O chá de Lygia | Evandro Ferreira | Digestivo Cultural

busca | avançada
41111 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições abertas para o Festival de Cinema de Três Passos
>>> Lenna Bahule e Tiganá Santana fazem shows no Sons do Mundo do Sesc Bom Retiro
>>> CCBB Educativo realiza oficinas que unem arte, tradição e festa popular
>>> Peça Dzi Croquettes Sem Censura estreia em São Paulo nesta quinta (12/6)
>>> Agenda: editora orlando estreia com livro de contos da premiada escritora Myriam Scotti
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Quem é (e o que faz) Julio Daio Borges
>>> A importância do nome das coisas
>>> A revista Bizz
>>> Temporada 2008 do Mozarteum Brasileiro
>>> O iPad muda tudo? #tcdisrupt
>>> Vida e morte do Correio da Manhã
>>> E a Holanda eliminou o Brasil
>>> Magia Verde
>>> A loucura por Hilda Hilst
>>> Uma suposta I.C.
Mais Recentes
>>> Fundamentos De Marketing - Serie Gestão Empresarial de Basta / Marchesini pela Fgv (2006)
>>> Livro Psicoterapia de Emergência e Psicoterapia Breve de Leopold Bellak, Leonard Small pela Artes Médicas (1978)
>>> Sociologo E Positivista Vol.11 de Comte pela Escala (2012)
>>> Muitas Vozes de Ferreira Gullar pela José Olympio (1999)
>>> Livro O Mundo Contemporâneo Novalgina 70 Anos de Kopfschmerzen Jeder pela Fisicalbook (1996)
>>> Alma Dos Animais: Estágio Anterior Da Alma Humana? de Paulo Neto pela Geec (2008)
>>> Entrevistas. Processos de Miguel De Almeida pela Sesc (2003)
>>> A Mulher do Mágico de Brian Moore pela Companhia das Letras (2000)
>>> Livro Como Se Realiza A Aprendizagem de Robert M. Gagné pela Livros Técnicos e Científicos S.A (1976)
>>> O principe de Maquiavel pela Martin Claret (1998)
>>> O Cartaginês de Nauaf Hardan pela Edicon
>>> San Francisco Real City de Kristine Carber pela Dorling Kinders (2007)
>>> Soldados de Salamina (2º Ed. - 1º reimpressão) de Javier Cercas pela Biblioteca Azul (2020)
>>> O Ouro Maldito Dos Incas: A Conquista Do Império Inca Contada Por Um Soldado De Pizarro de Lúcio Martins Rodrigues pela Conteúdo (2011)
>>> Viver com Inspiração de Akiva Tatz pela Maayanot (2000)
>>> Livro El Juez De Paz Y El Jurado En El Brasil Imperial 1808-1871 Control Social Y Estabilidad Política En El Nuevo Estado de Thomas Flory, traduzido por Mariluz Caso pela Fondo De Cultura Económica México (1986)
>>> Colecao Grandes Obras Do Pensamento Universal (maquiavel - Belfagor, OArquidiabo, A madragora de Maquiavel pela Escala Editora - Lafonte (2007)
>>> Soldados de Salamina - 2º Edição (1º reimpressão) de Javier Cercas pela Biblioteca Azul (2020)
>>> Jung e a Interpretação dos Sonhos - Manual de Teoria e Prática de James A. Hall pela Pensamento (1993)
>>> Livro Bilionário Por Acaso A Criação do Facebook Uma História de Sexo, Dinheiro, Genialidade e Traição de Ben Mezrich pela Intrínseca (2010)
>>> Livro As Origens da Cabala de Eliphas Levi pela Pensamento
>>> Jovens Pesquisadores - Diversidade Do Fazer Científico de Tânia Rodrigues Da Cruz pela Ufrgs (2003)
>>> Livro Discricionariedade na Área Fiscalizatória de André Saddy e Outros pela Ceej (2022)
>>> Florestan - A Inteligência Militante de Haroldo Ceravolo Sereza pela Boitempo (2005)
>>> Livro D. João Carioca A Corte Portuguesa Chega Ao Brasil de Lilia Moritz Schwarcz pela Quadrinhos Na Cia (2007)
COLUNAS

Terça-feira, 9/7/2002
O chá de Lygia
Evandro Ferreira
+ de 3700 Acessos

Referindo-se aos contos de Lygia Fagundes Telles, José Paulo Paes afirmou que seu "interesse persiste mesmo depois de terminada a leitura, quando, viva ainda na memória a ressonância das situações emblemáticas representadas no livro, ficamos a maturar no esquivo significado das figurações que enriquecem a semântica do dito com as instigações do não-dito ou do quase-dito".

Essa sutileza e requinte literários é inconstante nas páginas de Durante aquele estranho chá, livro que reúne escritos dispersos da autora. O trabalho de edição é esteticamente impecável, talvez até excessivamente bem cuidado. Além disso, como tantos livros no Brasil de hoje, a qualidade do papel e do trabalho de editoração é maior que o necessário. O verdadeiro defeito, entretanto, é mesmo a inconstância dos escritos, tanto na forma como no conteúdo.

Mas não exageremos a intensidade desse defeito. Digamos que o livro poderia ter 150 páginas ao invés de 203. Um trabalho de edição mais rigoroso eliminaria uns tantos escritos de menor interesse e daria ao leitor uma amostra mais fidedigna da autora.

No texto que dá nome ao livro, Lygia se encontra com Mário de Andrade. Suas lembranças do episódio são, como sempre, intimistas. São muito mais impressões do que descrições. Como ela mesmo diz, "lá sei se estou sendo exata com os fatos, mas as emocões, essas sim, são as mesmas que passo a narrar em seguida".

Ler os textos de Lygia é como pensar. É um processo veloz, leve e permeado de interferências que quebram (sem quebrar) a linearidade: "[Mario de Andrade] queixou-se ainda dessa incrível timidez que, como eu, procurava disfarçar mas tão desastradamente que ficava parecido com certa personagem de um certo conto que ia quebrando os potes e depois não sabia onde esconder os cacos - nos bolsos?...". Pensar, falar e escrever se confundem em uma graciosa manipulação da língua. Regras gramaticais? Lygia tem suas próprias, mas nenhuma delas nos ofende os ouvidos. Aliás, sua prosa é para ser lida, e não pronunciada em voz alta. Talvez por ser tão intimista, torna-se meio simplória se pronunciada.

Esse jeito de escrever "de dentro" (como bem observou José Paulo Paes) transforma, ou melhor, filtra os fatos. Do outro lado do filtro, sobra "apenas" o que foi visto pela memória. O passarinho que entra pela janela - no texto Onde estiveste de noite? - provoca uma incrível profusão de reações e sentimentos: "acordei em meio do grito, gritei? Com os olhos ainda flutuando na vaga zona do sono, levantei a cabeça do travesseiro e quis saber onde estava. E que asas eram aquelas, meu Deus?! Essas asas que se debateram assim tão próximas que meu grito foi num tom de pergunta, Quem é?...". Sutilmente é que se descreve - na primeira frase - aquela sensação que temos quando gritamos em um sonho e acordamos sem saber se o grito foi real. E diante da revolução de emoções que se processa na pessoa, descobre-se que o passarinho não é apenas um animal que entrou pela janela. É também, de uma certa maneira, aquele conjunto de imagens e pensamentos que acontece dentro da mente de quem o viu. Como diria Aristóteles, o passarinho é uma substância carregada de acidentes, um ser que, por onde passa, provoca uma série de consequências no mundo.
Ponto ainda mais alto do livro são suas reflexões sobre Machado de Assis. Lygia explica de maneira simples e sucinta a maneira como o autor de Dom Camsurro construía sua visão do mundo, irônica e sem misericórdia. Destrincha as armadilhas de seus personagens, suas duvidosas lembranças e descrições dos fatos passados, o tom sóbrio da escrita, "sem ênfase". A comparação com Carlos Drummond de Andrade enriquece ainda mais a reflexão: "'As coisas. Que tristes são as coisas consideradas sem ênfase', escreveu o poeta Drummond. Sem dúvida, é evidente que o nosso escritor [Machado] devia concordar com isso: sem ênfase a vida piora. A solução foi simples, transferir a ênfase para os loucos, ah, como ele soube lidar com os loucos neste planeta enlouquecido". E resume tudo no encontro aparentemente impossível dos dois autores (só aparentemente): "'Tu não me enganas, mundo, e eu não te engano a ti', escreveu Drummond. Neste verso, a epígrafe ideal para a obra de ambos varando a eternidade a eternidade a eternidade".

A escrita de Lygia, contudo, pode facilmente se tornar melosa. E o excesso de lirismo que vira condescendência - como se pode notar, por exemplo, no texto Jorge Amado - é a armadilha de toda visão muito sentimental do mundo. Assim, sua admiração pelo autor é tão grande como é ingênua a maneira como enxerga uma beleza pura no modo como ele supostamente conciliou comunismo e tradicionalismo. Os escritores latino-americanos não raro caem nas armadilhas da ideologia e demonstram uma ingenuidade política que, arriscaria eu, bem pode ser fruto de um excesso de intimismo que os impede de ir além da psicologia em suas análises mais pretensiosas do mundo. Como bem observou Martim Vasques, "como uma criatura bifronte, o escritor latino se vê dilacerado entre suas obras ambiciosas, impecavelmente realizadas em termos artísticos, e suas opiniões políticas recheadas de uma ingenuidade perigosa, pois defende os governos socialistas totalitários como se fossem a única solução para o planeta". Eu não seria tão cruel com Lygia Fagundes Telles, mas sua visão lírica de Jorge Amado mostra como são frágeis as idéias políticas da autora quando comparadas à sensibilidade e delicadeza agudas de sua literatura. Na verdade, pensar que comunismo (e outras formas de progressismo) e tradicionalismo são conciliáveis é o erro mais antigo de todas as burguesias que foram dizimadas em regimes totalitários até hoje, totalizando uma cifra que já ultrapassa os 100 milhões de mortos.

Mas as idéias políticas, mesmo em uma coletânea de depoimentos como essa, não desempenham um papel senão secundário. E, quando se trata de escritores, o melhor que temos a fazer é desfrutar de suas belas análises da natureza humana e desconfiar de todo juízo sócio-político mais direto.

Avançando - e recuando - nas páginas, encontramos a alegre escapada de Lygia com sua amiga Clarice Lispector. Convidadas a um entendiante seminário de literatura, na Colômbia, proferiram algumas palavras e simplesmente sumiram do hotel e só voltaram quando o evento estava acabando. Comovente é, ainda, seu tributo ao poeta Drummond, "professor" que marcou sua vida. E em Então, adeus! a autora parte mais uma vez da morte de alguém, aqui Monteiro Lobato, para rememorar seus encontros com essa pessoa. Lygia faz o mesmo com Clarice Lispector e Mário de Andrade, mortes que a fazem reviver encontros.

Vários outros textos retratam as impressões e vivências de Lygia, e o leitor não se arrependerá se for conferir. Talvez seja um pouco ambiciosa a pretensão anunciada na apresentação do livro: seduzir o leitor para que ele saia em busca dos romances e contos da autora. Funcionará, talvez, de modo inverso, se o leitor for capaz de perceber que Lygia Fagundes Telles é bem mais do que estas páginas mostram. Sua literatura está em alguns textos, mas não em outros. Em alguns é grandiosa, em outros cede a um lirismo quase piegas de crônica jornalística.

Vista de outro modo, essa "oscilação" dos textos de Durante aquele estranho chá pode servir como um aviso de que o escritor não é um sábio, mas apenas uma pessoa sensível que sabe nos mostrar como somos. Cabe a nós pensar em como devemos ser, em como podemos ser. E no fim das contas a escritora sabe disso e podemos ver seus depoimentos como um convite para esse estranho chá organizado pelo editor Suênio Campos, em que ela escreve e nós sorrimos, choramos e julgamos: "Recorrendo ao estilo romântico, convido agora o leitor a descansar na mão direita a fronte pensativa e refletir. E julgar. Vamos, leitor, o vosso julgamento será definitivo".

Para ir além





Evandro Ferreira
Belo Horizonte, 9/7/2002

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Querido, eu me rendo de Adriana Baggio


Mais Evandro Ferreira
Mais Acessadas de Evandro Ferreira em 2002
01. Apesar da democracia - 24/9/2002
02. Pensando sozinho - 27/8/2002
03. Babação do popular - 13/8/2002
04. O pensamento biônico - 23/7/2002
05. Um Publicitário - 13/6/2002


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Problema é Seu a Solução é Nossa
Emanoel Lourenço
Literare Books
(2016)



Um Leão Chamado Christian
Anthony Bourke &john Rendall
Nova Fronteira
(2009)



Você Não Está Sozinho
Max Lucado
Thomas Nelson
(2010)



Livro Infanto Juvenis Em Cima Daquela Serra
Eucaneã Ferraz; Iara Kono
Companhia Das Letrinhas
(2013)



De Repente, o Desejo
Susan Fox
Unica
(2013)



A Casa das Belas Adormecidas
Yasunari Kawabata
Estação Liberdade
(2022)



Livro Não Fale De Boca Cheia E Outras Dicas De Etiqueta Para Crianças
Suzana Doblinski e Albertina Costa Ruiz
Mundo Cristão
(2001)



Palácio Itamaraty: Brasilia - Rio de Janeiro
Vário Autores
Banco Safra
(1993)



Livro Beber Jogar F
Andrew Gottlieb
Planeta
(2009)



Starters
Lissa Price
Editora Novo Conceito
(2020)





busca | avançada
41111 visitas/dia
2,0 milhões/mês