Uma jornada rígida e inordinária | Sérgio Augusto

busca | avançada
53025 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Responsabilidade dos planos de saúde na cobertura de tratamentos para autistas
>>> Eunucos [Irmãs Brasil] + Repertório N.3 [Wallace Ferreira e Davi Pontes]
>>> Projeto com concertos gratuitos promove encontro entre obras de Haydn, Mozart e Brahms em outubro
>>> Trajetórias Cruzadas reúne fotografias de Claudia Andujar, Lux Vidal e Maureen Bisilliat
>>> Associação Paulista de Medicina leva orquestra a hospitais de São Paulo
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
Colunistas
Últimos Posts
>>> Mesa do Meio sobre o Primeiro Turno de 2024
>>> MBL sobre Pablo Marçal
>>> Stuhlberger no NomadCast
>>> Marcos Lisboa no Market Makers (2024)
>>> Sergey Brin, do Google, sobre A.I.
>>> Waack sobre a cadeirada
>>> Sultans of Swing por Luiz Caldas
>>> Musk, Moraes e Marçal
>>> Bernstein tocando (e regendo) o 17º de Mozart
>>> Andrej Karpathy no No Priors
Últimos Posts
>>> O jardim da maldade
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Entrevista com Douglas Diegues
>>> A trilogia da vingança de Park Chan-Wook
>>> Cornos e burros
>>> A Estratégia de Barack Obama, por Libert e Faulk
>>> Dia do Livro!
>>> Ensaio.Hamlet e a arte de se desconstruir quimeras
>>> La desvalorización del hecho
>>> Inspire me
>>> Competição
Mais Recentes
>>> Deixados Para Tras de Tim Lahaye - Jerry B. Jenkins pela United Press (2003)
>>> Vitoria Final, A - O Reino Chegou de Tim Lahaye, Jerry B. Jenkins pela Hagnos (2008)
>>> Possuído: Deixados Para Trás - 7 de Lahaye pela Hagnos (2005)
>>> Nicolae: Deixados Para Trás: Anticristo Chega Ao Poder - 3 de Jerry B. Jenkins pela United Press (1999)
>>> Animais Venenosos - Mundo Incr.vel de Editora Globo pela Globo (1990)
>>> Minha Filha, Minha Culpa (Coleção Romance e Psicanálise) de Gillian Tindall pela Imago (1975)
>>> Animais De Courança de Varios Autores pela Globo (1992)
>>> Revista Nossa História Genealogia-A busca pelos antepassados de Cristiane Costa pela Vera cruz (2006)
>>> Os Filhotes C/ Video de Alexandra Parsons pela Globo (1993)
>>> Disfarces dos Animais 415 de Globo pela Globo (1992)
>>> Diario De Anne Frank (o) de Vários Autores pela Best Bolso (2001)
>>> Malasaventuras de Pedro Bandeira pela Moderna (2011)
>>> Samba No Pe de Pedro Bloch pela Editora Do Brasil (1999)
>>> O Médico E O Monstro de Varios Autores pela Scipione (2003)
>>> Construindo E Brincando de Marcos Contrera pela Ciranda Cultural (2012)
>>> Série o conquistador Os Três primeiros volumes 1 , 2 e 3 de Conn Iggulden pela Record (2008)
>>> Quem Soltou O Pum? de _Blandina FRanco pela Companhia Das Letrinhas (2010)
>>> Mat3mática No Dia A Dia de _Celso Wimer pela Senac São Paulo (2013)
>>> Michelle, The Shy Frog (tales Of The Old Oak) de Dolores Núñez Madrid, Rocío Antón Blanco pela Editorial Luis Vives (edelvives) (2010)
>>> De Cara Com A Violência de Ivan Jaf / Regina Célia Pedroso pela Ática (2007)
>>> The Bro Code de Barney Stinson, Matt Kuhn pela Fireside (2008)
>>> Ladroes De Planeta de Dan Krokos pela Vergara & Riba (2013)
>>> Borges E Os Orangotangos Eternos (literatura Ou Morte) de Luis Fernando Verissimo pela Companhia Das Letras (2000)
>>> Maya de Jostein Gaarder pela Companhia Das Letras (2000)
>>> Maya de Jostein Gaarder pela Companhia Das Letras (2000)
ENSAIOS

Segunda-feira, 13/3/2006
Uma jornada rígida e inordinária
Sérgio Augusto
+ de 6700 Acessos

Se ainda não aconteceu, pode acontecer a qualquer momento numa livraria que já tenha recebido a tradução brasileira do romance Everything is Illuminated.

Atraído pela chamativa capa – o título (Tudo se Ilumina) em bordô sobre fundo verde-limão – ou pelo nome do autor (Jonathan Safran Foer), de quem ouviu falar por alto, ou pela versão cinematográfica (Uma Vida Iluminada), ainda em cartaz em São Paulo, o freguês pega um exemplar e começa a folheá-lo. O título do primeiro capítulo, “Abertura para o Encerramento de uma Jornada Muito Rígida”, o deixa intrigado. Se dado a irrefreáveis conexões literárias, ao bater os olhos na primeira frase – “Meu nome de registro é Alexander Perchov” – poderá pensar no Herman Melville de Moby Dick ou no Luis Fernando Verissimo de O Jardim do Diabo, abrir um discreto e cúmplice sorriso, seguindo em frente, agora mais curioso do que intrigado.

Na quarta frase, se surpreenderá com uma expressão no mínimo esquisita; “disseminando moeda-corrente”. Quando chegar ao final da primeira página, terá cruzado com pelo menos um substantivo, um verbo e um adjetivo pra lá de esquisitos ou fora de contexto – até concluir, ao topar com “há quatro dias prévios”, que tem nas mãos a mais incompetente tradução dos últimos tempos: um texto que não é inglês nem português, um patoá à altura dos piores filmes dublados para a televisão. Indignado, deixará de lado o romance e cogitará de protestar por escrito à editora Rocco.

Numa hora dessas é que a crítica ou a resenha literária revela-se útil a todas as partes em questão. Não por denunciar uma vergonhosa tradução, mas, ao contrário, por informar aos incautos perlustradores de livraria que ela, a tradução (de Paulo Reis e Sergio Moraes Rego), é muito boa, cuidadosamente fiel ao original.

Tudo se Ilumina tem dois narradores e o primeiro deles, Alex Perchov, é um jovem ucraniano que fala e escreve inglês como quem o aprendeu por conta própria, com a ajuda de dicionários desatualizados. Daí o “há quatro dias prévios” (no original, “It was only four days previous”), e demais barbarismos, com os quais, diga-se, acabamos nos acostumando, porque o estropiado inglês de Alex é, acima de tudo, engraçado.

Ele nunca diz bom (good) ou excepcional, mas “premium”, nem incomum, mas “inordinário”; não pede, “requisita”; não trabalha, “labuta”; não dorme, “ronca zês”; não concorda, “harmoniza”. Fazer sexo é “ser carnal com” alguém. Algo duro ou difícil tanto pode ser “rígido” como “flácido”. Se fosse narrado pela segunda voz do romance – um jovem escritor americano, nascido e criado no Brooklyn – o primeiro capítulo se intitularia “Abertura para o Desfecho de uma Viagem Difícil”. E Tudo se Ilumina talvez se chamasse “Tudo se Esclarece”.

É sempre uma ousadia e uma temeridade entregar o controle narrativo de um relato ficcional a um personagem com problemas de comunicação. William Faulkner confiou as primeiras 72 páginas de O Som e a Fúria à mente e à fala de um retardado. Fez um clássico. Mark Haddon não chegou a tanto, mas O Estranho Caso do Cachorro Morto, inteiramente narrado por um adolescente autista, foi um dos melhores romances estrangeiros traduzidos entre nós em 2004. Francine Prose acha que desde A Laranja Mecânica a língua inglesa não era destroçada e recriada com tanto brilho como no livro de estréia de Foer. Se exagerou, foi pouco.

Coincidência ou não, o protagonista do romance de Anthony Burgess e o co-narrador de Tudo se Ilumina se chamam Alex. O primeiro é um satânico delinqüente; o segundo, uma criatura adorável, que sonha com um curso de contabilidade nos EUA, adora Michael Jackson (considera o making of do vídeo Thriller o melhor documentário de todos os tempos), tem idéia fixa no descomunal pênis do astro de filmes pornôs John Holmes e em mulheres de seios durinhos (ou “rígidos”, para citá-lo verbatim).

Alex é o alter ego de um jovem escritor americano, que também se chama Jonathan Safran Foer e também já incursionou pelo interior da Ucrânia atrás do passado de seus ancestrais. Já virou lugar-comum a inserção de escritores em suas próprias ficções, com ou sem vínculos autobiográficos: Martin Amis co-estrelava Grana; havia dois Philip Roths em Operação Shylock, um dos quais impostor. Foer é apenas um personagem. Quando o verdadeiro Jonathan visitou a Ucrânia, não teve como guia e fiel escudeiro uma figura pitoresca como Alex nem foi atrás de uma mulher; no caso, uma ucraniana, Augustine, que teria ajudado o avô do personagem a fugir dos nazistas, em março de 1942.

Acompanhado de seu próprio avô, um velhote ranzinza (ou “apoquentado”) que viveu a guerra e não se separa de uma vira-lata biruta que, apesar do sexo, se chama Sammy Davis Jr, Jr (assim mesmo: Jr, Jr) e depois é rebatizada Dean Martin Jr, Alex dá a sua versão da “jornada rígida” até a aldeia de Trachimbrod, corrigida por Jonathan, resultando dessa alternância de capítulos (ou “divisões”, como prefere o ucraniano) e pontos de vista uma tragicomédia picaresca, com alguns toques de surrealismo e realismo mágico. Foer tem Gabriel García Márquez como um de seus “heróis literários”. A certa altura, um rabino destampa uma velha arca, inundando a sinagoga de um cheiro fétido, que flui por todos os travesseiros da aldeia, penetrando nas narinas de quem dormia, com rapidez suficiente para desviar-lhes os sonhos e sair pela boca com o ronco seguinte – para finalmente desaguar no rio Brod.

Com idas e vindas no tempo, a viagem, algo quixotesca, imaginada por Foer cobre praticamente dois séculos de histórias, nos levando até 1791, quando o nome de Trachimbrod ganhou a preferência de seus habitantes sobre Gefilteville e Cápsula do Tempo de Poeira e Barbante, entre outras estrambóticas sugestões. A importância dos mitos e nomes, o legado do Holocausto, o valor da amizade e das virtudes que Jonathan ensinou a Alex e este define como “decências comuns”, as confusões e colisões das culturas norte-americana e pós-soviética – são alguns dos subtemas mais salientes deste romance grávido de outro, às vezes excessivo e exasperante (as páginas 286 e 287 são tomadas pela frase “Estamos escrevendo”, repetida mais de cem vezes), mas inegavelmente esperto e audacioso.

Judeu do Brooklyn, atualmente com 28 anos, e irmão mais moço de Franklin Foer, editor sênior da revista The New Republic e autor do ótimo Como o Futebol Explica o Mundo (Jorge Zahar Editor), Jonathan Safran Foer é o mais badalado jovem escritor dos EUA, sucedendo nesse quesito a Dave Eggers (de quem a Rocco publicou há dois anos Uma Comovente Obra de Espantoso Talento) e David Foster Wallace (Breves Entrevistas com Homens Hediondos, traduzido pela Cia. das Letras). Com Eggers e mais duas centenas de colegas de profissão e ranking, entre os quais Paul Auster, T.C. Boyle, Michael Chabon, Jonathan Franzen e Nicole Krauss (mulher de Foer e de quem estou lendo, com enorme prazer, o segundo romance, The History of Love), ele organizou, em 2004, um dicionário futurista sobre a América, supostamente escrito por volta de 2055, com verbetes e neologismos divertidos e brilhantes, boa parte intraduzível. Contribuição da turma à campanha contra a reeleição de Bush, The Future Dictionary of América é um mimo editorial que, ao contrário de Bush & cia., veio para ficar.

O segundo solo ficcional de Foer, Extremely Loud & Incredibly Close, foi lançado em abril do ano passado pela Houghton Mifflin. É um show de acrobacia literária. Superior ao primeiro. E bem mais atual. Encara as conseqüências traumáticas do 11 de setembro através da dor e dos olhos de um menino prodígio de 9 anos, Oskar Schell, francófilo, origamista, vegetariano, entomologista, astrônomo e arqueólogo amador, fã de Stephen Hawking, joalheiro, técnico em informática e pacifista, que perdeu o pai numa das torres do World Trade Center.

Narrado num estilo hiperativo, com quase todos os acessórios de um catálogo tipográfico – fotos (de objetos, pessoas e paisagens), páginas em branco, corrigidas à mão, desenhadas, e outras que, de tão densamente cheias de palavras, viram um borrão ilegível – é um livro dentro de um livro, um romance sobre a solução de um mistério e as aflições de dois sobreviventes a dois infernos que se sobrepõem: o atentado terrorista às torres gêmeas e a destruição da cidade alemã de Dresden, no final da Segunda Guerra Mundial, onde o avô de Oskar, um escultor alemão, perdeu o amor de sua vida.

O mistério surge dentro de um envelope que Oskar encontra entre os guardados do pai: uma chave sem qualquer indicação sobre qual fechadura ela abre. Sua única pista é a palavra “Black”, sobrescrita no envelope. Presumindo tratar-se do sobrenome de alguém em Manhattan, Oskar anota os endereços de todos os Blacks do catálogo de telefones, e começa a visitá-los. Todos (ou quase todos) tomam-se de encantos por ele.

Seu nome é uma homenagem ao protagonista de O Tambor, de Günter Grass, outro herói literário de Foer. Um Holden Caulfield pré-pubescente e aditivado, espantosamente inteligente, erudito e imaginativo, graças sobretudo ao pai, que o criou como um adulto, de igual para igual, estimulando-lhe os neurônios e a sensibilidade (a musical, inclusive), Oskar vive a ruminar inventos fabulosos, interpreta Shakespeare e é capaz de acompanhar (com um pandeiro!) O Vôo do Besouro, de Rimski-Korsakov. Ele é o filho que muitos de nós gostaríamos de ter e seu pai, Thomas, um modelo da espécie: sabichão, compreensível e companheiro. Um dos prazeres diários de Thomas era corrigir os erros que encontrava no New York Times, que lia sempre da direita para a esquerda. Só o conhecemos pelas lembranças do filho que, na fatídica manhã de 11 de setembro de 2001, deixou na orfandade. Isso basta. Ou, como diria Alex Perchov, isso tem suficiência própria.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no “Caderno2”, de O Estado de S.Paulo, em 14 de janeiro de 2006.

Para ir além






Sérgio Augusto
Rio de Janeiro, 13/3/2006
Quem leu este, também leu esse(s):
01. Allen Stewart Konigsberg de André Forastieri


Mais Sérgio Augusto
Mais Acessados de Sérgio Augusto
01. Para tudo existe uma palavra - 23/2/2004
02. O melhor presente que a Áustria nos deu - 23/9/2002
03. O frenesi do furo - 22/4/2002
04. Achtung! A luta continua - 15/12/2003
05. Filmes de saiote - 28/6/2004


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Portosol
Gustavo Henrique
Fonte Vivs
(2002)



Circo Invisivel
Jennifer Egan
Intrinseca
(2015)



Comboio de Espectros
Duda Falcão
Avec
(2017)



Murder At The Mill
M. B. Shaw
Trapeze
(2017)



Kaspar Hauser Ou a Fabricação da Realidade
Izidoro Blikstein
Cultrix
(1995)



Avanços Em Cosmiatria
Ana Lucia Nicastri
Lmp
(2012)



Método De Pistão, Trombone e Bombardino Na Clave de Sol
Amadeu Russo
Irmãos Vitale
(1997)



Banhoterapia
Ann C.Bowman
Summus
(1987)



Livro Ensino de Idiomas The Secret Beach Level 5
Jane Rollason
Cengage
(2011)



The Story of William Wallace
David Ross
Corbie
(2002)





busca | avançada
53025 visitas/dia
1,7 milhão/mês