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Sexta-feira, 17/5/2013
O Corno em Série
David Butter
+ de 4700 Acessos

Os cornos herdaram a terra. No Brasil, é deles o grito, é deles a indignação. Hoje, parecer cidadão pressupõe agir como um corno surpreso: "esse político não me representa", "não sabia que um ser humano poderia ser capaz de tanta barbaridade", "existem conservadores", tudo diz a mesma coisa: fui traído pelo real.

O indignado é traído pela política, pela religião e pela cultura. É um corno em série. Na mansão do mundo, o cidadão abre porta a porta e atrás de cada uma delas encontra a mesma mulher, com outro ricardo. Segue abrindo com insistência até um ponto em que gasta as mãos. Daí em diante passa a imaginar a mulher numa Ibiza das Ideias, numa terra sempre distante, de prazer alheio. Essa Sodoma Mental é a contraimagem de tudo de que o corno se orgulha e de tudo em que ele diz acreditar: é o CEP do que ele nega. A dor do corno é geográfica, assim como seu suspiro: Enquanto isso, em Brasília.

(Não importa qual a doença, qual a tragédia, qual o desastre. Do piolho na escola à dengue na fila do hospital, da morte de um homem à morte de duzentos, da queda de uma marquise ao desabamento de uma ponte: alguém, algum corno do real dirá Enquanto isso, em Brasília.)

A dor do corno é pública, se anuncia com gosto na praça. É um masoquismo afrodisíaco. O corno em série grita "Acorda, Brasil" ao cornário reunido, e assim se crê mais desperto, mais potente em sua cornice. O corno se viagra na vergonha.

A dor do corno é teatral, mora no palco. O corno em série trabalha e anseia pela catarse. É um palhaço infeliz que faz piadas sobre vinganças sangrentas: sobre congressos invadidos, sobre bandidos fuzilados. É um personagem entre Otelo e Grande Otelo, o patético que oscila entre o trágico e o cômico.

A dor do corno é nostálgica, se apoia numa ideia de passado. Para alguns, esse passado é a ditadura. Para outros, é o dia dourado em que se discutia filosofia na Praia de Ipanema. O corno em série é sempre um bossa-nova cantando "O Barquinho" diante de um açude seco.

O corno em série é um camaleão traído. Tem muitas cores.

No Facebook, tem as cores de um Voltaire: é um dos termômetros da angústia no Brasil contemporâneo, ao lado do taxista e do vendedor de pacotes teatrais. Como Voltaire de Facebook, vive uma ética de atropelo, de absurdo a absurdo, de abaixo-assinado a abaixo-assinado. O Voltaire de Facebook está sempre escandalizado! Seu sentido é de urgência! Seu discurso é de alerta, exclamação!

Nas caixas de comentários de portais, o corno em série é o Tarado do Suíngue. Sob anonimato, entrega a lógica para dormir com a loucura. Vê em qualquer omissão uma ocultação; em qualquer menção, uma maquinação; em qualquer abordagem de tema, um desvio de algo central, mais importante. É um moralista erotizado, um apocalítico saudoso. Olha a planície informativa à espera de uma revelação no Sinai da sua própria cabeça, uma eureca que lhe permita dizer que O castelo de cartas caiu.

(Nota para roteiro: comentarista de internet interpretado por Jece Valadão deixa o computador numa tarde morta e sai armado às ruas mandando homens, mulheres, velhos e crianças dançarem Cancan. "Vou mostrar a verdade, vou mostrar a verdade.")

Noutros tempos, até recentes, o corno em série frequentava também sebos. Neles, assumia as roupas mal lavadas do Conspirador de Sebo - primo do Louco de Palestra, tão bem retratado por Vanessa Barbara na "Piauí" de outubro de 2010. Passei uma década respirando poeira da Guerra Fria em livrarias decrépitas. A cada três horas, alguém surgia pedindo "Mein Kampf". A cada uma, "O Livro de São Cipriano - Capa Preta". Posso atestar que os sebos eram masmorras de templários. E lá, entre os degredados, circulava o Conspirador de Sebo: sempre traído pelo real, pelo imediato, mas tentando aparentar segurança nos processos de tiro mais longo, como se carregasse uma placa de "Eu já sabia" para sacar com pelo menos dez minutos de atraso. Hoje, o Conspirador de Sebo é tão raro quanto os sebos físicos. Migrou como andorinha desconfiada para o digital, mudou de pena.

O corno são muitos, mas o que o corno quer? Minha tese é a de que o corno em série só quer amar.

Quando reclama, o corno em série quer, na realidade, defender a imagem ideal de algo que ama. Quando investe contra a imprensa, atribui a ela uma missão imensa, redentora. Quando denuncia na política, rende uma homenagem ao poder, uma confiança mal disfarçada. Quando mira o Papa, celebra o Trono de Pedro. Diante do que percebem como um desvio, os cornos em série gritam aos céus como se uma ordem eterna tivesse sido conspurcada. Nesta ordem eterna, o poder é bom, claro e efetivo.

O corno em série é um idealista, um romântico: ama a adúltera quanto mais ela for. Diante de uma realidade que trai e trai, o corno vê no seu chifre a prova de consciência histórica. Quando se olhar no espelho de um mural de Facebook, o corno em série, o corno traído pelo real, o corno da consciência talvez ainda se pergunte: quantas curtidas merece esse corninho?

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autor. Originalmente publicado no blog David Butter.


David Butter
Rio de Janeiro, 17/5/2013

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