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Quarta-feira, 29/6/2005
História dos espaços habitados
Ana Elisa Ribeiro
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"Da janela da minha sala..." (foto de Cassiano Viana)

Costumo dizer, para irritação de muita gente, que normal é nascer sozinho. E assim como todos aqueles que não dividiram espaços mínimos com um irmão gêmeo, continuo cultivando com muito apreço uns espaços meus, só meus, onde me sinto feliz e protegida, mesmo que esses cantinhos não guardem qualquer semelhança com o útero da minha mãe.

Na casa em que nasci, nem me lembro mais de que espaços gostei. Sei que era um barracão com chão de areia em que eu me divertia arranhando os disquinhos de vinil colorido. De lá, fomos para a casa recém-construída, tão mais imponente e labiríntica. Nessa casa passei 26 anos, interrompidos pela gestação de um menino que também nasceu sozinho (e espero que também goste de ter seus espaços).

A casa dos meus pais tinha muitos cômodos, mas eu nunca precisei de todos eles. Era no meu quarto que eu batia papo com meus amigos imaginários, pressentia jacarés embaixo da cama, brincava de sortear cartas que eu mesma jogava para cima e ouvia meu som. Esse quarto, com o passar dos anos, transformou-se numa espécie de escritório em que a cama só atrapalhava a condução dos trabalhos. Nesse cômodo da casa dedicado à minha presença, entulhei meus brinquedos, minhas roupas, meus sapatos e meus livros. Vivi plenamente a fase dos milhares de adesivos na janela e tive muito trabalho quando resolvi tirá-los com suas colas velhas e ressecadas. Conversei segredos com meus amigos, pus linha de telefone própria, fui proibida (terminantemente) da visita mais singela dos namorados e terminei quase todas as leituras que me emocionaram. Troquei o rack do som mais de duas vezes e enfiei uma cadeira que mal cabia no espaço. Enchi o chão de caixas. Também vivi a fase dos pôsteres, ora dos Titãs, ora de alguma banda de heavy metal. Preguei quadros na parede e desenhei corpos de pessoas nuas. Minha irmã, há alguns anos, me deu de presente uma nova pintura. Viajei e, quando retornei, estava a parede clara, sem buracos de prego ou manchas de gordura. Comecei vida nova. Pus novos quadros e joguei fora os starfix(es) que há séculos faziam parte do meu céu imaginário.

A varanda da casa, meio improvisada, construída como adendo quando a casa já era velha, apesar de ter sido muito esperada, não me serviu de inspiração. Eram tantas trancas, chaves e cadeados que desanimávamos de ir tomar a fresca. Também a vista não era lá essas coisas. Mas comemorei quatro ou cinco aniversários nela. Vejam que era grande: cabia mesas e cadeiras dessas de bar e comportava muitos amigos tocadores de violão. Também vivi nela uns réveillons e umas festinhas fora de época. Não namorei na varanda. Para isso estava reservada a saleta perto da porta de entrada. De certa forma, meu pai estabeleceu essa sala, que era para os namorados irem embora fácil.

A saleta de entrada fora construída, em princípio, para ser a sala de espera de um consultório médico que meu pai jamais usou. Ele jamais quis levar trabalho para casa, então desistiu da empresa e limitou ao hospital (bem longe de casa) seus momentos de doutor. Aquele ex-consultório, então, tornou-se uma mistura de escritório e sala de música, com caixas amplificadas, teclados eletrônicos, microfones e partituras. Afora a história da saleta, que só serviu para manter em banho-maria uns namoros que nunca deram certo, a sala de música foi palco de noitadas homéricas em que os amigos tocavam, cantavam, compunham e não iam embora antes que o sol nascesse. O microfone e a caixa de eco ajudaram a embalar a vizinhança, que jamais chamou a polícia para aquele bando bem-intencionado de seresteiros.

A cozinha não coadjuva. Aliás, acho que todo mundo deve ter longa e afetuosa história com a cozinha de casa. O melhor da nossa cozinha não eram as comidas e nem os quitutes, já que minha mãe não era dada a essas coisas, mas eram as conversas. Lá pelas tantas da madrugada, quando éramos crianças, escutávamos o ronco do motor do carro do pai chegando do plantão. Íamos todos vê-lo comer, ouvir os barulhos do talher na panela de metal, o pano embaixo do prato para não queimar as mãos, a coca-cola. Depois que crescemos, continuamos nos encontrando na cozinha para falar da vida, das vivências, ganhar conselhos e levar torras. Foi nessa cozinha que conheci meus irmãos e destilei meu pai. Minha mãe, àquelas horas, já dormia a sono solto, no lugar que mais lhe apetecia naquela imensa casa: a cama.

Os outros cômodos da casa nunca me inspiraram. As escadas, que eram muitas, não cheiraram a aventura, exceto quando as descíamos em cima dos cobertores. A sala de televisão não era lá grande coisa, embora fizéssemos os lanches da tarde de frente para a telinha, enquanto nossa mãe se irritava com os farelos no sofá eternamente novo.

A copa era lugar de almoçar e de ler jornal. Invariavelmente, o Estado de Minas compunha parte de nossa refeição diária. E assim as conversas mais avulsas ficavam para a noite, quando nos encontrássemos na cozinha.

Quando saí da casa, fui morar num apartamento minúsculo. Da casa de 5 banheiros grandes passei a uma espécie de gaiola, no oitavo andar, com apenas um banheiro que infiltrava água para o banheiro da síndica, logo embaixo. Não tinha box, não tinha pia, armários ou prateleiras. Não havia lugar onde colocar os pés e nem espaço para dançar. Desse viveiro macabro, fomos para um apartamento bem maior, cuja janela da sala tornou-se nossa predileta. Na falta de varanda, descobrimos que a vista da área é inspiradora à noite e que da sala vê-se a rua com razoável amplitude. A sala é multifuncional. Inauguramos as cores das paredes no réveillon, quando fizemos questão de abrir o espaço para os amigos. Reza a lenda que no teto da despensa há uma preparação para abrir uma futura cobertura, que talvez tomemos a iniciativa de construir um dia, provavelmente com um ofurô e tijolos de vidro. Nem os quartos, nem os banheiros são nossos prediletos. A cozinha é indiscreta, pois dela vaza nossa conversa para o hall do prédio. Neste apartamento não será possível ligar caixas amplificadas e nem simular boates. No entanto, já promovemos sábados de violão e voz e um espaguete ao molho bolonhês. E assim vamos curtindo nossos espaços, sejam eles como forem, com suas ardósias, mármores, tábuas corridas ou chão de areia.

De minha ex-casa não guardo muitas saudades, mas tenho impressos na memória as conversas e os movimentos de todos os seus habitantes. E espero formar essas histórias de uma família neste espaço do terceiro andar, não porque ele seja pequeno ou grande, bonito ou feio, mas porque é nele que habitamos e porque é o que é nosso.

É gostoso parar para se lembrar dos seus espaços. Uma micro-história que fica escondidinha, mas pode ser mais bonita do que fazer turismo num palácio que é dos outros.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 29/6/2005

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