Entre o toco de lápis e o pessimismo | Daniela Sandler | Digestivo Cultural

busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
>>> ESTREIA ESPETÁCULO INFANTIL INSPIRADO NA TRAGÉDIA DE 31 DE JANEIRO DE 2022
>>> Documentário 'O Sal da Lagoa' estreia no Prime Box Brazil
>>> Mundo Suassuna viaja pelo sertão encantado do grande escritor brasileiro
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Feliz Natal, Charlie Brown!
>>> O dinossauro de Augusto Monterroso
>>> Marketing de cabras
>>> Simplesmente tive sorte
>>> Sete tecnologias que marcaram meu 2006
>>> Maria Helena
>>> Sombras
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Aconselhamentos aos casais ― módulo II
>>> Perfil (& Entrevista)
Mais Recentes
>>> Elas e as Letras de Aldirene Máximo e Julie Veiga (org.) pela Versejar (2018)
>>> América Latina hoje: conceitos e interpretações de José Maurício Domingues e Maria Maneiro pela Civilização Brasileira (2006)
>>> Biblioteca de Ouro da Literatura Universal - O Cortiço - Tomo 1 de Aluísio Azevedo pela Minha (1988)
>>> Encadernado em capa dura: Wolverine - Thor - Camelot 3000 de Chris Claremont. Frank Miller. Walter Simonson. Mike W. Barr e Brian Bolland pela Abril Jovem (1987)
>>> Evolução Sócio-Econômica do Brasil de Otto Alcides Ohlweiler pela Tchê! (1988)
>>> Avenida Presidente Vargas: Um desfile pela história do Brasil de Eduardo Bueno. Paula Taitelbaum. Fernando Bueno e Dudu Contursi pela Arco (2010)
>>> A Mangueira da nossa infância de Alexandre Nobre pela Ficções (2012)
>>> Sobre a universidade de Max Weber pela Cortez (1989)
>>> Em Busca do Tempo Perdido vol 4 de Marcel Proust pela Nova Fronteira (2014)
>>> A relíquia de Eça de Queirós pela Ática (1999)
>>> Acqua Toffana de Patrícia Melo pela Companhia das Letras (1994)
>>> Anjos travados de Zé Elias pela n/d (1984)
>>> Legado de Mateus Ornellas e Lua Costa pela Independente (2016)
>>> Trato de Sara Lambranho pela Fundação Clóvis Salgado (2013)
>>> O Perfume de Patrick Süskind pela Círculo do Livro (1985)
>>> O Mestre de Quéops de Albert Salvaó pela Ediouro (2000)
>>> Garten der Lüste de Hieronymus Bosch pela Prestel (2003)
>>> A Cidade e as Serras de Eça de Queiroz pela Ática (2009)
>>> Inimigo Rumor 20 de Vários autores pela 7 letras/ Cosac Naify (2007)
>>> As Aventuras de Tartufo do Majestoso Mississipi de Phyllis Shalant pela Bertrand Brasil (2008)
>>> Bellini e a esfinge de Tony Bellotto pela Companhia das Letras (1995)
>>> The Black Angel de John Connolly pela Pocket Books International (2005)
>>> Na Casamata de Si de Pedro Tostes pela Patuá (2018)
>>> Cineastas e Imagens do Povo de Jean-Claude Bernardet pela Brasiliense (1985)
>>> Médée de Pier Paolo Pasolini pela Arléa (2007)
COLUNAS

Quarta-feira, 27/10/2004
Entre o toco de lápis e o pessimismo
Daniela Sandler
+ de 4400 Acessos

Naquele Exato Momento, de Dino Buzzati, abarca o leitor com seu pessimismo quase sem saída. Os textos do escritor italiano oferecem pouco refresco dos males do mundo, da morte inevitável, dos sofrimentos internos. O fato de o livro, publicado originalmente na Itália em 1950 (no Brasil em 1963, e relançado agora pela Nova Fronteira), ser uma coleção de notas, contos curtos e divagações - de tom pessoal e livre como um diário - sugere que o pessimismo, longe de afetação literária, tomava conta do espírito mesmo do autor. O que nos diz, no entanto, o tom sufocante e inescapável desses escritos marcados pela experiência da guerra e da reconstrução de uma terra em ruína?

É preciso primeiro notar que a visão negativa de Buzzati antecede a guerra. Palpável na atmosfera fantástica e fabular de seus primeiros romances, como Barnabó delle montagne (1933) e O Deserto dos Tártaros (escrito em 1939, publicado no ano seguinte), o gosto pelo sombrio levou críticos a chamar Buzzati de gótico e a notar paralelos com sua biografia. Desde 1928, Buzzati trabalhava para o jornal milanês Corriere della Sera, que descrevia como opressivo e entediante, tanto pelas instalações esquálidas como pela rotina longa e repetitiva. Pessimista já aos 14 anos, quando o pai morreu de câncer de pâncreas, Buzzati passou a temer a mesma doença - que viria mesmo matá-lo em 1972.

Assim, mesmo que muitos dos textos de Naquele Exato Momento revelem a tristeza, destruição e depauperamento da Segunda Guerra Mundial, o fatalismo e desânimo extrapolam as circunstâncias históricas e se transformam em máximas sobre a vida, sobre ética, sobre paixões e solidão. Talvez por isso mesmo a presença da guerra seja enviesada, com poucas menções a fatos e locais precisos. Alguns títulos dão datas sugestivas, como "Trombeta 1944" ou "Abril de 1945" (esse, mais explícito, cita o fim da guerra na Europa). Tendo em mente o conflito na Itália e a experiência do autor como correspondente de guerra a partir de 1940, é possível dar contornos específicos a textos como "Não Somos Mais Jovens" ou "A Agenda", em que Buzzati destila um tema típico: o da irreversível, e destruidora, passagem do tempo. "A Agenda" conclui com a frase: "Depois de um terror vem outro, exatamente como uma folha sob outra folha, em vão as arrancamos, sempre encontramos outra e a última se chama morte". A vida é uma sucessão de horrores, e os momentos de prazer ou alegria são vácuos e fugazes. É fácil entender essa atitude depois de cinco anos de bombas, violência e mortes, em que o luto por perdas pessoais se mistura à sensação mais geral de perda da juventude, de anos roubados, da própria ruína precoce.

Morte inevitável, solidão e esquecimento

Mas mesmo anos depois da guerra, como em "O Livro Proibido", Buzzati repete a imagem da vida como um ciclo repetido e vão, em que os jovens se entregam com ardor e ilusão à busca da felicidade, mas acabam inevitavelmente esgotados e, enfim, mortos. Uma perspectiva mais otimista, como em filosofias orientais, poderia ver nessa repetição cíclica uma renovação permanente da vida em que as materializações individuais não importam. Mas Buzzati, tributário do individualismo heróico do Modernismo (e, em certa medida, do Romantismo), vê no ciclo o esforço inútil de cada homem. A derrota final e certeira da morte parece anular a felicidade. Não à toa, outro dos temas constantes de Buzzati é a solidão: o indivíduo trancado em si, incomunicável, abandonado ou ele mesmo se esquecendo de outros. Mesmo nos textos em que Buzzati se dedica à crítica social, como em "Os Mendigos", o enfoque é de cunho emocional e subjetivo, mais do que sócio-econômico.

Se às vezes o pessimismo do livro pesa demais e toma todo o espaço, há momentos de prosa belíssima, encantadora, em que as visões surreais do escritor, combinadas ao ritmo singular e à semântica original do texto, tomam corpo e comovem não só como peças literárias, mas também como percepções profundas sobre a vida - como em "Inveja dos que Estão Veraneando". O registro fantástico, aliás, não significa irrealismo. Denota, ao contrário, a apreensão de estados emocionais, e a elaboração figurada (às vezes esquematizada, às vezes sugestiva) de condições reais. Buzzati assume sua intenção ao final do livro, em "O sentido oculto": "É evidente que nessas palavras há um símbolo, um significado oculto, um duplo sentido, como quiserem".

Insistência na escrita

Embrenhar-se pelos textos de Naquele exato momento é muitas vezes aprisionar-se num mundo sem esperança, em que a traição à felicidade e a destruição são as únicas constantes. A seqüência dos textos freqüentemente soa monótona, como se o livro encarnasse o próprio ciclo repetitivo de vida e morte. Sim, a lucidez diante da destrutividade e da fragilidade humanas, e as lições da guerra, são um legado crucial. Mas, se esgotadas em si mesmas em lamentos contínuos, não levam adiante. O pessimismo de Buzzati arrisca se perder em melancolia sem fim, em vez de se transformar em luto produtivo.

No entanto, cá e lá durante a leitura, abre-se a possibilidade do novo, seja em insights, seja em prazer estético, seja em resquícios de esperança. De outro modo, como entender o texto final, em que, depois de enumerar a perda de todos os seus instrumentos e suportes para a escrita (a datilógrafa casou, o amigo sumiu com a máquina de escrever, a caneta estilográfica quebrou, a caneta tinteiro se perdeu), Buzzati conclui, em tom confessional, quase cândido: "Por isso escrevo com o lápis. Realmente um toco, que encontrei por acaso numa velha caixa. Fiz-lhe a ponta, meus amigos, e no pouco papel branco que resta esta noite eu escrevo". Escrever é um ato de resistência, um imperativo, uma libertação - tanto para o escritor que insiste no toco de lápis, como para os "amigos" a quem ele dedica a nota. A mesma atitude, aliás, do fim da vida, em que Buzzati continuou escrevendo em seu diário até poucos dias antes de morrer. Há esperança, há saída para o pessimismo, ainda que seja apenas o conforto e a empatia entre o autor e seu público, unidos por um punhado pungente de palavras.

Para ir além






Daniela Sandler
Riverside, 27/10/2004

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Lançamentos de literatura fantástica (1) de Luís Fernando Amâncio
02. A aproximação entre Grécia e Rússia de Celso A. Uequed Pitol
03. E Benício criou a mulher... de Gian Danton
04. Um erro emocional, de Cristovão Tezza de Daniel Lopes
05. O Orkut, o Twitter e o Existir de Marcos Donizetti


Mais Daniela Sandler
Mais Acessadas de Daniela Sandler em 2004
01. Olá, Lênin! - 10/3/2004
02. Brasil em alemão - 7/7/2004
03. Muros em Berlim, quinze anos depois - 24/11/2004
04. Dia D, lembrança e esquecimento - 9/6/2004
05. Fritas acompanham? - 18/8/2004


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Pareidolia
Luiz Franco
Escape
(2016)



Der Seewolf
Jack London
Deutsche Buch-Gemeinschaft
(1954)



Livro de bolso Guerra Primeira Guerra Mundial Pocket Encyclopaedia 886
Michael Howard
Lpm
(2013)



Invente alguma coisa
Chuck Palahniuk
Leya
(2020)



Automóveis de Ouro para um Povo Descalço
Vasconcelos Torres
Brasília
(1977)



Iniciação ao Estudo da Sociologia
Caroline B. Rose
Zahar
(1976)



A sabedoria do não 334
Mariliz Vargas
Rosea Nigra
(2009)



Curso Completo de Fotografia 1
Diversos
Rio Gráfica
(1981)



Intervalos
Francisco C. Xavier
O Clarim
(1981)



Privatização das Prisões
João Marcello de Araujo Junior
Revista dos Tribunais
(1995)





busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês