História de um papagaio de papel | Elisa Andrade Buzzo | Digestivo Cultural

busca | avançada
53481 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> “DESIGN versus DESIGUALDADES: Projetar um mundo melhor”
>>> “O Tempo, O Feminino, A Palavra” terá visita guiada no Sérgio Porto
>>> Marés EIN – Encontros Instrumentais | Lançamento Selo Sesc
>>> renanrenan e Os Amanticidas
>>> Ekena canta Elis
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Mehmari, Salmaso e Milton Nascimento
>>> Manual prático do ódio
>>> Glamour e mistério em Belíssima
>>> Por que eu não escrevo testimonials no Orkut
>>> Oficina intensiva em 10 contos
>>> Uísque ruim, degustador incompetente
>>> O frenesi do furo
>>> A vez dos veteranos
>>> Brasil em alemão
>>> O NAVEGANTE DO TEMPO
Mais Recentes
>>> Transformação Digital de Felipe Morais pela Saraiva Uni (2020)
>>> Histórias Psi: A Ótica Existencial em Psicoterapia de Valdemar Augusto Angerami - Camon pela Pioneira (1995)
>>> Urgências Psicológicas no Hospital de Augusto Valdemar angerami e Outros pela Pioneira (1998)
>>> Energize-se: Alternativas Para Melhorar Sua Qualidade De Vida Sem Radicalismos de Virginia Nowicki pela Gente (2004)
>>> Psicoterapia Breve. Abordagem Sistematizada De Situações De Crise de Eduardo Ferreira-Santos pela Ágora (1997)
>>> Modelos de Tomada de Decisão Para Inovação em Empresas de Herbert Kimura pela Mackenzie (2011)
>>> Mentalização e Pscossomática de Pierre Marty pela Casa do Psicólogo (1998)
>>> Por Um Fio de Drauzio Varella pela Companhia Das Letras (2004)
>>> Dicionário Visual De Bolso: Espanhol/inglês/português de Dorling Kindersley Book pela Edgard Blucher (2010)
>>> Mulheres Inteligentes, Relações Saudáveis de Augusto Cury pela Academia (2011)
>>> Fallen de Lauren Kate pela Galera Record (2011)
>>> Gestão Do Conhecimento de Fábio Câmara Araújo De Carvalho pela Pearson (2012)
>>> Opusculo: A Parodia de Vários Autores pela Novo Século (2010)
>>> Psicoterapia e Subjetivação de Valdemar A. Angerami pela Cengage (2003)
>>> Manual De Leitura Estratégica de Ismar Souza pela Clube Leitornautas (2024)
>>> Quando Não Fallo, Adoeço de Graça Marques pela Textonovo (1998)
>>> Terapia Cognitivo-comportamental Para Transtornos Psiquiátricos de Ligia M. Ito pela Artes Medicas (1998)
>>> Pascal: Cientista E Filósofo Místico de Antonio G. Da Silva pela Editora Escala (2012)
>>> Muitas Vidas, Muitos Mestres de Brian L. Weiss, M. D. pela Salamandra (1991)
>>> 2016: Histórico Ano dos 25 Anos da Ajd de André Augusto Salvador Bezerra pela Grappa (2017)
>>> Registros Públicos e Legislação Correlata de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino pela Revista dos Tribunais (2012)
>>> Casais Inteligentes Enriquecem Juntos: Finanças Para Casais de Gustavo Cerbasi pela Gente (2004)
>>> O jovem corcel negro de Walter Farley e Steven Farley pela Record (2005)
>>> A Queda: As Memorias De Um Pai Em 424 Passos de Diogo Mainardi pela Record (2012)
>>> Manual Da Monografia Juridica Rizzatto Nunes de Rizzatto Nunes pela Saraiva (2002)
COLUNAS

Quinta-feira, 3/11/2011
História de um papagaio de papel
Elisa Andrade Buzzo
+ de 6400 Acessos


foto: Sissy Eiko

O pai apareceu com uma novidade velha: tinha ressuscitado o papagaio e naquele tarde ele iria levá-lo para voar num concurso de pipas. A filha lembrou de um tempo remoto em que a extensão da rua era a pista de decolagem. De um lado o pai segurava a carretilha, e na outra ponta intermeada pela linha ela esticava o papagaio com as asas bem abertas, como um Cristo, o mais alto possível que conseguisse. Quando o pai gritava impaciente "solta", de uma lufada o corpo do papagaio como que tomava vida e, inflado, subia até quase se perder de vista na imensidão do azul.

O que se lembrava destas tardes quentes e secas não era bem a estrutura esvoaçante do papagaio a dançar, antes a atmosfera de um mundo que sabia de seu término. Daí a ausência de cores fortes e a presença de tons aquarelados, próprios da sensação de desvanescência do passar do tempo. Como se o dia fosse um eterno passar, sujeito à transitoriedade imanente aos objetos. Aquele era o mundo infantil da paisagem a se completar, embora questionasse e estivesse cansada da mania dos adultos tentarem ocupar as crianças dando-lhes desenhos para colorir.

O concurso de pipas reacendeu a vontade no pai, que trouxe o papagaio todo empoeirado e amassado. Então era verdade, ele ainda existia? Colocaram o papagaio no porta-malas e foram para o lago. De modo que, quantos estavam chegando, o pai contou que havia alguns remendos no fio enrolado no carretel, por isso era necessário cautela, pois, no momento que em o papagaio estivesse bem alto, ele poderia se perder.

Então o pai permaneceu na borda do lago sob o sol do inverno, enquanto a filha correu pela grama até o outro lado, bem longe no dia seco. Era uma linha que unia o bicho ao céu e à terra. Assim, ele apenas tomava vida no momento em que abandonasse a superfície. Apesar da distância ouvia-se no silêncio o rumor das asas batendo ao sabor do vento. E o papagaio era então arco, cor, arco-íris, união de coisa antiga. Havia um momento de tensão, entre a repulsão e a entrega, que se telegrafava nos extremos seu e da mão do pai; e assim o papagaio, oscilando entre o deixar-se voar e o dominar, se mantinha rígido e flutuante, como se a gravidade fosse um desafio.

E, em outras alturas, apareceu um menino pescando sua pipa frágil para cima, enquanto ela sentia a "força do bicho" não se deixando morrer através da linha, um algo a domar do alto a partir do reles chão. "É como pescar um peixe", dizia o pai. E por aqueles instantes a aridez do mundo ganhava consistência nas cores fortes do papagaio, ponto radioso de tentáculos esvoando. A filha segurava e soltava a linha entre os dedos finos com medo do corte aparecer. E assim o papagaio ia subindo, cada vez mais, as mãos fazendo as vezes de carretilha. Então ele começou a perder altura, a rebolar longamente, até cair dentro do lago. Talvez nesta dança pedisse socorro, ou abrisse uma larga risada (gostava ou não desse périplo?).

A filha decidiu voltar para casa ao perceber que, para o pai, de alguma forma ela não servia mais, ou antes nunca tivesse servido aos desígnios de ser menino. Além de que já não havia mais papagaio, este já se afundara, seria peixe no lago, tecido morto a meter-se entre lodo, pato e ralo. O dia rebrilhava invertido tal qual o papagaio, que de voador se tornou nadador. A filha pensava, não teria sido melhor ele nunca ter antes saído de seu sono do que tê-lo feito, e agora para sempre perder a chance de acordar? Ou então de mais valia teria sido este último voo, um espichar de asas vigoroso, ainda que momentâneo?

Pois quando o dia acabava o pai voltou. Disse que tinha recuperado o trem pelas bordas e que agora ele estava a secar lá embaixo na casa. A filha não quis vê-lo assim, tal qual o imaginava, molhado e desgastado, queria ficar agora com ele na memória sacolejante em suas penas multicores, impávido.


Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 3/11/2011

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Meu Telefunken de Renato Alessandro dos Santos
02. De pé no chão (1978): sambando com Beth Carvalho de Renato Alessandro dos Santos
03. Momento ideal & conciliação de Ana Elisa Ribeiro
04. Gerald Thomas: Cidadão do Mundo (parte III) de Jardel Dias Cavalcanti
05. Eu, personagens de mim de Carina Destempero


Mais Elisa Andrade Buzzo
Mais Acessadas de Elisa Andrade Buzzo em 2011
01. No tempo da ficha telefônica - 12/5/2011
02. Triste fim de meu cupcake - 17/2/2011
03. Adeus, Belas Artes - 20/1/2011
04. Um mundo além do óbvio - 28/4/2011
05. Um lugar para o tempo - 29/9/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro O Planeta Acredita Em Nós
Fernando Carraro
Editorial 25
(2012)



O Guia da Cirurgia Plástica: para Mulheres e Homens
Inês de Castro
Símbolo
(2002)



Doidas e Santas
Martha Medeiros
L&pm
(2008)



Afterworlds
Scott Westerfeld
Simon Pulse
(2014)



Furacão Elis
Regina Echeverria
Nórdica
(1985)



Uma Educação A Italiana. Um Inglês Descobre Como Se Faz Um Italiano
Tim Parks
Publifolha
(2022)



Journeys Through Literature
Myra Shulman
Michigan University
(1995)



Direito, Estado, Política e Sociedade Em Transformação
Vários Autores
Sergio Antonio Fabris



Vôo Livre
Luiza Lobo
Catedra
(1982)



150 Best House Ideas
Ana G. Canizares
Casa Dois
(2012)





busca | avançada
53481 visitas/dia
2,0 milhões/mês