Literatura e interatividade: os ciberpoemas | Marcelo Spalding | Digestivo Cultural

busca | avançada
38303 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> CCBB Educativo realiza oficinas que unem arte, tradição e festa popular
>>> Peça Dzi Croquettes Sem Censura estreia em São Paulo nesta quinta (12/6)
>>> Agenda: editora orlando estreia com livro de contos da premiada escritora Myriam Scotti
>>> Feira do Livro: Karina Galindo lança obra focada na temática do autoconhecimento
>>> “Inventário Parcial”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Fake-Fuck-Fotos do Face
>>> A figura do malandro
>>> Passeata Contra o eBook
>>> Achtung! A luta continua
>>> E a internet está, de novo, mudando o mundo... no Egito, na Líbia...
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Curtas e Grossas
>>> Stabat Mater, de Giovanni Battista Pergolesi
>>> Leitura e escola
>>> Hilda Hilst delirante, de Ana Lucia Vasconcelos
Mais Recentes
>>> Raças e Classes Sociais no Brasil de Octavio Ianni pela Civilização Brasileira (1972)
>>> Teresina etc. de Antonio Candido pela Paz e Terra (1980)
>>> A Divina Comedia de Dante Alighieri pela L & Pm (2016)
>>> O Homem Que Roubava Horas de Daniel Munduruku pela Brinque-book (2007)
>>> Felicidade É Uma Palavra Simples de Arianna Papini pela Sm (2021)
>>> O Circulo. Conversando A Gente Se Entende de Carolina Nalon pela Escarlate (2022)
>>> O Quintal Da Minha Casa de Fernando Nuno pela Editora: Companhia Das Letrinhas (2021)
>>> Uma Aventura do Velho Baobá de Inaldete Pinheiro de Andrade pela Pequena Zahar (2021)
>>> Antropologia do Direito - Estudo Comparativo de Shelton H. Davis pela Zahar (1973)
>>> Uma Carta Para Eleno de Caio Tozzi pela Anzol (2023)
>>> A Tatuagem de Joyce Miranda Leão Martins pela Sm (2022)
>>> The Twentieth-century Performance Reader de Michael Huxley, Noel Witts pela Routledge (1996)
>>> Suicidas - 1ª Ed. 4ª Tiragem de Raphael Montes pela Benvira (2014)
>>> American Plastic: A Cultural History de Jeffrey Meikle pela Rutgers University Press (1997)
>>> Imagens: Saberes e Usos de Andre Pelegrinelli pela Eduel (2021)
>>> Mentes Perigosas - O Psicopata Mora Ao Lado - 3ª Ed. 14ª Reimpressão de Ana Beatriz Barbosa Silva pela Globo Livros (2023)
>>> Playful Type: Ephemeral Lettering And Illustrative Fonts de Robert Klanten, Hendrik Hellige pela Die Gestalten Verlag (2009)
>>> Frida Kahlo And Diego Rivera de Isabel Alcantara, Sandra Egnolff pela Prestel Pub (2005)
>>> Rodin - Sculpture & Drawings de Catherine Lampert pela Arts Council of Great Britain (1987)
>>> Fashions In Makeup: From Ancient To Modern Times de Richard Corson pela Peter Owen Publishers (2005)
>>> The Complete Stitch Encyclopedia de Jan Eaton pela Cassell Illustrated (1989)
>>> Dos Reflexos à Reflexão - A Grande Transformação no Relacionamento Humano - 2ª Ed. de Wanderley Ribeiro Pires pela Komedi (2001)
>>> Michael Aspel Presents Lights Camera Action! de Tony Bilbow pela Little Brown Company (1995)
>>> 1,000 Bags, Tags, And Labels: Distinctive Designs For Every Industry (1000 Series) de Kiki Eldridge pela Rockport Publishers (2006)
>>> Orelha De Limão de Katja Reider e Angela Von Roehl pela Brinque-book (1999)
COLUNAS

Quinta-feira, 10/9/2009
Literatura e interatividade: os ciberpoemas
Marcelo Spalding
+ de 14900 Acessos

Muito se tem falado sobre o fim do livro, e, por conseguinte, no fim da literatura. Mas tenho me dedicado a estudar o contrário: de que forma a literatura estará presente em outra mídia, no caso, a internet. Alguns teóricos da literatura, como Douwe Fokkema e Elrud Ibsch, em Conhecimento e Compromisso, chegam a admitir que a produção eletrônica de poesia e ficção não é impossível e "possa até levar a novos gêneros interativos", apesar de entenderem que "as novas mídias prejudicam o papel dos livros e outras formas impressas". Não por acaso os autores utilizam o termo "interativo", pois a interatividade tornou-se símbolo das possibilidades digitais já nos anos 80 e ganhou força com a evolução da World Wide Web nos anos 90.

Mas o que seria a interatividade? O que seria interativo? O computador, por sua "arquitetura sui generis", e tudo o que nele for publicado? Nesse caso, poderíamos considerar um livro publicado em PDF, digamos Dom Casmurro, de Machado de Assis, como interativo?

Diversos autores abordaram a questão da interatividade, não sem antes problematizá-la. Marco Silva, em Sala de aula interativa, busca recuperar a origem do termo, distingui-lo do termo "interação", usado na psicologia e ciências sociais, por exemplo, e apontar as duas críticas principais a que o termo esteve sujeito desde sua aparição, a polissemia e a banalização. Já Alex Primo escreve seu Interação mediada por computador "a partir de uma insatisfação com as teorias e conceitos de 'interatividade'", preferindo abordar a questão de outro modo e retomando o termo interação para distinguir entre interação mútua e reativa. Aqui iremos utilizar o termo "interatividade", ainda que ciente de sua polissemia e banalização crescentes, por ser um termo familiar nos estudos literários para se referir à interação mediada por computador em obras digitais.

Alguns romances clássicos da literatura universal podem ter antecipado a chamada multilinearidade da era digital, mas estão, naturalmente, amarrados ao seu suporte, o milenar papel. O Jogo da Amarelinha, talvez ainda o mais notável, é um romance escrito por Cortázar em 1963, e é considerado a principal obra do autor. A professora Marta Hoppe Navarro afirma que vários títulos de suas obras acentuam a tendência lúdica do notável escritor argentino, e define Rayuela ― seu título no original ― como uma obra que "revolucionou a literatura latino-americana com um romance para ser lido em saltos, de um capítulo a outro, como se fosse o jogo da amarelinha que lhe dá o título".

São algumas experiências contemporâneas de literatura on-line, porém, que têm chamado a atenção e atraído para si o termo "interativo". Uma dessas experiências é o conjunto de ciberpoemas dos gaúchos Ana Cláudia Gruszynski e Sérgio Capparelli publicados no site Ciber&Poemas. O site foi desenvolvido no ano 2000 e utiliza a linguagem Flash, software profissional que cria animações para a Web. No site há duas seções de poesias, uma com 12 poesias visuais, em que o usuário pode simplesmente ver e deixar um comentário no mural de recados, e outra com 10 ciberpoemas, em que o usuário é chamado a compor o poema arrastando ou clicando em elementos visuais dispostos na tela.

Em artigo sobre o desenvolvimento dos ciberpoemas, os autores explicam que o trabalho foi dividido em três fases. Primeiramente, "foram criados 28 poemas visuais, convergindo tecnica e esteticamente texto escrito com imagens do design, da pintura e outros tipos de desenho". Na segunda fase, oito poemas visuais foram escolhidos para serem retrabalhados hipertextualmente por diferentes profissionais, e na terceira fase foi feita uma parceria com o estúdio W3haus para o desenvolvimento do site e o planejamento de mais alguns ciberpoemas.

No referido artigo, os autores mencionam alguns ciberpoemas, como "Zigue-Zague" ― chamado pelos autores de uma "narrativa interativa", pois há uma tela em que há opções dispostas em links para o usuário escolher a sequência ― e "Chá", este último destacado no design do site como "super interativo". Segundo os autores, "as possibilidades do hipertexto na ciberpoesia vão muito além da convergência de diferentes linguagens. Elas abrem também uma janela para a interatividade, isto é, a participação do navegador no poema", e o ciberpoema "Chá" mostraria algumas dessas possibilidades, estabelecendo uma "zona de diálogo com o leitor que, se quiser apreender o poema, deverá agir e reagir e a cada ação/reação recriar um poema novo".

Vamos nos deter um pouco nesse ciberpoema, em que o usuário vê na tela do computador uma xícara de chá vazia, um bule, um saquinho de chá e três imagens (um selo com um casal de beijando, estrelas e corações), que podem ser arrastadas para dentro da xícara. Quando o usuário estiver satisfeito, clica em "Pronto", e se tiver esquecido de colocar água ou de colocar o saquinho, será avisado para fazê-lo. Depois, a colherinha move-se na tela, mexe o chá e "então tem-se surpresas inesperadas, como as sonoridades dos ingredientes para o chá ou do bule de cujo bico vertem letras". A escrita do poema está na fumaça que sai da xícara, e realmente, dependendo dos três elementos que escolhemos colocar na xícara, essa fumaça tem formas, cores, movimentos e sons diversos. O texto, porém, curiosamente permanece o mesmo: "Deixe a infusão/ o tempo necessário/ até que os nossos aromas/ e os nossos sabores/ se misturem".

É visível, em poemas como "Chá", o potencial criativo das ferramentas e mídias criadas a partir da nova tecnologia, mas parece fundamental questionarmos em que medida a interatividade de "Chá" é tão distinta daquela proposta por Cortázar há 45 anos atrás com seu Jogo da Amarelinha. Tanto em um quanto em outro o texto escrito permanecerá o mesmo independente das ações do leitor, sendo que em Cortázar ainda há uma possibilidade de quebrar a linearidade, enquanto em "Chá" o texto se apresentará em movimento mas como uma sequência linear. Afora isso, em ambos os textos a participação do leitor é incentivada mas dirigida, pois o leitor não poderá, por exemplo, criar um poema sem colocar o saquinho ou a água em "Chá", assim como não compreenderá a história de Cortázar se não seguir a numeração já previamente planejada pelo autor. Sem falar que tampouco poderá, o leitor, acrescentar novos elementos não previstos anteriormente, como outras imagens na xícara ou novos capítulos no Jogo da Amarelinha.

Dessa forma, poderíamos questionar em que medida essa interatividade propagada pelo site transforma, de fato, o leitor de um ciberpoema em um leitor participativo, em uma espécie de co-autor de um poema como "Chá". Mas num artigo como este talvez o mais importante não seja definir se "Chá" é ou não um exemplo da "literatura interativa" preconizada por Douwe Fokkema e Elrud Ibsch, e sim perceber que há um movimento importante por parte de escritores contemporâneos em utilizar as novas ferramentas de comunicação para ampliar a participação do leitor, obrigando os estudos de literatura a revisitar conceitos sobre autoria e recepção surgidos exatamente entre os teóricos da literatura.

Se por um lado os ciberpoemas aqui visitados exageram ao se definirem como "super interativos" apenas pelos cliques, sons e movimentos, por outro lado, podemos ver um poema como "Chá" em linha com o sonho de Mallarmé ou os romances de Cortázar e Calvino, exemplares das tentativas criativas de trazer o leitor para dentro da criação e buscando, se não transformá-lo num co-autor da obra, pelo menos alterar sobremaneira seu tipo de participação.

Do Jogo da Amarelinha ao jogo do "Chá", a tecnologia evoluiu a passos largos e apresenta aos autores contemporâneos novas ferramentas, novas mídias com potenciais e possibilidades que precisam ser exploradas e conhecidas com o tempo. O clicar e arrastar das imagens é ainda um passo pequeno, tímido, como ainda pequena seria a composição de versos a partir de uma análise combinatória dos elementos dispostos na xícara. Demonstram, porém, que a literatura é mais do que o objeto livro e atravessará, sim, séculos e gerações através de gêneros interativos, gêneros multimídia e/ou gêneros hipertextuais.

Nesse sentido, para terminar, não poderíamos deixar de citar duas frases emblemáticas que nos relembram a infinitude não do livro, não do homem, mas da literatura. A primeira, de Calvino: "no universo infinito da literatura sempre se abrem outros caminhos a explorar, novíssimos ou bem antigos, estilos e formas que podem mudar nossa imagem do mundo". A derradeira, de Borges: "talvez me enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie humana ― a única ― está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta".


Marcelo Spalding
Porto Alegre, 10/9/2009

Mais Marcelo Spalding
Mais Acessadas de Marcelo Spalding em 2009
01. Quanto custa rechear seu Currículo Lattes - 5/3/2009
02. O melhor da década na literatura brasileira: prosa - 31/12/2009
03. Literatura para quê? - 17/12/2009
04. Literatura e interatividade: os ciberpoemas - 10/9/2009
05. Era uma vez o conto de fadas - 2/4/2009


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Um Casamento Livre
John e Mimi Lobell
Artenova
(1975)



Eu Vos Abraço, Milhões
Moacyr Scliar
Companhia das letras



É impossível o diálogo inter-religioso?
Bernardo Veiga
Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência "Raimundo Lúlio"
(2008)



Qualidade De Vida
Pires
Komedi
(2024)



Amando Pablo Odiando Escobar 501
Virginia Vallejo
Globo Livros
(2017)



Faça Acontecer
Steve Smith
Clio
(1997)



Elegbara
Alberto Mussa
Record
(2005)



O Funk e o Hip-hop Invadem a Cena
Micael Herschmann
Cultura Urbana
(2000)



Perdidos Em Shangri-la
Mitchell Zuckoff
Bertrand Brasil
(2013)



Cidade no Além
Francisco Cândido Xavier / André Luiz e Lucius
Ide





busca | avançada
38303 visitas/dia
2,0 milhões/mês