O futebol intelectualizado | Evandro Ferreira | Digestivo Cultural

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Sexta-feira, 17/5/2002
O futebol intelectualizado
Evandro Ferreira
+ de 2900 Acessos

É preciso ter cuidado - muito cuidado - ao ler as matérias/artigos da "Bravo!". Todos os que ali escrevem são "macacos-velhos" na arte de escrever, ou, por vezes (cada vez mais vezes), na arte de tagarelar.

O artigo de Michel Laub sobre futebol na TV (publicado na edição de maio de 2002) parece, à primeira vista, perfeitamente plausível. A idéia é a seguinte: o futebol é um teatro, do qual participam jogadores, espectadores de TV, treinadores e locutores. Tudo regido pela "lógica do mercado" (notou que esta é uma expressão-chave de uma terminologia bem conhecida?), segundo a qual é preciso transformar o jogo em um espetáculo, para que a audiência aumente e os anunciantes paguem mais.

O problema do artigo é que os argumentos não se sustentam. Laub afirma, por exemplo, que "antes de mais nada, as razões disso [ da espetacularização ] são comerciais". Mas logo depois diz o seguinte: "Se no mundial de 1970 o tom ufanista servia para mimetizar o oficialismo requerido pelo regime político, no de 2002 sublinha uma autopromoção inerente a uma lógica de mercado". O que quer dizer essa última passagem? Se em 1970 os lances da partida de futebol eram supervalorizados em função do regime político e hoje o são em função do mercado, o que podemos concluir? Que existe uma tradição de espetacularização que é permanente (como toda tradição, é lógico) e existem as conjunturas - no caso a do regime militar em 1970 e a do mercado em 2002. Isso, entretanto, desmente a afirmação de que as razões são comerciais. Se a mesma espetacularização servia a um fim em 1970 e hoje serve a outro fim, como esses fins podem ser tomados, cada um deles em sua época específica, como razão ou causa do que quer que seja? A causa deve ser buscada em outro lugar. Talvez no simples fato de que o brasileiro gosta muito de futebol, embora os nossos pseudo-intelectuais adorem detestar isso.

Mais à frente o autor se pergunta por que os espectadores não abaixam o volume da TV - por causa da narração insuportavelmente melosa do Galvão Bueno, por exemplo - e ficam só com a imagem. De fato, já pensei em fazer isso, mas me senti como um idiota ranzinza que fica pensando em valores e pudores enquanto os outros só querem assistir uma partida de futebol. A verdade aqui é mais simples ainda: ninguém está mesmo escutando o locutor. Estão todos gritando, conversando ou reclamando. Eu jamais consegui ouvir um comentarista em uma partida de copa do mundo, tamanho era o barulho à minha volta. Mas o nosso caro autor não deve ter o hábito de assistir às partidas com os amigos, senão não teria tanto rancor guardado. Portanto sua explicação - ou "hipótese possível" - é a seguinte: "o relacionamento entre o espectador e as equipes esportivas de TV no Brasil não é regido por um princípio de ética, mas de estética". Brilhante! Preferimos achar o futebol e a narração bonita, ao invés de correta e sóbria.

Fico imaginando como seria a narração "ética": "Romário recebe a bola e a conduz em direção à área, mas sem muita habilidade nesse momento. Seus movimentos são lentos e displicentes. Não parece que ele está muito empolgado. Apesar de ganhar 1 milhão por mês, não se mostra muito empolgado. Mas vejam só, surpreendentemente ele faz um....gol". Realmente primoroso. E depois disso, os torcedores pegariam seus carros e se dirigiriam para casa ao som de um Brahms, já que as composições de Bach se regem mais pela estética que pela ética!

Logo depois, Laub diz que, antigamente, as rádios apelavam ao melodrama como meio de compensar o fato de que o espectador não via o campo. Com o advento da TV, entretanto, isso se tornou desnecessário, pois o jogo se "aproximou" de nós através da imagem. O melodrama, entretanto continuou, segundo o autor: "com a TV, era de se esperar que a abordagem fosse diversa: mais ponderada, menos reiterativa, já que a imagem é um fato que não precisa ser descrito literalmente. Mas isso não aconteceu: o melodrama segue e o público gosta". Pois bem, acontece que qualquer pessoa que já tenha ouvido a narração de uma partida de futebol pelo rádio pode facilmente perceber que a narração pela TV é, sim, mais ponderada e menos reiterativa. Então o recurso da hipérbole que o autor critica na narração é cometido por ele mesmo, ao exagerar o tamanho do melodrama citado. E isso se comprova se observarmos a seguinte passagem: "mesmo se o cenário for um daqueles estádios cariocas sem arquibancada nem grama no campo, onde joga um Bangu desclassificado ou um Madureira em fase de reestruturação, basta um jogador dar três dribles consecutivos que tudo vira um western de John Ford". Alguém aí se candidata a ensinar ao nosso articulista uma ou duas coisas sobre futebol na TV? Será mesmo que o narrador de Bangu e Madureira fica tentando transformar o jogo em uma espécie de final de copa do mundo? O que se costuma ver mesmo é os locutores ficarem conversando entre si e só narrarem algo quando algum jogador chega mais perto da área. Passemos ao próximo ponto.

Mais ao final, o senhor Michel diz que antigamente os "times eram melhores e mais parecidos com suas descrições laudatórias". Em 1998, a ESPN Brasil organizou um programa em que se repetiram os jogos do Brasil na copa de 70. Lembro-me de ver aqueles jogadores todos andando pelo campo lentamente, como se estivessem brincando após o almoço. De repente, a bola era tocada mais para frente e um deles andava um pouco mais rapidamente e driblava uns dois ou três, ficava cara a cara com o goleiro e chutava para dentro do gol. Sinceramente, não consegui me empolgar em nenhum momento. Na verdade, foi então que descobri o quanto de falácia podemos encontrar nas coisas que escutamos de saudosistas. Descobri que o futebol de hoje é extremamente mais dinâmico e animado, embora vejamos menos gols.

O autor compara ainda o futebol às telenovelas, como instrumentos através dos quais o telespectador satifaz sua sede de ficção. Então a realidade não é o que as pessoas querem ver quando assistem a um jogo de futebol, assim como acontece com as novelas. Como negar isso? Realmente existe uma parcela de idealização no torcedor que olha para o seu time. Aliás, o que seria do futebol se essa idealização não existisse? A premissa oculta é a de que a "sede de ficcão" é errada. É escapismo, alienação ou auto-engano. Mas, sinceramente, auto-engano é um intelectual acreditar que o ser humano seria melhor se se libertasse de sua sede de ficção. Todos os torcedores estão carecas de saber que o futebol brasileiro não anda lá muito bem. Os locutores repetem exaustivamente isso e criticam técnicos e jogadores a torto e a direito. O que mais o senhor Michel quer? Talvez ele tenha uma idéia melhor. Talvez os jogos devessem ser transmitidos por locutores formados em cursos de jornalismo, onde aprenderiam a "ética" da narração esportiva, a busca de uma cidadania futebolística, baseada na qual os torcedores rasgariam suas camisas diante da sede da Rede Globo e se organizariam em sindicatos para exigir a algum deputado que criassem uma lei (não é só isso que eles fazem?) obrigando os locutores a descreverem a realidade exatamente como ela é, sem apelar para o amor do torcedor ao seu time. Então, o futebol se transformaria no mais novo reduto dos burocratas do conhecimento, heróis da conduta ética e da razão iluminista que a tudo atropela em sua sede de transformar o ser humano em um autômato "realista".

A única coisa que quase salva no artigo é a observação de que os jogadores, hoje, "declaram um amor à camisa que não existe mais". Isso vale para alguns, mas não para outros. Além disso, não é que a camisa não exista mais. Os jogadores-estrelas é que não ligam mais para ela, pois só querem saber da ascensão pessoal e do dinheiro. Mas, baseado em que provas alguém pode afirmar que não há mais jogadores que gostem do seu time? Para piorar, logo depois o autor lança uma afirmação totalmente descabida, de que os treinadores "vão até a beira do gramado fingir dar instruções para aparecer diante das câmeras". À falta de provas que sustentem o argumento soma-se a inverossimilhança que beira o absurdo. Um sujeito ficar gritando durante noventa minutos - dando instruções que muitas vezes são até explicadas e contextualizadas pela equipe de TV - só para aparecer diante das câmeras! Essa hipótese não convence nem meninos de 5 anos de idade.

Mas ao final do artigo, nosso herói mostra a que veio. Cito mais duas passagens: "toda estética é uma representação - e como tal, formalmente ao menos, lança mão de recursos que alteram uma verdade pura (...). Dar crédito a esse fingimento todo (...) configura um movimento conservador: não querer ver as coisas como são faz com que elas nunca mudem de fato. Mas é também uma estratégia: já que os lances dentro das quatro linhas não dão motivos para muito entusiasmo, que a emoção do futebol, sua essência genuína e centenária, seja ao menos preservada. Nem que seja artificialmente". O nosso bom e velho Marx apareceu, como sempre, na expressão "preservada artificialmente". O futebol brasileiro, segundo o raciocínio do senhor Laub, estaria sujeito à boa e velha dialética materialista: a emoção, "essência genuína e centenária" do futebol, estaria fadada a desaparecer, por um movimento natural da marcha da história. E a TV, seguindo a lógica do mercado, estaria preocupada em preservá-la, pois sem emoção não há audiência nem dinheiro. A TV estaria andando na contra-mão da história.

E os torcedores, como ficam nessa história (ou estória)? São meros fantoches alienados, que se recusam a ver que a emoção tem seus dias contados e insistem em desejá-la. A coisa toda seria um movimento "conservador" (alguém aqui notou a presença implícita da palavra "progressista"?), já que o natural é que o futebol rume para a ausência de emoção. As forças materiais estariam rumando para uma revolucão futebolística, que representaria uma superação da estética nos lances realizados pelos jogadores. A TV deveria acompanhar as forças materiais e mostrar a "verdade pura", ou seja, mostrar que o futebol não é mais emotivo, mas financeiro e tático. Os torcedores são, juntamente com os locutores, um bando de reacionários (para usar a terminologia socialista) que querem conservar artificialmente uma emotividade que não faz mais sentido diante do movimento inexorável das forças materiais.

Tudo isso é, logicamente, uma baboseira sem fim. Nunca existiu nem existirá um movimento histórico natural em face do qual algo tenha de ser conservado. Quem faz a história é o homem, e suas construções simbólicas também fazem parte desta história. Se o futebol hoje tem mais relações com o comércio do que tinha antigamente, daí não se pode concluir que uma suposta perda de qualidade e de beleza estética seja um movimento natural e incontornável. Não aceito nem mesmo que o futebol tenha ficado mais feio. Isso não passa de um lugar-comum facilmente refutável se assistirmos, na íntegra, às partidas mais antigas (ao invés de vermos apenas os lindos gols). Dizer que a TV quer conservar artificialmente a emotividade do futebol só faz sentido dentro da absurda lógica marxista. A emotividade não está no futebol, mas sim nas pessoas. Depende sobretudo delas e não precisa desaparecer em função de supostas mudanças materiais do futebol ou de qualquer outra coisa. E dizer que o que está na cabeça das pessoas não é história, mas apenas um reflexo de forças materiais, essa é uma idéia absurda que um pseudo-filósofo teve certa vez e que até hoje nos incomoda como uma pulga incansável.

No fim, sobram apenas duas verdades. O Galvão Bueno é um chato, e isso não tem nada a ver com pseudo-teorias "progressistas". Existem pessoas chatas nesse mundo. Isso é um fato. A existência do senhor Laub até confirma isso. Se formos buscar no capitalismo - ou na suposta marcha inexorável das relações econômicas e de poder - explicações para cada chato que encontrarmos pela frente, perderemos nossas vidas inteiras tentando ser "progressistas". E se quisermos preservar qualquer coisa de que gostemos, ainda seremos chamados de "conservadores".

E olha que eu nem morro de amores por futebol...


Evandro Ferreira
Belo Horizonte, 17/5/2002

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