Barba ensopada de sangue: a ilusão é humana | Isabella Ypiranga Monteiro | Digestivo Cultural

busca | avançada
63210 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
>>> “Diversos Cervantes 2025”
>>> Francisco Morato ganha livro inédito com contos inspirados na cidade
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> A Teoria de Tudo
>>> Homenagem a Euclides da Cunha
>>> A voz da singularidade
>>> 100 homens que mudaram a História do Mundo
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Plebiscito contra a Alca
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Mané, Mané
>>> Scott Henderson, guitarrista fora-de-série
>>> Information Society e o destino da mídia
Mais Recentes
>>> Livro Zac Power Spy Camp Missão Zac Corre Na Selva de H. I. Larry pela Fundamento (2013)
>>> Quatro Estações de Stephen King pela Objetiva (2001)
>>> Saiba Quem Você E, Seja O Que Você Quiser de David Fontana pela Gente (2000)
>>> Nova Ordem Mundial de Robson Pinheiro pela Casa dos Espíritos (2024)
>>> O Príncipe do Islã de J. W. Rochester pela Correio Fraterno (2012)
>>> Livro Tc Tom Carroll de Nick Carroll pela Rocky Montain Tradução por Juliana Lemos (2014)
>>> Livro Você, Eu E Os Robôs Como Se Transformar No Profissional Digital Do Futuro de Martha Gabriel pela Atlas (2021)
>>> Livro A Semente Da Vitória de Nuno Cobra pela Senac (2002)
>>> Falcões Da Noite de Roberto Ampuero pela Planeta (2025)
>>> Trilhas Da Libertação de Divaldo P. Franco pela Federação Espírita Brasileira (2010)
>>> One Piece volumes 1 à 52 + One Piece RED de Eiichiro Oda pela Panini (2014)
>>> Reiki Essencial - Manual Completo Sobre uma Antiga Arte de Cura de Diane Stein pela Pensamento (2018)
>>> Livro Ramsés A Dama de Abu-Simbel Volume 4 de Christian Jacq, traduzido por Maria D. Alexandre pela Bertrand Brasil (1999)
>>> Livro Guia Pantanal Bonito E Chapada Dos Guimarães de Bei Mastercard pela Bei
>>> Guerra Dos Tronos: As Crônicas de Gelo e Fogo Livro 1 de George R. R. Martin pela Leya Brasil (2010)
>>> Alvo Humano - Vol. 2 de Tom King, Greg Smallwood pela Panini Comics (2023)
>>> Ensaios De Filosofia Ilustrada de Torres Filho pela Iluminuras (2004)
>>> Livro Ramsés O Filho da Luz Volume 1 de Christian Jacq, traduzido por Maria D. Alexandre pela Bertrand Brasil (1999)
>>> Lima Barreto: Cronista Do Rio de Beatriz Resende, Lima Barreto pela Autêntica (2020)
>>> Teoria delle funzioni di variabile complessa e delle funzioni ellittiche de Luigi Bianchi pela Enrico Spoerri (1916)
>>> Desobsessão de Francisco Cândido Xavier pela Federação Espírita Brasileira (2010)
>>> Livro Iron Man Onde Está? de Ilustrado por Art Mawhinney pela Abril Comunicações, Publications International, Marvel (2013)
>>> Livro Criando e Administrando Marcas de Sucesso de David A. Aaker pela Futura (1996)
>>> Mediunidade de Edgard Armond pela Aliança (2003)
>>> Explicando O Antigo Testamento de Francisco Albertin pela Santuário (2007)
COLUNAS

Terça-feira, 14/1/2014
Barba ensopada de sangue: a ilusão é humana
Isabella Ypiranga Monteiro
+ de 4700 Acessos

Dizem as enciclopédias que Fata Morgana - do italiano fada Morgana - é o evento responsável por fazer com que objetos vistos no horizonte, como, por exemplo, ilhas, barcos e icebergs, adquiram uma aparência alargada e elevada devido à inversão térmica. Não há grande mistério nisso. Provavelmente, em maior ou menor grau, o leitor já testemunhou a ilusão de ótica durante um passeio corriqueiro pela orla. Em termos menos científicos, também é bastante comum nos depararmos com um outro gênero de miragem ao longo da vida. São aquelas metas que planejamos alcançar e que teimam em surgir diante de nossos olhos como promessas de solução para os conflitos humanos. Pode ser um emprego, casamento, filhos... Oásis, muitas vezes, tão inatingíveis quanto a tal linha do infinito. Com o personagem principal de Barba ensopada de sangue (Companhia das Letras, 2012), quarto e mais recente romance de Daniel Galera, não é diferente.

O enredo é simples. Um professor de educação física de trinta e poucos anos deixa Porto Alegre para viver em Garopaba, pequeno balneário de Santa Catarina, após o suicídio do pai. Com o firme propósito de descobrir a verdade sobre a morte de seu avô, um sujeito misterioso que teria sido assassinado décadas antes na mesma cidade, o protagonista aproveita ainda a distância que separa sua nova casa dos parentes e amigos para escapar da conturbada relação com o irmão e esquecer uma vida amorosa pregressa desastrada. A mudança geográfica é, na realidade, consequência do isolamento psíquico em que pretende imergir; a visita ao passado familiar, uma tentativa velada de reaver a própria identidade. Enquanto procura preencher seus buracos emocionais, ele vai acabar aprendendo que, como diz o velho clichê, o caminho pode ser mais interessante que a chegada.

Galera já havia explorado o argumento "recomeçando em outro lugar" no aclamado Cordilheira, embora, talvez, de uma maneira mais assertiva. Se o primeiro título da coleção Amores Expressos, publicado também pela Companhia das Letras e vencedor do Prêmio Machado de Assis 2008, ajudou a colocá-lo em evidência nas prateleiras das livrarias, Barba... garantiu de vez seu posto em um seleto grupo de novos e influentes autores. Não por acaso, o paulistano de ascendência gaúcha foi eleito um dos vinte jovens escritores brasileiros de maior destaque em 2012 - ao lado de figuras como Michel Laub, Ricardo Lísias e João Paulo Cuenca - pela prestigiada revista literária britânica Granta. O investimento pesado da editora nesse atual fenômeno da literatura nacional rendeu bons frutos. O livro levou o Prêmio São Paulo de Literatura e o Jabuti de terceiro melhor romance do ano passado, além de ser um dos finalistas do Prêmio Portugal Telecom 2013 na mesma categoria.

Barba ensopada de sangue pode ser encarado, na verdade, como um epítome da ainda acanhada obra de Daniel Galera. O estilo pessoal e muito bem definido do autor, qualidade incomum em artistas de parcos 34 anos e com relativa pouca experiência no meio, se impõe linha após linha desse último projeto de forma incontestável. Diálogos ágeis e um já característico realismo hiperdescritivo, em que cada vírgula parece gritar sua carga de relevância para a história, se misturam à aproximação com elementos ligados à natureza, outro tema presente em alguns de seus trabalhos anteriores como Cachalote, uma parceria com o quadrinista Rafael Coutinho, e Até o dia em que o cão morreu, cuja primeira edição saiu pela Livros do Mal, pequena editora cofundada pelo escritor em 2001.

"Ela se vira de costas e ergue a blusa. Está escrito em letras grandes, atravessado na lombar, DEUS ESTÁ MORTO.
Essa tatuagem é estranha.
Legal, né? Eu adoro Nietzsche.
Quem é Nietzsche mesmo?
É um filósofo. O bigodudo. Uma amiga minha botou essa frase no Orkut e eu gostei. Li um livro dele. 'Além do bem e do mal'.
Não li.
Vamos para o quarto, atleta.
Quanto é?
Cento e cinquenta.
Tu custa o mesmo que o vinho? Isso não tá certo.
Ela não diz nada".

Cachorros, aliás, costumam assumir papéis-chave nos romances de Galera. Para desvendar o enigma envolvendo o assassinato do avô Gaudério, o protagonista de Barba... conta com a companhia constante de Beta, cadela que funciona como uma espécie de derradeiro elo com seu pai. O mar e suas idiossincrasias, imprescindíveis na composição desta narrativa em específico, também receberam atenção especial do autor. Ele revelou durante entrevista ter morado um ano em Garopaba, o que explica como conseguiu descrever o clima da cidade litorânea fora de temporada tão vividamente. Esses ingredientes combinados acabam incitando a memória afetiva do leitor - seja pela lembrança daquelas férias de infância na praia ou pela saudade de um bicho de estimação querido -, servindo para criar uma identificação instantânea com o que está sendo relatado. E não são os únicos.

"O mar finalmente desponta no término da avenida principal da cidade, uma lasca azulada e fria no fim da reta de asfalto que cintila sob o sol latejante de uma da tarde. É o dia do seu aniversário. Trafega em segunda marcha, janelas abertas e ventiladores ligados para arejar o interior do carro num dia sem vento, o zunido abafado dos ventiladores misturado com o ronco tímido do motor 1.0 e a música do CD do Ben Harper, quase parando antes dos quebra-molas para não raspar o fundo do automóvel sobrecarregado".

Achou estranho o nome do protagonista não ter sido citado uma única vez ao longo deste texto? A culpa não é de quem vos escreve agora, mas sim do próprio Daniel Galera. O jovem professor de natação - ou "nadador" como é chamado pelos seus interlocutores - é tratado no decorrer de 422 páginas sempre pelo pronome pessoal reto ele, o que transmite a ideia de que qualquer um de nós poderia ocupar aquele lugar. A terceira pessoa, a propósito, é descartada apenas nas inusitadas notas de rodapé. Apesar de um pouco extensas, tais passagens cumprem bem a função de pontuar a relação dos demais personagens - sob a perspectiva deles - com o nosso herói anônimo. Outro recurso, desta vez bastante sutil e exterior ao conteúdo do livro, aparenta ter sido engenhosamente adotado a fim de causar empatia no público. Cercado de uma forte campanha midiática, o lançamento de Barba... inovou ao distribuir exemplares personalizados, com direito a capas de três diferentes cores - azul, verde e vermelho. Não havia a necessidade de apelar ao truque marqueteiro para vender o romance. O autor tem fôlego o bastante para despertar sensações de déjà vu com suas palavras e, assim, atrair mais leitores. Os homens, em particular, vão se rever nos trechos carregados de humor típico do universo masculino.

"Oi. Pensei muito antes de te escrever porque aquela última vez que te liguei ao saber do teu pai tu me deixou bem claro que preferia não ter mais notícias nossas. Pode ignorar esta mensagem se preferir, do mesmo jeito que ignorou as outras, e desculpa se eu estou te importunando. Mas eu suspeito que essa tua atitude é só para que as pessoas acabem te procurando, porque tu não quer falar primeiro, sabe? Se eu estiver enganada só vou piorar tudo, mas... resolvi correr o risco".

Com os direitos de tradução negociados para quatro países ainda antes de sair no Brasil, Barba ensopada de sangue mostra como é possível falar de fantasia abusando do realismo contemporâneo e, talvez, justamente nesse ponto esteja o seu quinhão poético e maior mérito. Portador de uma rara doença congênita que o impede de reconhecer rostos, o protagonista busca em cada pessoa com quem cruza - entre elas, uma garçonete e o filho pequeno, os alunos de natação, o divertido amigo budista e a secretária de uma agência de turismo - decifrar a si mesmo. A semelhança física com o ancestral morto, que chega, inclusive, a assustar os antigos moradores do balneário, nada mais é que uma sofisticada metáfora desse desejo inconsciente. Embora esclareça os mistérios a que se propôs investigar, a conquista provoca nele o exato efeito das Fata Morgana que consegue avistar das areias de Garopaba. De perto, miragens não são o que parecem ser. Sem as respostas de que precisa, só resta ao "nadador" reabrir um ciclo atávico e, dessa forma, se reconciliar com a própria trajetória e cumprir seu destino. Quem já não experimentou algo similar? Afinal, de ilusão, todos nós vivemos.


Isabella Ypiranga Monteiro
Rio de Janeiro, 14/1/2014

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Alice in Chains, Rainier Fog (2018) de Luís Fernando Amâncio
02. Apontamentos de inverno de Elisa Andrade Buzzo
03. A revolução de saber das coisas de Marta Barcellos
04. Deixa estar, ou uma conversa com o Google de Ram Rajagopal
05. Breve reflexão cultural sobre gaúchos e lagostas de Adriana Baggio


Mais Isabella Ypiranga Monteiro
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro A Luta pelo Direito
Rudolf Von Lhering
Forense
(2000)



As Duas Vidas de Audrey Rose
Francisco Alves
Civilização Brasileira
(1964)



Estado Vegetativo
Tiago Novaes
Callis
(2007)



Auto da Compadecida
Ariano Suassuna
Nova Fronteira
(2016)



Livro Infantil Menina Flor e o Boto
Dira Paes
Mãe Brasil
(2008)



Livro Literatura Estrangeira O Caçador de Pipas Romance
Khaled Hosseini
Nova Fronteira
(2005)



O Mundo dos Fenômenos Psíquicos
f.s. Edsall
Pensamento



Física 1 - edição 2004 exercicios reformulados
Fernando Cabral E Alexandre Lago
Harbra
(2004)



Dicionário de Espanhol - Português
Julio Martinez Almoyna
Porto
(1977)



O Homem Inocente
John Grisham
Arqueiro
(2019)





busca | avançada
63210 visitas/dia
1,7 milhão/mês