ressaltar é que esse uso da ficção para a veiculação de discussões político-ideológicas é comum nos anos 50, época de grandes e inesquecíveis romances como O Tempo e o Vento (1959) e Cem Anos de Solidão (1962). Já no final do século XX, com o fim dos regimes totalitários e a mudança das discussões do eixo político para o econômico, a ficção volta a se preocupar mais com o sujeito e sua identidade. E é importante ressaltar que embora a história de Abel e Silvestre seja repleta de discussões políticas, e que essa história abra e feche o livro, ela é apenas uma das seis histórias de Claraboia, e as outras têm um aprofundamento psicológico e identitário dignos dos romances psicológicos mais modernos.

Entramos não apenas na casa dos casais e seus filhos, descobrimos seus pensamentos, suas intenções, seus medos, seus desejos, penetramos em cada um como jamais conseguiríamos penetrar em nós mesmos, com uma lucidez e praticidade que só alguém de fora poderia enxergar. Vemos sob a claraboia a mãe que perdeu a filha pequena e vive com um marido grosseiro e repulsivo; o casal que zela pela bela filha adolescente enquanto faz as contas para fechar o mês; a vizinha sedutora e seu amante; as quatro mulheres unidas pela música e por amores não realizados; o filho que quer unir os pais e os vê cada vez mais distantes, embora sob o mesmo teto. Desta história vale reproduzirmos um trecho:

"Henrique não compreendia. Amara pouco o pai, mas descobrira que podia amá-lo sem reservas; durante algum tempo receara a mãe, mas agora a mãe chorava e ele reconhecia que nunca deixara de a amar. Amava ambos e via que eles se afastavam cada vez mais um do outro. Por que não falavam? Por que se olhavam, às vezes, como se não se conhecessem ou como se se conhecessem demais?"

Poder-se-ia acusar a abordagem, e não seria de todo injusto, de certo machismo. É evidente, aqui, a influência do narrador homem revelando alguns fetiches, reproduzindo alguns valores, talvez próprios dos anos 50, mas talvez próprios de um pensamento sexista. De qualquer forma, poderíamos dizer que esse narrador-observador é mais uma das personagens vivendo sob a claraboia, e seus valores são mais reflexo do que ele vê do que criações suas. Nesse aspecto, a propósito, a obra pode ser lida em linha com Pequenas Memórias, livro de memórias de Saramago publicado em 2006 que revela a infância pobre do autor, sem dinheiro para livros ou jornais. E muitos dirão e escreverão, também, que o cenário diz muito sobre o autor, que isso é natural nos primeiros romances de um escritor, que a obra vale mais pelo aspecto histórico e biográfico que literário ou ideológico. Mas tudo será especulação. E evitemos a especulação...



Marcelo Spalding
Porto Alegre, 25/1/2013

Quem leu este, também leu esse(s):
01. 2007 e os meus CDs ― Versão Internacional 1 de Rafael Fernandes
02. O do contra de Eduardo Carvalho


Mais Marcelo Spalding
Mais Acessadas de Marcelo Spalding em 2013
01. A literatura infanto-juvenil que vem de longe - 1/2/2013
02. Por uma lógica no estudo da ortografia - 12/7/2013
03. A poesia concreto-multimídia de Paulo Aquarone - 14/6/2013
04. Dicas para a criação de personagens na ficção - 1/3/2013
05. O escritor e as cenas: mostrar e não dizer - 12/4/2013


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Dominando Estratégias de Negócios - Idéias e Tendências do Novo
Fernando Morais
Pearson
(1994)



Introdução à psicologia da educação: seis abordagens
Kester Carrara
Avercamp
(2003)



Beber Jogar F@#er
Andrew Gottlieb
Planeta
(2009)



Um Guia Para A Administração do Tempo
Ross A. Webber
Maltese



Viagens Por Um Mar Desconhecido
Krishnamurti
Três
(1973)



Ocio Criativo
Domenico De Masi
Sextante
(2000)



Livro Jesuítas
Cúria Geral
Cúria Geral
(1979)



Pequenos Livros sobre grandes Pessoas: Anne Frank
Isabel Thomas
Blucher
(2021)



O Sonho Tem Asas o Visionário Carlos Gonçalves
Rita Elisa Seda Vilma Carneiro Gonçalves
Tbn
(2018)



Travessia (Vol. 2 - Trilogia Distopia)
Ally Condie
Suma de Letras
(2012)





busca | avançada
42713 visitas/dia
1,7 milhão/mês