Só dói quando eu rio. | Marilia Mota Silva | Digestivo Cultural

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Quarta-feira, 23/5/2012
Só dói quando eu rio.
Marilia Mota Silva
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Segunda-feira, a campainha tocou no meio da tarde. Abri sem olhar antes, pensando que era o correio com alguma encomenda que exigisse assinatura. Era um policial. Meu primeiro instinto foi de medo e desconfiança, mas não tinha como recuar.

Queria me fazer algumas perguntas, explicou, mostrando a prancheta com os formulários que trazia nas mãos. Pois bem.

As perguntas eram sobre o policiamento da área onde moro. Se eu estava satisfeita com o trabalho deles. Se já tinha sofrido algum roubo ou tentativa; se achava que devia haver mais policiais nas ruas, quando e onde, ou se a presença deles era suficiente; se havia alguma sugestão que eu gostaria de fazer.
Antes de ir embora, sugeriu que eu participasse dos grupos de discussão da comunidade online, do "Vizinhos Vigilantes",online também, e dos encontros, ao vivo, toda terceira quinta-feira do mês, com o Serviço de Polícia da Área. Entregou-me seu cartão, uma folha com nomes, endereços, emails do pessoal responsável pelo policiamento da região, inclusive do advogado da comunidade e do chefe do Conselho de Cidadãos.

E pronto, foi-se embora, sem desconfiar do frenesi de emoções que tinha despertado em mim. Um policial que vem à minha casa preocupado em me servir bem! E a auto-estima dele, a serenidade, a certeza de ser respeitado, de estar fazendo um trabalho indispensável ao bem-estar da comunidade!

Já tinha notado isso: a deferência das pessoas com os policiais: boa tarde, officer, cumprimentam sérios, com um ligeiro inclinar de cabeça. Na primeira vez, tive vontade de rir. Um riso dolorido, igual ao daquela nordestina da piada, a que veio andando para o sul, fugindo da seca. Foi atacada no caminho, lutou, perdeu o pouco que trazia, e ainda lhe enterraram um faca no peito. Ela continuou firme. Andando. Um turista que andava pelo sertão viu aquilo e ficou chocado: "Mas como a senhora aguenta tudo isso, e mais essa faca atravessada no peito, a senhora não sente dor?" "Só dói quando eu rio", ela respondeu. E foi em frente.

E' sério. Os policiais são realmente respeitados. Andei conversando com gente daqui para saber como isso é possível. Disseram-me que o governo de Washington tem um sistema de incentivos que ajuda os policiais a comprarem suas casas na cidade, não tendo que enfrentar horas de carro ou condução. "Eles, infelizmente, não ganham tão bem assim", me disseram. "A idéia é facilitar a vida do policial, torná-lo parte efetiva da comunidade em que trabalha - ele se torna conhecido e passa a conhecer bem seus vizinhos, toda a área sob sua responsabilidade. A comunidade vê nele uma segurança extra. E os vizinhos também vigiam o policial."
Um bom sistema, uma medida simples. Deve haver regras complementares muito bem feitas, pensei, se não os policiais iam fazer contrato de gaveta e trocar de casa todo ano. Iam ficar ricos so' com isso.
Pergunto: "Você acha que há corrupção na polícia daqui?" "Não, não. Aqui não tem."

Não escondo um sorrisinho de ironia.

"Pode ser que haja uma coisa mínima, eventual, mas não, a polícia aqui e' muito séria, muito eficiente. E não são corruptos", disse categórico.

Pensei nas esquinas onde se juntam caras com moletons largos, capuz baixado sobre os olhos, mesmo de dia, no verão, em claro comércio de drogas. Como isso é possível sem conivência da polícia? Mas não disse nada, meu interesse não era polemizar. Era compreender a cultura, as crenças deles.

E eles acreditam na polícia. Mais importante ainda: a polícia acredita em si mesma e todos acreditam nas leis, nas instituições e se orgulham de seu país, seus valores, sua história! Esse sentimento é transmitido e revivido de todas as maneiras imagináveis e em todas as oportunidades.

Nos jogos de beisebol, por exemplo, em um dos intervalos, há sempre a "corrida dos presidentes". São quatro pessoas vestidas com roupas de época e imensas cabeças de plástico, representando George Washington, Thomas Jefferson, Lincoln e Teddy Roosevelt, os pais fundadores da nação, como dizem. O povo adora, torce, aplaude! Uma candura difícil de apreender.
Em qualquer evento, a presença de pessoal fardado é registrada e o público convidado a homenageá-los "esses bravos homens e mulheres a quem devemos nossa liberdade".
E liberdade para eles é carro e gasolina barata , digo pra mim mesma, enquanto ouço admirada o ecoar vibrante das palmas, o salão, o estádio inteiro! Olho do alto o campo de cabeças à minha frente: cabelos pretos lisos, mexicanos, vietnamitas, coreanos, chineses, melhor dizer asiáticos, generalizando, e turbantes, véus, cabelos pranchados, loiros, raspados, ausentes, crespos, mistos, todos os matizes e origens. Todos americanos! (como dizem, numa redução que incomoda a todos que compartilhamos o nome.)Que se levantam, aplaudindo, cheios de respeito.

Não importa que sua auto-imagem venha sofrendo arranhões, não importa que vejam filmes, documentários, programas de tevê ou leiam os tantos livros que mostram as outras faces do império, não importa que estejam despertando para o mundo além de suas fronteiras, que comecem a entender que as guerras não acontecem porque eles querem levar a liberdade e a democracia a povos oprimidos. Eles podem se mortificar com isso, podem sentir culpa e constrangimento, mas continuam a acreditar em si mesmos, na sua Constituição, valores, história. Confiam em sua capacidade de enfrentar as crises e corrigir seus erros.

Como será a estrutura mental de uma pessoa, de um povo que acredita em suas leis, em suas instituições, em si mesmo? Até as sinapses, a química dos neurônios deve ser diferente.
E nós? Somos como a nordestina da piada: vamos em frente, resignados à dor atravessada no peito e, se der, achando graça.


Marilia Mota Silva
Washington, 23/5/2012

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