Expurgo, de Sofi Oksanen | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
47486 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Comédia sobre barulho estreia em meio a reação de SP à poluição sonora
>>> Festival da Linguiça de Bragança celebra mais de 110 anos de seu principal produto, em setembro
>>> Rolê Cultural do CCBB celebra o Dia do Patrimônio com visitas mediadas sobre memória e cultura
>>> Transformação, propósito, fé e inteligência emocional
>>> Festival de Inverno de Bonito(MS), de 20 a 24 de agosto, completa 24 anos de festa!
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Ozzy Osbourne (1948-2025)
>>> Chegou a hora de pensar no pós-redes sociais
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Tom Brown, fundador da Anthropic
>>> Beraldo e D'Avila comentam Dino e a Magnitsky
>>> Into the Void by Dirty Women
>>> André Marsiglia explica a Magnitsky
>>> Felca sobre 'adultização'
>>> Ted Chiang sobre LLMs e veganismo
>>> Glenn Greenwald sobre as sanções em curso
>>> Waack: Moraes abandona prudência
>>> Jakurski e Stuhlberger na XP (2025)
>>> As Sete Vidas de Ozzy Osbourne
Últimos Posts
>>> Jazz: música, política e liberdade
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Entrevista com Spacca
>>> Charges e bastidores do Roda Viva
>>> A biblioteca de Rodrigo Gurgel
>>> O belo e o escalafobético
>>> Defesa dos Rótulos
>>> Da decepção diante do escritor
>>> Tapa na pantera e a casa do lago
>>> A Garota de Rosa-Shocking
>>> Ofício da Palavra (BH)
>>> Nerd oriented news
Mais Recentes
>>> Revista Banana Chic nº 1 a de Ideia Editorial pela Ideia
>>> Revista Nova edição 483 - Capa Preta Gil de Editora Abril pela Abril (2013)
>>> Revista Serviam nº 4 de Santa Úrsula pela Santa Úrsula (1944)
>>> Will & Will Um Nome Um Destino + O Teorema Katherine + Quem E Você, Alasca? de John Green pela Galera, Intrínseca, Martins Fontes
>>> Revista Serviam nº 5 de Santa Úrsula pela Santa Úrsula (1946)
>>> Revista Serviam nº 6 de Santa Úrsula pela Santa Úrsula (1947)
>>> Revista Serviam nº 3 de Santa Úrsula pela Santa Úrsula (1944)
>>> Revista Serviam nº 2 de Santa Úrsula pela Santa Úrsula (1943)
>>> Revista Serviam nº 1 de Santa Úrsula pela Santa Úrsula (1943)
>>> Francisco Julião. Uma Biografia de Claudio Aguiar pela Civilização Brasileira (2014)
>>> Beethoven Angústia e trinunfo de Jan Swafford pela Amarilys (2017)
>>> Kit C/3 Livros: O Inocente + Ofensas Pessoais + Acima De Qualquer Suspeita de Scott Turow pela Record
>>> The Sonnets Of William Shakespeare E Os Sonetos De Almiro W. S. Pisetta de William Shakespeare pela Martin Claret (2019)
>>> O Rio de João Cabral De Melo Neto pela Alfaguara (2025)
>>> Poesia Completa de Cabral De Melo Neto pela Companhia Das Letras (2025)
>>> Do Pt Das Lutas Sociais Ao Pt Do Poder de Jose De Souza Martins pela Contexto (2025)
>>> Raul Prebisch - 1901-1986 de Edgar J. Dosman pela Contraponto (2012)
>>> Integração Regional de Renato Baumann pela Ltc (2013)
>>> O Livro De Haicais + 1 Livro De Brinde de Mario Quintana pela Globo (2009)
>>> O Mago Do Kremlin de Giuliano Da Empoli pela Vestígio (2022)
>>> Igen de Jean M. Twenge pela Nversos (2018)
>>> Campo Geral (2º edição) de Joao Guimaraes Rosa pela Global (2022)
>>> Arte E O Que Eu E Voce Chamamos Arte de Frederico Morais pela Bazar Do Tempo (2018)
>>> Ultimos Soldados Da Guerra Fria de Fernando Morais pela Companhia Das Letras (2009)
>>> Pai Rico Pai Pobre (38º edição) de Robert Toru Kiyosaki pela Campus Elsevier (2002)
COLUNAS

Segunda-feira, 31/12/2012
Expurgo, de Sofi Oksanen
Ricardo de Mattos
+ de 5200 Acessos

"Nem mesmo um cachorro pode mastigar a corrente da hereditariedade" (Sofi Oksanen).

O que sabemos a respeito do pequeno país europeu nomeado Estônia? Que é um país cuja independência finalmente veio em 1992, quando mais nenhuma potestade reivindicou poder sobre ele, seja poder territorial, seja o poder necessário para impor uma ideologia. Que é um país cujo território está definido numa área disputada ao longo dos séculos, onde os nativos precisaram ser teimosos para manterem-se contra tudo e contra todos e, ainda assim, desenvolverem um sentimento nacionalista que fortalecesse e permitisse-lhes pensar na independência.

De fato, em sua história mais remota, a Estônia foi disputada por dinamarqueses, suecos, alemães, russos e pelo poder papal. No século XII, foi alvo de uma cruzada planejada e promovida pelo Papa Celestino III (1106-1198), fundamentada na necessidade de combater hereges. Acossada entre 1208 e 1227 por esta investida pontifícia, precisou defender-se concomitantemente ao norte contra a invasão da Dinamarca. Apesar da resistência, os estonianos perderam e seus territórios foram divididos em bispados. Tanto se esforçou Roma que os estonianos aderiram ao luteranismo e hoje são um dos povos menos religiosos do mundo. Assim, deu-se a sequência de invasão, divisão e reunificação que parece ser o contorno geral de sua história. Conforme a ordem dominante perdia força e prestígio, outra se apresentava para reivindicar o espólio. Exemplo disto, à Ordem Teutônica - associação análoga à dos Templários - sucedeu o principado de Moscou.

No começo do século XX houve uma primeira tentativa de independência estoniana. Foi em 1918. Contudo, Roma, Suécia e Dinamarca foram apenas substituídas por Rússia e Alemanha. Si real ou virtualmente dotada de autonomia política, a Estônia acabou compondo a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Apenas em 1992 a Estônia pôde dizer-se livre. O que não significa um desembaraço total, pois, si a Natureza não dá saltos, que dizer de situações nas quais estão envolvidos interesses diversos, mormente interesses econômicos.


Estônia
Fonte: davybarreto.com

Diante de tal instabilidade, não se poderia esperar grande desenvolvimento literário. Não se trata de crítica, mas de compadecimento. Oito poetas de biografia escassa e obra inacessível compõem o quadro estoniano: Villem Gunthal-Ridala, Jaan Kaplinski, Lydia Koidula, Kalyu Lepik, Juhan Liiv, Karl Ristikivi, Gustav Suits e Marie Under. Um estudioso local poderá espernear e aumentar a lista. Observamos que localizar os mais famosos já foi inusitado, que dizer daqueles de expressão restrita. Dentre eles, o mais famoso é Juhan Liiv, por nomear o mais importante prêmio literário nacional. O número de escritores importantes não parece muito maior. Nas histórias destes poetas, e de outros poucos escritores encontrados, reflete-se a história do país: nacionalismo na busca e valorização de suas origens, patriotismo, preocupação humanística, perseguição política, exílio. As obras do escritor August Annist e do poeta Suits tiveram estreita ligação com o fogo.

Reputamos a esta falta de fôlego da literatura nacional o fato da mais importante obra de ficção envolvendo a Estônia ter sido escrita por uma finlandesa. Referimo-nos a Sofi Oksanen, escritora que numa só obra conseguiu projetar seu talento para o mundo e, de quebra, evidenciar a importância da escrita em aproximar realidades geograficamente distantes mas semelhantes em diversos aspectos.

Segundo os dados constantes de seu site pessoal, Oksanen nasceu em 1977, na Finlândia, na cidade com o impronunciável nome de Jyväskylä. Até o momento é autora de cinco livros: Stalin's Cows, de 2003; Baby Jane, de 2005; Purge - Expurgo -, de 2008; Too Short Skrit - Tales from the Kitchen, de 2011; e When the Doves Disappeared, de 2012, em vias de ser lançada no Brasil. Antes de passar a escrever em tempo integral, Oksanen foi estudante de dramaturgia na Academia de Teatro de Helsinki. A primeira versão de Expurgo, seu principal romance, foi uma peça encenada pela primeira vez no Teatro Nacional Finlandês em sete de fevereiro de 2007. A mais recente adaptação é para o cinema, sendo que já há fumos de indicação para o "Oscar" na categoria de melhor filme estrangeiro. De acordo com o dicionário Houaiss, "expurgo" é o ato ou o efeito de "expurgar". Este verbo, por sua vez, significa "deixar puro, limpo, purificar (...) deixar livre (...) ficar sem erros, corrigir-se". O competente e injustamente menos lembrado dicionário de Pasquale acrescenta: "tornar imune". Limpar e impedir que suje: "Vá e não peque mais".


Teatro Nacional Finlandês

Há duas personagens principais: Aliide Truu e Zara. A primeira é idosa, ressentida, magoada e colaboracionista quando da ocupação da Estônia pelos soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial. A segunda, jovem presa das ofertas sedutoras de vida fácil e rica, alcançável sem trabalho ou esforço. Avaliando a narrativa, o expurgo foi "benefício" concedido a ambas, uma oportunidade de reajustarem prioridades e apaziguarem-se com seus fantasmas. Si no primeiro momento Aliide sacrificou os de seu sangue em favor dos invasores, no segundo momento fez o que seria esperado.

O que tornou Aliide "impura", "suja"? Sua vida foi reunião de frustrações e preterições. Todas as atenções voltavam-se para sua irmã, tida como mais bonita e hábil nos afazeres típicos de uma mulher do campo. O homem que escolheu para si, viu-o casar-se com ela. O incentivo de seus familiares ao casamento com um militar alemão não apenas a fez sentir-se mais rejeitada que encorajada como criou-lhe problemas por ocasião da ocupação soviética. Quando a Alemanha foi expulsa e os soviéticos chegaram, precisou lidar com as suspeitas destes sobre eventual colaboracionismo. A abertura de arquivos e o estudo e publicação de documentos mostram que os soviéticos, sob a batuta de Stálin, não representaram exatamente o papel de mocinhos. Como estoniana, Aliide nada queria com um alemão. Trocados os invasores, casou-se por estratégia com um russo, o que lhe garantiu proteção. Com a proteção, todavia, granjeou também a rejeição generalizada de seu povo, rejeição que a acompanhou até a velhice.

Em Expurgo, o colaboracionismo de Aliide foi ao mesmo tempo um estratagema para livrar-se de novas agressões, um instrumento de vingança e uma forma de manter junto a si o homem amado. Uma faca pode cortar a mão inábil, mas pode-se aprender a manuseá-la com destreza e utilizá-la para o ataque. Socialmente, medidas extremas podem ser antipáticas, mas para quem não se preocupava com a reação social, a opinião das pessoas foi inócua. Pessoalmente, a avaliação dos próprios atos promovida pelo tempo pode ser um incômodo semelhante à mosca que, volta e meia, vinha atormentá-la. Tenha ela desejado ou não uma oportunidade para acertar as contas, esta oportunidade veio através de Zara.

Talvez pareça relativamente óbvio o curso que a trama seguirá, bem como as ligações reveladas entre as personagens. Não as mencionamos aqui, pois desejamos que o leitor desfrute de ótima leitura, ainda que em alguns momentos demasiado crua. Que não havia notável diferença entre nazistas e soviéticos e que Hitler e Stálin eram farinha do mesmo saco, isto nós sabemos hoje. Que o aliciamento de jovens com a promessa de sucesso nas passarelas pode ser, em muitos casos, o encaminhamento para a prostituição, é um alerta ao qual não atentam apenas estas mulheres que abdicam da maternidade em favor do conforto pessoal mediante a entrega das filhas a rufiões. O horror encontra-se nos fatos, não na referência a eles, bem o sabemos. Oksanen desenvolve o enredo de maneira a prender a atenção pelas quase 350 páginas bem escritas.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 31/12/2012

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Os contos de degeneração de Irvine Welsh de Luiz Rebinski Junior
02. Entrando para ganhar de Celso A. Uequed Pitol
03. Romancis de Guga Schultze
04. Reação de Alexandre Soares Silva


Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2012
01. A ilha do Dr Moreau, de H. G. Wells - 12/3/2012
02. Aborto - 2/4/2012
03. Freud segundo Zweig - 25/6/2012
04. Deus: uma invenção?, de René Girard - 6/2/2012
05. A Virada, de Stephen Greenblatt - 8/10/2012


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Force of Circumstance
Simone de Beauvoir
Penguin
(1965)



aprendendo a se relacionar com a riqueza
Neale Donald Walsh
sextante
(2003)



Contra Ataque
Aaron J Klein
Ediouro
(2006)



A Cruz e o Crepúsculo
Beth Folker Jones
Thomas Nelson Brasil
(2010)



Conselho de Administração Eficaz para Sociedade de Capital Fechado
Fernando Curado
Saint Paul
(2010)



Conheça o Pantanal
Nicia Wendel de Magalhães
Terragraph
(1992)



Revista Viver Bem Decoração
Olga Samila
Peixes



Casais Em Perigo-novas Diretrizes para Terapeutas
Peggy Papp
Artmed
(2002)



Dicionário de Iniciação - Francês/Português
Larousse
Larousse
(2001)



Gauguin - The Great Artists Collection
Diversos Autores
Jg Press
(2013)





busca | avançada
47486 visitas/dia
2,1 milhões/mês