A Virada, de Stephen Greenblatt | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
44126 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Teatro do Incêndio e Colmeia Produções convidam o público a partilhar saberes no ciclo Incêndios da
>>> ZÉLIO. Imagens e figuras imaginadas
>>> Galeria Provisória de Anderson Thives, chega ao Via Parque, na Barra da Tijuca
>>> Farol Santander convida o público a uma jornada sensorial pela natureza na mostra Floresta Utópica
>>> Projeto social busca apoio para manter acesso gratuito ao cinema nacional em regiões rurais de Minas
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Aproximações políticas, ontem e hoje
>>> Surf em cima do muro
>>> E não sobrou nenhum (o caso dos dez negrinhos)
>>> Semana da Canção Brasileira
>>> Cartas@de.papel
>>> 24 Horas: os medos e a fragilidade da América
>>> Ai de ti, 1958
>>> Cultura, técnica e uma boa idéia
>>> Aqui você encontra?
>>> Desvirtualização no Itaú Cultural
Mais Recentes
>>> Entenda o Direito de Thaméa Danelon pela Cedet (2022)
>>> Jesus O Servo Poderoso de Clark Peddicord pela Candeia (1992)
>>> Como o Corpo Humano Funciona de Globo pela Globo (1992)
>>> As Armas Da Persuasão 2.0: Edição Atualizada E Expandida de Robert Cialdini pela Harpercollins (2021)
>>> Empresas Familiares. Seus Conflitos Clássicos E Como Lidar Com Eles de Grant Gordon pela Disal (2008)
>>> Uma Aventura de Asterix o Gaulês - os Louros de César de Uderzo - Goscinny pela Record (1985)
>>> Uma aventura de Asterix o gaulês - O presente de César 21 de Goscinny - Uderzo pela Record (1985)
>>> Guia Completo Sobre Diabetes de American Diabetes Association pela Anima (2002)
>>> Manual De Farmacoterapia de Barbara G. Wells; Joseph T. DiPiro, outros pela Amgh (2006)
>>> Uma aventura de Asterix o gaules - Asterix entre os Belgas 24 de Uderzo - Goscinny pela Record (1985)
>>> Ayrton Senna: Um Tributo Pessoal de Keith Sutton pela Siciliano (1994)
>>> Host Defense Dysfunction In Trauma, Shock And Sepsis: Mechanisms And Therapeutic Approaches de M.d. Faist, Jonathan L. Meakins Eugen pela Springer Verlag (1993)
>>> A Vida Não É Justa de Andréa Pachá pela Harper Collins (2017)
>>> Nazismo: As Grandes Reportagen de Aventuras Na Historia pela Caras (2015)
>>> Germinal de Émile Zola; Silvana Salerno(Adp.) pela Seguinte (2016)
>>> História Econômica Do Brasil de Caio Prado Jr. pela Brasiliense (2025)
>>> A Cruz E O Graal de Ellwood pela Cultrix/pensamento (1999)
>>> Método Silva De Control Mental de Jose Silva, Philip Miele pela Editorial Diana, S.a. (2005)
>>> Daniel e as Bactérias de Flavio Alterthum e Fernando Vilela pela Binah (2025)
>>> A Indústria e a água de David Veiga Soares pela Do autor (2023)
>>> O caminho do mago de Deepack Chopra pela Rocco (1987)
>>> Mitologia Grega 3 Volumes de Junito de Souza Brandão pela Vozes (1989)
>>> Ximlóp de Gustavo Piqueira pela Joaquina (2025)
>>> A Alegria Espera Por Voce de Upile Chisala pela Leya (2023)
>>> A era do escândalo de Mário Rosa pela Geração (2012)
COLUNAS

Segunda-feira, 8/10/2012
A Virada, de Stephen Greenblatt
Ricardo de Mattos
+ de 6600 Acessos


Titus Lucretius

"Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela" (Fernando Pessoa).

Durante o período olímpico tivemos oportunidade de aprofundar-nos a respeito de disputa tão antiga quanto os próprios jogos, ou mais. Trata-se do velho embate entre imanentismo e transcendentalismo que torna à pauta em virtude do reforço dos movimentos laico e ateu. Por imanentismo compreendemos a concepção de que tudo o que existe encontra-se limitado ao mundo físico e regido pelas leis naturais. Por transcendentalismo, a concepção de que o mundo físico é a parcela de algo maior, regido por leis naturais elaboradas por uma inteligência superior. O imanentismo pretende trazer para suas bases o pensamento filosófico e o científico e escuda-se no materialismo, tanto aquele baseado nos fatos do mundo quanto o promissório. O transcendentalismo lida, sobretudo, com a religião. Mais com a religião que com o espiritualismo, lamentamos observar. Em meio aos dois extremos, a massa cinzenta de pessoas de existência indefinida vagando desprovida de sentido.

O imanentismo encontra sua sedução no que de concreto apresenta às pessoas. "Veja esta semente", diz, "colocando-a no solo e irrigando-a, depois de realizados tais e quais processos, nascerá uma planta". A semente é plantada, o tempo passa, os processos se realizam e a planta surge. "Esta é a vida e não espere nada além disso", concluem vitoriosos seus adeptos. A seu turno, os que se julgam donos de visão mais ampla fazem promessas vagas de outro local que eles mesmos não sabem nem definir nem descrever. Recorrem à Fé pela Fé, o que a cega e enfraquece. Não conseguem compreender a Fé como um ponto ao qual se dirige o espírito em sua evolução: ontem uma promessa, hoje um fato. Por isso nossa adesão a Kardec e à Doutrina por ele codificada, na qual se privilegia a Fé raciocinada. Creia; contudo, verifique continuamente quais as bases de sua crença.

No tempo em que predominam o consumismo, a ignorância calculada, a busca desenfreada pelo prazer e a esquiva total da responsabilidade, não é difícil verificar qual competidor está em vantagem. Si os imanentistas satisfazem o intelecto com respostas adequadas ao atual estado do conhecimento humano, em longo prazo não saciam sede humana de afeto e de sentido. Desprovidos de melhores respostas, tornam-se tão apelativos quanto os próprios religiosos que criticam. Si os religiosos transformam a obra divina numa fuzarca da qual se quer distância e não convivência, a se turno alguns descrentes encaram os mais legítimos sentimentos meramente como instintos. Todos olham para todas as direções, menos para cima. Entretanto, ainda que de forma capenga, o Amor ainda é um trunfo dos transcendentalistas.

Aceite quem quiser: há autor espiritual contemporâneo - Inácio Ferreira - observando que no grande plano da Natureza é difícil afirmar categoricamente onde termina o mundo físico e onde começa o que se convencionou chamar "plano espiritual" - ou extrafísico, ou outra dimensão, etc. Desenvolvemos nossa existência naquela parcela da Natureza que acessamos mediante cinco portas, e esta parcela não sofre uma solução de continuidade quando o instrumento do qual nos utilizamos perde suas forças e desfaz-se. Daí a possibilidade de mútua interferência. Há, portanto, A Natureza, algo muito maior e mais abrangente do que querem uns e outros, e quem consegue vislumbrar isto não se conforma mais com qualquer tipo de reducionismo, seja de ordem pretensamente filosófica ou científica, seja de ordem pretensamente religiosa. Há harmonia na Natureza e há uma Inteligência que a rege.

A impressão que nos ficou da leitura d'A Virada, do celebrado estudioso norte-americano Stephen Greenblatt é a de que imanentistas querem definir seus profetas e livros sagrados. Os cristãos têm a Bíblia Sagrada, os cristãos espíritas O Livro dos Espíritos - embora não o leiam -, os fiéis muçulmanos o Corão, os hindus os Vedas e o Baghavad Gita, etc. Caso os imanentistas endossem a tese de Greenblatt, encontrarão no poeta romano Lucretius, e em seu poema De rerum natura os fundamentos de suas ideias. Logo, clero e ritos. Não fazemos aqui qualquer crítica às manifestações da descrença, mas reparamos na sutileza dos fatos, ao notarmos que o crítico, e uma forma ou outra, acaba por adotar as práticas do criticado.


Poggio Bracciolini

O que temos a respeito de Lucretius? Seus dados biográficos, além de reconhecidamente escassos, têm sua origem e exatidão questionadas por Greenblatt. Quem forneceu para a posteridade algumas linhas sobre o poeta foi Jerônimo - depois São Jerônimo -, erudito responsável pela tradução mais fiel dos textos bíblicos para o latim. Segundo este, Lucretius teria nascido em 94 A.C. e "depois que uma poção do amor o deixou louco, e ele escreveu, nos intervalos de sua insanidade, diversos livros que Cícero revisou, ele se matou por suas próprias mãos no quadragésimo quarto ano de sua vida". É tudo. Deixou um longo poema intitulado Da Natureza das Coisas - De Natura Rerum - que não é obra inaugural, mas pode ser compreendido como a síntese latina do pensamento do filósofo Epicuro de Samos. Possuímos um livro que traz fragmentos da obra do filósofo e o poema lucreciano completo. A tradução em prosa é do filosofo português Agostinho Silva e receamos que seja a única disponível no idioma e no mercado.

A Virada é um livro cuja leitura flui prazerosamente. Greenblatt faz um amplo painel da cultura latina e medieval. Investiga as bases do pensamento grego, latino e cristão, apontando onde há contradição e em que aspectos uma corrente desenvolvia suas ideias dialogando com as escolas anteriores. Contudo, em certos aspectos é tendencioso ou mesmo exagerado. Acerca do poema, o autor afirma: "...o poema de Lucrécio restaurou os átomos em seu contexto perdido, e as implicações - para a moralidade, a política, a ética e a teologia - eram perturbadoras". Antes, Greenblatt já havia dito: "Ao contrário da gigantesca cúpula de Brunelleschi, o maior domo construído desde a Antiguidade clássica, o grande poema de Lucrécio não se ergue contra o céu. Mas sua recuperação mudou para sempre a paisagem do mundo".

Em todo o oitavo capítulo da obra, Greenblatt aponta conclusões que acredita derivadas do poema: tudo é composto de partículas invisíveis, as partículas elementares da matéria são eternas, o Universo não tem um criador ou projetista, a alma morre, não há vida após a morte, etc. Aqui notamo-lo tendencioso e até reducionista, pois a aceitação da composição atômica da matéria não elenca o indivíduo, só por isso, entre ateus. Alguns alegarão uma inconciliável contradição entre o pensamento filosófico e o ensinamento bíblico. Neste caso, a discussão fica limitada aos fundamentalistas de ambos os partidos.

O fato é que o poema de Lucretius passou séculos perdido em bibliotecas monásticas. Esquecido e desconhecido. Foi localizado no século XV pelo humanista italiano e secretário papal Poggio Bracciolini, curiosa figura que Greenblatt nos apresenta. Estudioso esmerado das obras da antiguidade clássica, Poggio pôde ter acesso a diversas bibliotecas de seu tempo e sabia o que procurar nelas. Descoberto um livro excepcional, o florentino punha-se a copiá-lo à mão, ou pagava quem o fizesse. A Virada trata de uma época em que a imprensa ainda estava por chegar.

Stephen Greenblatt é considerado o pai do novo historicismo, linha de estudos que, em síntese, debruça-se na verificação do contexto de produção de uma obra, nas influências sofridas pelo autor e nas relações entre literatura e vida pessoal. Isto justifica a longa digressão que ele fez n'A Virada, partindo do mundo contemporâneo de Lucretius e chegando ao século de Poggio. No que se refere ao conteúdo desta digressão, a certa altura, perguntamo-nos si o objetivo da obra era tratar do poema ou expor as mazelas da Igreja Católica, instituição que ocupa mais espaço que o dedicado a Lucretius e Poggio juntos.


Sully de Prudhomme

Outro ponto que julgamos digno de nota: Greenblatt indica diversas personalidades como adeptas do pensamento derivado da obra de Lucretius, e atribui a conjecturas o status de confirmação. Para ele, Montaigne, Shakespeare e Thomas Jefferson seriam propagadores das ideias contidas em Da Natureza das Coisas. Verificando seus argumentos, contudo notamos que a certeza pretendida não é assim tão presente. No que diz respeito a Shakespeare, Greenblatt escreve: "Fosse como fosse, ele deve ter conhecido pessoalmente John Florio, amigo e Bruno, e pode também ter discutido Lucrécio com seu colega, o dramaturgo Ben Jonson..." (grifamos). Quanto a Montaigne, Greenblatt limita a amplidão de seu pensamento, enxergando entre o filosofo francês e o poeta latino "uma afinidade que vai além de qualquer passagem em particular". Por menos que isso, muita gente boa já foi acusada de superficial. Já o poeta francês Sully de Prudhomme, primeiro ganhador do prêmio Nobel de literatura, discípulo declarado do estilo e do pensamento de Lucretius mas muito menos vistoso, sequer é mencionado.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 8/10/2012

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Hells Angels de Gian Danton
02. Pensando a retomada do cinema brasileiro de Marcelo Miranda
03. Das Virtudes do Papa e dos Vícios de Crumb de Andréa Trompczynski
04. Sangue, Carne e Fritas de Urariano Mota


Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2012
01. A ilha do Dr Moreau, de H. G. Wells - 12/3/2012
02. Aborto - 2/4/2012
03. Freud segundo Zweig - 25/6/2012
04. Deus: uma invenção?, de René Girard - 6/2/2012
05. A Virada, de Stephen Greenblatt - 8/10/2012


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro A Mão Invisível
Adam Smith, traduzido por Paulo Geiger
Penguin, Companhia das Letras
(2013)



Depois de Auschwitz
Eva Schloss
Universo dos Livros
(2013)



Flower Arrangement the Ikebana Way (capa Dura)
Senei Ikenobo
Shufunoyomo
(1988)



Raios de luz espiritual - Ensinos esotéricos
Francisco Valdomiro Lorenz
Pensamento



Livro Obra Reunida
Rachel De Queiroz
J. Olympio Editora
(1989)



O Manual da fotografia digital 464
Doug Harman
Escala
(2013)



Livro Infanto Juvenis Pollyanna Moça Biblioteca das Folhas Volume 93
Eleanor H. Porter
Companhia Nacional
(2002)



Buenos Aires Gtb Guia do Turista Brasileiro
Lucio Martins Rodrigues / Bebel Enge
Conteudo
(2011)



Faz Chover
Fernandinho
Thomas Nelson
(2015)



O Bar do Ponto
Luis Góes
Luis Góes
(2000)





busca | avançada
44126 visitas/dia
1,7 milhão/mês