O diabo existe, e é bom | Alexandre Ramos | Digestivo Cultural

busca | avançada
43364 visitas/dia
1,2 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições abertas para o Concurso de Roteiros e Argumentos do 11º FRAPA
>>> BuZum! encena “Perigo Invisível” em Itaguaí, Mangaratiba, Angra dos Reis e Paraty (RJ)
>>> Festival de Teatro de Curitiba para Joinville
>>> TIETÊ PLAZA INAUGURA A CACAU SHOW SUPER STORE
>>> A importância da água é tema de peças e oficinas infantis gratuitas em Vinhedo (SP)
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O batom na cueca do Jair
>>> O engenho de Eleazar Carrias: entrevista
>>> As fitas cassete do falecido tio Nelson
>>> Casa de bonecas, de Ibsen
>>> Modernismo e além
>>> Pelé (1940-2022)
>>> Obra traz autores do século XIX como personagens
>>> As turbulentas memórias de Mark Lanegan
>>> Gatos mudos, dorminhocos ou bisbilhoteiros
>>> Guignard, retratos de Elias Layon
Colunistas
Últimos Posts
>>> Barracuda com Nuno Bettencourt e Taylor Hawkins
>>> Uma aula sobre MercadoLivre (2023)
>>> Lula de óculos ou Lula sem óculos?
>>> Uma história do Elo7
>>> Um convite a Xavier Zubiri
>>> Agnaldo Farias sobre Millôr Fernandes
>>> Marcelo Tripoli no TalksbyLeo
>>> Ivan Sant'Anna, o irmão de Sérgio Sant'Anna
>>> A Pathétique de Beethoven por Daniel Barenboim
>>> A história de Roberto Lee e da Avenue
Últimos Posts
>>> Nem o ontem, nem o amanhã, viva o hoje
>>> Igualdade
>>> A baleia, entre o fim e a redenção
>>> Humanidade do campo a cidade
>>> O Semáforo
>>> Esquartejar sem matar
>>> Assim criamos os nossos dois filhos
>>> Compreender para entender
>>> O que há de errado
>>> A moça do cachorro da casa ao lado
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Portas se abrindo
>>> Escrever não é trabalho, é ofício
>>> As turbulentas memórias de Mark Lanegan
>>> Elon Musk
>>> O 4 (e os quatro) do Los Hermanos
>>> Poesia como Flânerie, Trilogia de Jovino Machado
>>> 7 destaques do cinema brasileiro em 2005
>>> Façam suas apostas
>>> Mãos de veludo: Toda terça, de Carola Saavedra
>>> O que mais falta acontecer?
Mais Recentes
>>> Livro - Livro de Crónicas de António Lobo Antunes pela Dom Quixote (2000)
>>> Livro - As Origens do Sexo - Uma história da primeira revolução sexual de Faramerz Dabhoiwala pela Biblioteca Azul (2013)
>>> Livro - O Que Só Sai por Verso Livre de Laura Noleto pela Duplo Sentido (2020)
>>> Livro - Guia de Vinhos de Manoel Beato pela Larousse (2007)
>>> Livro - Fala Sério, Amiga! de Thalita Rebouças pela Rocco Jovens Leitores (2008)
>>> Livro - Lonely Planet Chile e Ilha de Páscoa de Lonely Planet pela Globo (2012)
>>> Livro - Discover Peru - Experience the Best of Peru de Lonely Planet pela Lonely Planet (2013)
>>> Livro de bolso - Guia Criativo para o Viajante Independente - América do Sul de Zizo Asnis & os Viajantes pela O Viajante (2013)
>>> Livro - Diagnósticos de Enfermagem da Nanda 2005-2006 de Vários Autores pela Artmed (2006)
>>> Até Prova Em Contrário de Gallatin Warfield pela Record (1994)
>>> Eu Não Consigo Emagrecer de Pierre Dukan pela Best Seller (2012)
>>> Dieta Nota 10 de Guilherme de Azevedo Ribeiro pela Bertrand Brasil (2014)
>>> Muitas Vidas, Muitos Mestres de Brian Weiss pela Sextante (1998)
>>> História da Literatura - o Renascimento Literário Europeu - Volume 3 de E. Ianez pela Planeta (1989)
>>> Como ser Feliz Apesar de Tudo de Hugh Prather pela Sextante (2005)
>>> As 7 Chaves do Bem-estar - Guia da Boa Saúde de Jeanne Margareth pela Discovery
>>> Machado e Juca de Luiz Antônio Aguiar pela Saraiva (2012)
>>> Formaturas Infernais de Meg Cabot Stephenie Meyer e Outros pela Galera (2009)
>>> Os Passos Perdidos de Alejo Carpentier pela Martins Fontes (2008)
>>> Naufrágios e Pontos de Mergulho de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Espírito Santo de José Truda Palazzo Jr. pela Cultura Sub (2012)
>>> Convite à Filosofia de Marilena Chaui pela Atica (2009)
>>> Manual Prático de Mindfulness - Meditação da Atenção Plena (Inclui CD Player) de John Teasdale e Outros pela Pensamento (2016)
>>> Imigração Bulgaros e Gagauzos Bessarabianos de Jorge Cocicov pela Summa Legis (2005)
>>> O Poder Meta-humano de Deepak Chopra pela Alaúde (2019)
>>> Umbandas uma História do Brasil de Luiz Antonio Simas pela Umbandas uma História do Brasil (2021)
COLUNAS

Sexta-feira, 17/1/2003
O diabo existe, e é bom
Alexandre Ramos
+ de 9200 Acessos
+ 2 Comentário(s)

O rosto quase bonachão, calvo, a imagem de fragilidade acentuada pelos óculos, em contraste com o corpo musculoso e a sinistra máscara de couro, faz Nicolas Cage hesitar. "Machine" aproveita a chance e derruba o detetive, enquanto diz: "Eu não fui estuprado, ninguém abusou de mim quando criança, e sou perfeitamente normal. Faço o que faço porque gosto". O que ele faz, no caso, é "atuar" em filmes nos quais pessoas são estupradas e mortas de verdade.

8 mm é um dos melhores suspenses de 1999, está passando num desses canais de filmes, e retrata muito bem a questão dos chamados snuff-movies, que constituem mais um produto para a aparentemente insaciável perversão humana. Muitos deles, não obstante sua temática escabrosa, são realizados como quaisquer outros, isto é, com efeitos especiais, mas policiais americanos e europeus já acreditam que outros muitos, filmados principalmente no sudeste da Ásia, são de fato reais.

Quando alguém descarrega uma arma a esmo, ferindo e matando quem estiver por perto, num cinema, numa escola, a primeira - e talvez única - pergunta que fazemos é: por que? O horror e o absurdo são tão intensos que a racionalização aparece como a única saída: ah, o cara era louco; ah, essa ideologia, aquela religião, todos esses filmes e jogos de violência... e por aí vai. Mas no fundo, bem no fundo, talvez a resposta de "Machine" nos ponha diante de uma questão que raramente temos coragem de enfrentar: "faço porque gosto", e ponto final.

Nós, católicos, sempre que vamos à missa dizemos que pecamos muitas vezes, e de muitos modos. Poderíamos acrescentar que gostamos do que fizemos (e bastante, do contrário não haveria reincidência), e que não fizemos mais por absoluta falta de tempo, coragem e talento. Provavelmente, o que mais incomoda o leitor de O diário do farol, de João Ubaldo Ribeiro, seja justamente se reconhecer nem tanto nos atos cometidos pelo protagonista, mas na capacidade para a hipocrisia e a mentira.

Ora, o ato penitencial que acontece no início da missa expressa, para além de todas as limitações e condicionantes de ordem psicológica, cultural e outras, a realidade fundamental: naquele espaço de liberdade efetiva de que disponho, freqüentemente oriento minha vontade e meus atos para o mal, deliberadamente. Nada a ver com ideologias circulantes na sociedade, com problemas de família, genéticos e que tais, com a decadente cultura ocidental ou o último filme do Sylvester Schwarznegger. Nada disso. Apenas a minha vontade.

Nessas regiões sombrias da existência humana, em que as ciências pouco ou nada têm a dizer, move-se um personagem ao qual, creio, muita coisa foi indevidamente atribuída: o demônio. Hoje, com tantos anjos subindo e descendo por aí, não era mesmo de se espantar que alguém se lembrasse desse em especial(1). E o que estamos presenciando é um número crescente de leigos e religiosos que, sem a mínima habilitação para isso, estão diagnosticando a presença e a atuação de anjos e demônios na vida das pessoas.

Há cerca de três anos, com pouco mais de uma semana de intervalo, chegaram ao meu conhecimento o caso de uma religiosa que disse a uma pessoa que sofre de câncer que se trata de uma ação demoníaca; e o de um seminarista, desses que tomam chá diariamente com nossa Senhora, que garantiu a um casal meu conhecido que algumas dificuldades por que estão passando se devem à ação de um "espírito do mal" que está em sua casa. Há ainda uns padres que, com a maior sem-cerimônia, declaram que as pessoas por isso ou aquilo já estão previamente condenadas ao inferno; o que vem a ser, precisamente, a melhor maneira de arrumar uma passagem de primeira classe e sem escalas para as profundas do dito-cujo. Tudo isso faz lembrar frei William de Baskerville, do Umberto Eco, que diz que, freqüentemente, a única prova que temos da presença demoníaca é o intenso desejo daqueles que querem sabê-la em ação.

Bem antes disso, por volta de 1985, eu tinha um amigo que começou a namorar uma garota que freqüentava um desses empreendimentos que se autodenominam igrejas. Ela o arrastou para um culto e tudo corria em relativa paz até que, como manda o script, chegou a hora do exorcismo. Ora, sem diabo não há exorcismo, de modo que, dado o sinal, o capeta começou a se manifestar em vários dos presentes. Meu amigo viu que o sujeito ao lado dele começou a querer dar chilique, ter uns estremeções, e aí, sem que a namorada percebesse, disse baixinho no ouvido do possuído: - Olhaí, meu chapa, vai ficando bem quietinho senão te encho de pancada (o termo que ele usou realmente me foge no momento) aqui mesmo. E naquele mesmo instante o pobre homem foi liberto do demônio que o atormentava. Isso, meus caros, é que é exorcismo.

Um último caso aconteceu em 2001, pouco antes de eu deixar o mosteiro. Um grupo de jovens apareceu muito preocupado, porque um deles andava tendo uns fricotes meio estranhos durante as reuniões. Um dos irmãos levou o rapaz para um canto, teve uma longa conversa com ele e depois o trouxe de volta para o grupo, com o diagnóstico: - É um caso simples de carência afetiva. Basta vocês darem um pouco mais de atenção a ele que tudo fica bem.

Que o demônio existe e age contra nós, está na Revelação Divina e no Magistério da Igreja. Que ele é apenas uma cri-a-tu-ra (e portanto bom em si mesmo, pois tudo que Deus fez é bom; o que ele fez com sua liberdade são outros quinhentos), ainda que poderosa, também.

Portanto, não se pode reduzir o demônio a uma patologia psicológica - negando sua identidade pessoal - sem abandonar a fé católica, o mesmo acontecendo com os que praticamente o elevam à condição de antagonista de Deus, de uma espécie de princípio objetivo do mal.

E são esses os dois maiores favores que se podem fazer ao demônio: achar que ele não existe, ou dar-lhe demasiada atenção(2). Da mesma forma, a preocupação excessiva em identificar a ação do demônio nos outros talvez seja o grande sintoma de que ele está agindo, sim, mas nos inquisidores de plantão. Mais ou menos como diz o Exorcista de W. P. Blatty: "É nisso que eu acho que consiste o endemoniamento: não em guerras, como alguns tendem a crer; nem tanto assim; e muito raramente em intervenções extraordinárias... Não, eu o encontro com mais freqüência nas pequenas coisas: nas malevolências absurdas, mesquinhas; nos desentendimentos; na palavra cruel e mordaz que vem espontaneamente à língua entre amigos. Entre esposos. Basta isso, e não temos necessidade de que Satã organize nossas guerras. Destas, nós mesmos nos encarregamos".

Entretanto, falando francamente, na maior parte do tempo sou levado a pensar com o simpático demônio Anthony Crowley, de Neil Gaiman e Terry Pratchett, que nada que um demônio possa conceber se compara àquilo de que é capaz a mente humana em seu pleno funcionamento.

Notas
(1) Falando nisso, creio que o último lugar em que o demônio daria as caras seria um culto satânico. Primeiro por causa do constrangimento: ele certamente não ficaria à vontade no meio de um circo daqueles. Segundo, porque o mal que essa gente faz a si própria é infinitamente maior que o que ele lhes poderia causar, de modo que é até melhor assim. Por outro lado, ele deve se divertir à beça nesses lugares onde é "exorcizado" em três shows diários. Reparem: por uma curiosa inversão da lei de causa e efeito, o demônio só dá as caras depois que um zé-mané qualquer disse que era exorcista.

(2) C. S. Lewis diz a mesma coisa e praticamente com as mesmas palavras. Lamento ter lido o excelente livro dele - Cartas do demônio ao seu aprendiz - somente após a publicação deste artigo.


Alexandre Ramos
Teresópolis, 17/1/2003

Mais Alexandre Ramos
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
18/1/2003
14h26min
O texto O diabo existe, e é bom, retrara exatamente como as pessoas são atraídas para as tais religiões, que acreditam ter a solução para os seus problemas, porém desconhecem o verdadeiro motivo da desordem espiritual, a falta de amor a Deus.
[Leia outros Comentários de Iracema P. de Souza]
10/1/2008
23h09min
Por vezes, Alexandre, é preciso ler bons artigos, assim como estes que você escreve. Acontece uma identificação entre o que está escrito e o que pensamos, mas não sabemos como expressar. Gostei e vou continuar a ler o que escreves.
[Leia outros Comentários de Carlos Alberto]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro - Great Expectations - Upper Level
Charles Dickens
Macmillan
(2013)



Mistérios do Coração
Roberto Shinyashiki
Gente
(1990)



Superando as Limitações
Clara T. N. Baba
Paulinas
(1982)



Xaveco, Câmera, Ação!
Fabiano Rampazzo e Ismael de Araújo
Matrix
(2007)



Melhor que sexo!
Luiz claudio siqueira
Autografia
(2017)



Maréia
Miriam Alves
Malê
(2019)



London Illustration class (Korean edition) Paperback
Park Sanghee
A Teubukseu
(2010)



Livro - Pantaleón e as Visitadoras
Mario Vargas Llosa
Circulo do Livro



O Espírito de Tony de Mello
John Callanan
Rocco
(1998)



Cartas e Outros Textos
Gilles Deleuze
N-1
(2018)





busca | avançada
43364 visitas/dia
1,2 milhão/mês