Uma fábula anticatólica | Daniel Lopes | Digestivo Cultural

busca | avançada
48929 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Mona Vilardo celebra a Rainha do Rádio Dalva de Oliveira no Teatro Nova Iguaçu Petrobras
>>> “Moleque, O Morro canta Gonzaguinha” estreia no Teatro Nathalia Timberg, na Barra da Tijuca
>>> Grandes artistas se unem para show solidário no Jo&Joe, no RJ
>>> Eliane Salek “reúne” Ary Barroso e Dorival Caymmi no Teatro Brigitte Blair, em Copacabana
>>> Ilka Villardo canta Chico Buarque de Hollanda no Mandarim, no RJ
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
Colunistas
Últimos Posts
>>> Drauzio em busca do tempo perdido
>>> David Soria Parra, co-criador do MCP
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Daniel Ades sobre o fim de uma era (2025)
>>> Vargas Llosa mostra sua biblioteca
>>> El País homenageia Vargas Llosa
>>> William Waack sobre Vargas Llosa
>>> O Agent Development Kit (ADK) do Google
>>> 'Não poderia ser mais estúpido' (Galloway, Scott)
>>> Scott Galloway sobre as tarifas (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Samba da Vela
>>> Blog, o último furo jornalístico
>>> Declínio e Queda do Império dos Comentários
>>> Espírito do Ódio
>>> Dias de cão em Santo André
>>> Nouvelle Vague: os jovens turcos
>>> Os clássicos e o leitor de hoje
>>> Reinaldo Moraes fala de sua Pornopopéia
>>> Doces bárbaros
>>> O Telhado de Vidro
Mais Recentes
>>> Livro Exile The Legend of Drizzt Book II de R.a. Salvatore pela Wizards Of The Coast (2006)
>>> Livro Dentro Da Caixa Maravilhosa Viagem Ao Interior Da Vida de Salvador Macip pela Telos (2018)
>>> Quem Tem Medo Da América? de Michael Bruckner pela Imago (2005)
>>> Livro O Diário de Anne Frank de Mirjam Pressler, Otto H Frank; traduzido por Alves Calado pela Best Bolso (2013)
>>> Pratica De Processo Penal de José Rui Borges, Débora Lígia, Maurício Pereira pela Letras & Letras (1998)
>>> Livro Historia Da Moda Para Crianças de Veronique Antoine-Andersen pela Hedra (2012)
>>> It Risk: Turning Business Threats Into Competitive Advantage de George Westerman, Richard Hunter pela Harvard Business Review Press (2007)
>>> Criando Meninos de Steve Biddulph pela Fundamento (2002)
>>> Livro Ludwig Van Beethoven Play By Play Sinfonia N. 3 Eroica Abertura Egmont com CD de Alan Rich pela Harpercollins (1996)
>>> Livro Jogo Duro de Lia Zatz pela Dimensão (1996)
>>> Livro Risíveis Amores de Milan Kindera, traduzido por Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca pela Nova Fronteira (1985)
>>> Livro Good Night, Little Bear de Richard Scarry's pela Golden Books (1989)
>>> Livro O Negociador de Frederick Forsyth, traduzido por Aulyde Soares Rodrigues pela Record (1989)
>>> Livro O Assassinato De Roger Ackroyd de Agatha Christie, traduzido por Leonel Vallandro pela Globo (1983)
>>> Manual. do. P.rofessor: Volumes 2 e 3 Química Orgânica e Físico-Química de Hartwig; Souza; Mota pela Scipione (1999)
>>> Livro Melhores Au-migos de Samuel Misse pela Pé Da Letra (2011)
>>> Livro Príncipe da Destruição de Antônio Auguto Shaftiel pela Daemon Editora (2006)
>>> Livro Como Funciona O Incrível Corpo Humano de Richard Walker pela Companhia Das Letrinhas (2008)
>>> Vida. A Ciência Da Biologia - Volume 1 de David E. Sadava pela Artmed (2009)
>>> Livro de Bolso Energia Atômica Coleção Prisma Volume 18 de Matthew J. Gaines, traduzido por Nestor Deola pela Melhoramentos (1977)
>>> Livro O Grande Livro Dos Monstros, Goblins, Dragões E Gigantes de John Malam pela Zastras (2012)
>>> Gibis Astronauta Assimetria de Danilo Beyruth pela Panini Comics (2016)
>>> Livro de Bolso Um Certo Capitão Rodrigo Série Paradidática Globo de Érico Veríssimo pela Globo (1980)
>>> Livro de Bolso Exit Ghost de Philip Roth pela Vintage Books (2007)
>>> Livro Procure E Ache Nas Histórias Bíblicas Jesus de Sociedade Bíblica Do Brasil pela Sociedade Bíblica Do Brasil (2016)
COLUNAS

Quinta-feira, 23/12/2010
Uma fábula anticatólica
Daniel Lopes
+ de 8900 Acessos

Em uma coleção literária que pretende recontar mitos e que tem a presença de nomes como Karen Armstrong e David Grossman, o britânico Philip Pullman resolveu participar recontando nada menos que a história de Jesus Cristo. Ou melhor, de Jesus e de Cristo, porque neste O bom Jesus e o infame Cristo (Companhia das Letras, 2010, 184 págs.) José e Maria, a caminho de Belém, têm duas crianças e não apenas uma. Pastores vão ao estábulo onde esperam ver o Messias. Na dúvida sobre qual dos dois meninos seria aquele que redimiria a humanidade, Maria se decide pelo segundo a nascer, menino mais frágil que o primeiro: o nome desse é Cristo, diz Maria. O outro se virará muito bem sem esse título.

Durante a infância, Jesus é um menino danado como outro qualquer, perpetrando peraltices por toda parte. Cristo, fraquinho e comportado, fica espreitando o irmão. Apesar de tirá-lo mais de uma vez de enrascadas, usando de sua lábia e conhecimento das Escrituras, no fundo o menino Cristo é um invejoso, orgulhoso, ambicioso, malicioso, mentiroso. É por essas alturas que seu irmão Jesus o chama de patife - ("scoundrel", que virou o "infame" do título brasileiro).

Desde cedo, Jesus começa a operar milagres, ou assim se comenta. A inveja de Cristo aumenta, pois ele próprio não consegue levar a cabo esses truques. Jesus começa a arregimentar seguidores, pregando sobre o Reino de Deus que em breve se inauguraria. Cristo é profunda e genuinamente interessado pelo Reino. Já que não tem os poderes de Jesus, poderia ao menos ajudar na organização para a chegada do Reino? Ele tenta. Explica a Jesus seu plano: ele, Jesus, deveria impressionar as massas com seus milagres, e o poder e admiração com isso adquiridos deveriam ser investidos na constituição de uma organização, uma igreja, que por muitas gerações cuidaria das vidas e das almas dos membros da humanidade, dizendo qual o caminho correto para se seguir e punindo adequadamente quem dele se desviar. Jesus discorda. O "Reino na terra" lhe é um completo nonsense. O Reino verdadeiro de qualquer forma já está bem próximo, não havendo necessidade de se apelar para uma burocracia onipotente e onipresente.

Cristo é então induzido, por um "estranho" que lhe aparece subitamente, a acompanhar e registrar os passos, atos e discursos de Jesus. Com isso, diz o estranho, eu e você estaremos ajudando a levar a cabo o projeto de Deus na terra, não obstante o espírito pouco resolutivo de Jesus. Cristo concorda e passa aos calcanhares do irmão, tomando o cuidado de manter-se o tempo todo fora de suas vistas. Quando isso não é possível, em reuniões fechadas, apela para o recurso de um informante, estrategicamente localizado no círculo íntimo de Jesus. Cristo registra tudo em papiros que de tempos em tempos são recolhidos pelo estranho.

A partir de um dado momento, Cristo resolve deturpar o que lhe relata o informante, a fim de a narrativa condizer com a teoria da história e do Reino declamada pelo estranho. Tempos turbulentos se aproximam, lhe diz o estranho:

"(...) se o caminho para o Reino de Deus deve ser aberto, nós que sabemos devemos estar preparados para fazer com que a história seja uma criada da posteridade, e não sua mestra. 'O que deveria ter sido' é um melhor servo para o Reino do que 'o que foi'. Estou certo de que você me entende." Cristo entendeu. Assim, quando o informante lhe revela que, diante da fala do discípulo Pedro de que ele seria o Messias, Jesus retrucou "É isso que você acha? Bem, é melhor não soltar a língua sobre isso. Eu não quero ouvir esse tipo de conversa, entendido?", Cristo resolve pôr em seu relato o que "teria sido" melhor para o advento e futuro do Reino, a saber, que Jesus não apenas não tinha admoestado Pedro como havia-lhe prometido as chaves do céu. Em outro momento, ao tomar ciência de um evento de moral até relevante mas pouco edificante para o "Reino na terra", Cristo "soube que seria outro daqueles dizeres de Jesus que estariam melhor como verdade do que como história".

Começamos aqui a ver o livro de Philip Pullman pelo que ele realmente é: uma fábula anticatólica, mais do que anticristã. Não é um percurso inédito na carreira do autor. Quando postei no meu blog um vídeo com resposta direta e reta do Pullman a alguns críticos de O bom Jesus..., um leitor esperto lembrou da trilogia fantástica His Dark Materials. Mas, neste novo livro, Pullman vai mais ao ponto.

Para o "estranho" da fábula, os crentes deveriam terceirizar algumas responsabilidades, delegando-as à igreja:

"(...) a vida humana é difícil; existem profundidades e compromissos e mistérios que parecem aos olhos inocentes como traição. Deixe que os sábios da igreja carreguem estes fardos, porque existem muitos outros fardos para o crente carregar. Há crianças para educar, doentes para cuidar, famintos para alimentar. (...) A igreja não será o Reino, porque o Reino não é deste mundo; mas ela será um prenúncio do Reino, e o caminho certo para se chegar até ele."

Mas para ter vida, e uma vida longa e plena, explica o estranho a Cristo, a igreja precisa do cadáver de Jesus, da presença sempre viva de um homem que é tanto um homem e mais do que um homem, um homem que seja também Deus e a palavra de Deus, um homem que morra e retorne novamente à vida. Sem isso, a igreja definhará e perecerá, uma casca vazia, como toda outra estrutura humana que vive por um momento e então morre e desaparece.

Dadas as maquinações e os aparecimentos mágicos ou quase isso desse estranho, algumas nuvens carregadas começam a se formar na cabeça do leitor a respeito de qual possa ser sua verdadeira identidade.

Embora Cristo continue essencialmente um patife, desse ponto da trama em diante ele começa a ser corroído por dúvidas: "Estarei fazendo a coisa certa?" "Merecerá meu irmão a morte?" "Ele é um teimoso, sovina de seus reais poderes, mas ainda assim sua morte valeria a pena, mesmo se para trazer à vida um Reino de felicidade?".

Mas para o estranho que quer fundar uma igreja por cima do cadáver de Jesus, o ceticismo de Cristo, por mais vago e pontual que seja, é uma verdadeira afronta aos projetos de Deus.

Da mesma forma que é preciso atentar para os diferentes graus de "patifaria" de Cristo ao longo da história, devemos perceber quando, realmente, Jesus é "bom". Quando este prevê (para si mesmo, em um monólogo com Deus) nos mínimos detalhes como seria terrível o futuro com uma igreja que se quer instrumento da vontade de Deus, é aí que ele é verdadeiramente um profeta, e não quando prediz o Reino. Essa é a parte menos relevante de sua condição de bom, no entanto. A parte mais relevante aparece quando, à beira de ser aprisionado por soldados romanos que o levariam a Pôncio Pilatos, Jesus se ajoelha e invecta contra Deus, quando admite mesmo que pode ter se equivocado o tempo todo, que não haveria Reino, que não havia Deus. Almejando receber um sinal de vida, de existência, de Deus, Jesus escuta de volta apenas os sons à sua volta - um cachorro latindo ao longe, uma coruja mais próxima:

"Se eu achasse que você está nesses sons", diz ele, "eu poderia te amar com todo meu coração, ainda que esses fossem os únicos sons que tu fizesses. Mas tu estás no silêncio. Tu não és nada.

Deus, há alguma diferença entre dizer isso e dizer que tu não estás aí de forma alguma? Eu posso imaginar algum padre esperto em anos vindouros enganando seus pobres seguidores: 'A grande ausência de Deus é, claro, o sinal mesmo de sua presença', ou algum disparate do tipo."

E fazendo referência ao Salmo 53 ("Disse o néscio no seu coração: Não há Deus"): "Esse padre é pior do que o néscio do salmo, que ao menos é um homem honesto".

A questão sobre o "silêncio" de Deus é, de fato, uma constante no debate teológico desde sempre. Só para ficar no exemplo de Joseph Ratzinger, em O sal da terra, livro que publicou nos anos 90, quando ainda era cardeal, ele escreveu:

"Na nossa maneira de viver e de pensar, há tantas interferências perturbadoras que não somos capazes de captar o som, que também se tornou tão estranho para nós que não o reconhecemos como vindo dEle. (...) [Deus fala] através de sinais e dos acontecimentos da vida, e através das outras pessoas. É necessário, pois, ter uma certa vigilância e perseverança para não ser dominado pelas coisas que ocupam o primeiro plano."

E a mesma questão também é prato cheio para ateus, como o filósofo André Comte-Sponville, que relatou em O espírito do ateísmo que, em sua infância católica, certo dia disse ao padre com quem se confessava: "Eu rogo a Deus, mas ele não me responde". O padre respondeu: "Deus não fala porque ouve". André: "Isso me fez pensar por muito tempo. Com o passar deste, porém, esse silêncio me cansou, depois me pareceu suspeito. Como saber se é o silêncio da escuta ou da inexistência?".

Na fábula de Philip Pullman, foi quando passou por um forte momento de suspeita em relação a esse silêncio que Jesus nos deixou ver seu lado cético e racional, componente principal de seu caráter de "homem bom". Pena que, àquela altura, graças às maquinações de Cristo e da figura estranha a favor da igreja, ele já era vítima do futuro.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no coletivo Amálgama. Os trechos citados da obra foram traduzidos pelo próprio autor, a partir do original em inglês.

Para ir além






Daniel Lopes
Teresina, 23/12/2010

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Demorou de Eduardo Carvalho


Mais Daniel Lopes
Mais Acessadas de Daniel Lopes
01. Quem é Daniel Lopes - 28/2/1984
02. Não gostar de Machado - 3/6/2008
03. O romance espinhoso de Marco Lacerda - 11/7/2007
04. Chris Hedges não acredita nos ateus - 1/7/2008
05. Neruda, oportunista fantasiado de santo - 18/3/2008


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Ensino de Idiomas the African Queen Top Readers Level 4
C S Forester
Mm Publications
(2008)



Plano De Deus, O: Aceite O Chamado Para A Cura Interior
Padre Fernando Tadeu
Gente
(2015)



Uma Unanimidade Burra Be@tles Bidous Beetles Besouros
L. A. Mark
São Paulo
(2015)



Pentimento
Lillian Hellman
José Olympio
(2010)



Amor que faz o mundo girar
Ary quintella

(1990)



Desejo Sombrio
Feehan Christine
Universo dos Livros
(2012)



Reflexões de um Cirurgião
Francisco Gregori Junior
Ibis Libris
(2011)



A Psicanálise Depois de Freud
J. B. Pontalis
Vozes
(1972)



Livro Cem Erros Que um Executivo Comete ao Redigir Mas Não Poderia Cometer
Laurinda Grion
Dfc Consultoria e Treinamento



Treinamento de Força na Saúde e Qualidade de Vida
Roberto Simão
Phorte
(2009)





busca | avançada
48929 visitas/dia
2,5 milhões/mês