Narciso revisitado na obra de Fabricius Nery | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
52882 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> ZÉLIO. Imagens e figuras imaginadas
>>> Galeria Provisória de Anderson Thives, chega ao Via Parque, na Barra da Tijuca
>>> Farol Santander convida o público a uma jornada sensorial pela natureza na mostra Floresta Utópica
>>> Projeto social busca apoio para manter acesso gratuito ao cinema nacional em regiões rurais de Minas
>>> Reinvenção após os 50 anos: nova obra de Ana Paula Couto explora maturidade feminina
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Sonho francês
>>> Minha Estante
>>> A Última Ceia de Leonardo da Vinci
>>> Steven Spielberg
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Um Luis no fim do túnel
>>> O óbvio ululante, de Nelson Rodrigues
>>> Máfia do Dendê
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Com vista para dentro
Mais Recentes
>>> A Sociedade Punitiva de Michel Foucault pela Folha de S. Paulo (2021)
>>> Cafe Da Manha Dos Campeões de Kurt Vonnegut pela Intrínseca (2019)
>>> Ladinos E Crioulos de Edison Carneiro pela Folha de São Paulo (2021)
>>> Leonardo Da Vinci de Walter Isaacson pela Intrínseca (2017)
>>> A Razão Africana - Breve História Do Pensamento Africano Contemporâneo de Muryatan S. Barbosa pela Todavia (2020)
>>> Rebeldes Têm Asas de Sergio Pugliese, Rony Meisler pela Sextante (2017)
>>> Fugitiva de Alice Munro pela Folha De S. Paulo (2017)
>>> A essência do cristianismo de Ludwig Feuerbach pela Folha De S. Paulo (2021)
>>> Seculo XX: Uma Biografia Nao-autorizada de Emir Sader pela Fundação Perseu Abramo (2010)
>>> Urbanização E Desenvolvimento de Paul Singer pela Autêntica (2025)
>>> Lugares De Memória Dos Trabalhadores de Paulo Fontes (organizador) pela Alameda Editorial (2024)
>>> Ponte para Terabítia (2º Edição) de Ana Maria Machado; Katherine Paterson pela Salamandra (2022)
>>> Ponte para Terabítia (2º Ed. - 1º Impressão) de Ana Maria Machado; Katherine Paterson pela Salamandra (2007)
>>> As Maravilhas de Elena Medel pela Todavia (2022)
>>> Um Grito de Liberdade - a Saga de Zumbi dos Palmares (1º impressão) de Álvaro Cardoso Gomes; Rafael Lopes de Sousa pela Moderna (2017)
>>> Os aneis de saturno (1º edição) de Isaac Asimov pela FC Hemus
>>> Os aneis de saturno de Isaac Asimov pela FC Hemus
>>> O Mestre e o Herói (1º edição - 6º Impressão) de Domingos Pellegrini pela Moderna (2009)
>>> A Ilha Perdida (41º Edição - 10º Impressão ) de Maria José Dupré pela Atica (2022)
>>> O escaravelho do diabo (28º edição - 3º impressão) de Lucia Machado de Almeida pela Atica (2016)
>>> O escaravelho do diabo (28º edição - 10º impressão) de Lucia Machado de Almeida pela Atica (2020)
>>> O escaravelho do diabo (28º ed. - 10º impressão) de Lucia Machado de Almeida pela Atica (2021)
>>> O escaravelho do diabo (28º ed. - 10º impressão) de Lucia Machado de Almeida pela Atica (2020)
>>> A Maldicao Do Tesouro Do Farao (7º edição - 10º impressão) de Sersi Bardari pela Atica (2022)
>>> O Menino E O Bruxo (aventura Fantástica Com Machado De Assis) de Moacyr Scliar pela Ática (2007)
COLUNAS

Terça-feira, 11/3/2014
Narciso revisitado na obra de Fabricius Nery
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 9900 Acessos

Para o artista não é necessário apenas produzir uma imagem, mas problematizar, através das próprias criações, qual o status que goza a imagem no mundo contemporâneo, mundo no qual ele é, também, um criador de representações. É o que faz Fabricius Nery, numa instigante obra que denominou Narciso.

Pintada em janeiro de 2014, a obra retoma o mito de Narciso, ou seja, a história do jovem que se deixa morrer ao se apaixonar por si mesmo ao se deparar com a própria imagem refletida num lago. Nery retoma o mito criando outra perspectiva iconográfica, inserindo-a na questão central da vida contemporânea: o sentido da obsessão pela fabricação da própria imagem e sua consequente adoração como uma problemática de nossos dias.

Dessa vez, Narciso está diante de um espelho, onde se vê a si próprio, fotografando-se nu, sendo visível, no pênis ereto, a excitação sexual que é gerada por essa relação de adoração pela própria imagem e, ainda mais, por sua fabricação.

Além da foto que faz de si mesmo ao espelho, de corpo inteiro, aparece ainda, fora do espelho, um dos pés do personagem, indicando que outra camada de realidade se faz presente no quadro. Como se nós, espectadores, fôssemos partícipes da cena, quase fotógrafos de nós mesmos, olhando no espelho nossa própria imagem sendo registrada. Desse inferno ninguém está livre, parece dizer o pintor.

O quadro vai além, colocando na forma labiríntica de sua construção a ideia de que é a geração da própria imagem e a observação desse ato que impulsiona, por si mesmo, o prazer narcísico.

Esse recurso da interpenetração de várias realidades é um dos elementos fortes da arte contemporânea e de sua reflexão sobre a realidade fragmentada, enganosa e labiríntica do mundo. Nery está atento ao que se passa ao seu redor. Para pensar qual o sentido da imagem no mundo atual, nada melhor para o artista, ele também fabricador de imagens, do que trazer a figura de Narciso para o centro do debate.

A sua tela enfrenta a questão. Para além da geometria do espelho que reflete o personagem, outras geometrias vão se recortando dentro do quadro, ampliando essa ideia de que uma imagem não passa de uma sobreposição de camadas da realidade, que são recortadas e montadas incessantemente como se fossem a própria "realidade".

O procedimento formal de desconstrução das próprias imagens que cria, refletindo sobre seu valor no mundo atual, não é novo na obra de Fabricius Nery, que tem adotado o procedimento do recorte em suas telas como um dos elementos de sua poética. Talvez esteja aí o sentido de sua contemporaneidade. Faz-nos pensar naquilo que Jean Baudrillard disse da fotografia: "A foto é o que nos aproxima mais da mosca, de seu olho facetado e de seu voo em linha quebrada".

O resultado desse procedimento, em seu Narciso, é a sensação que o quadro nos transmite, de que o que estamos vendo já foi fotografado e é, ao mesmo tempo, a própria foto no momento em que está sendo feita e, em seguida, ela já em situação de imagem fixa em um álbum. Isso cria dentro da tela quatro tempos: a figura do pé aparece no interior do espelho e também fora do espelho, a imagem que vemos já é a fotografia tirada e revelada e a foto que vemos está fixada no quadro como se já estivesse contida em algum álbum de fotografias.

O quadro é, ele próprio, o registro dessa atividade de se fotografar a si mesmo e se ver ao mesmo tempo se fotografando e o transformar-se da imagem pronta em objeto para ser visto pelo próprio criador da imagem e pelos outros, agora convertidos em espectadores do meu amor próprio, de minha autoimagem publicitária, de minha figura narcísica.

A perspicácia do artista foi somar a esse labirinto de imagens os recortes geométricos ao qual a figura central se submete. E a representação que vemos é uma possível fotografia, situada dentro do quadro, sobre a cor vermelho escuro, recortada por uma geometria que a faz parecer uma foto de álbum. Estamos diante de uma imagem que acontece no instante em que se faz existir e, ao mesmo tempo, já condicionada em espaço de possível ou desejada admiração como fotografia de si mesmo.

A leitura atual do tema faz-se necessária. Vivemos num tempo onde a imagem narcísica de si mesmo transformou-se num fetiche absoluto ou em uma neurose aguda. A adoração da autoimagem, acima de todos os outros valores, é quase o "espírito de nosso tempo". Com a vulgarização da fotografia digital ou de celular, pela qual todos podem se fotografar o tempo todo e se exibir em redes sociais como se fossem personagens importantes (para outros narcisos que fazem e pensam a mesma coisa), a ideia de uma sociedade onde as pessoas estão apaixonadas por si mesmas é corrente e é necessária sua discussão em qualquer debate cultural.

A excitação sexual explícita da figura central, que se fotografa no quadro de Nery, revela esse amor obsessivo por si mesmo, que toma conta do mundo contemporâneo, num jogo libidinal doentio. Nada parece dar mais prazer ao narcisista do que registrar a sua própria imagem e vê-la refletida em algum lugar. Por isso, fez-se necessário ao pintor criar o desnudamento da figura e seu obsessivo olhar narcísico, que ao mesmo tempo constrói e admira, para que se revele esse prazer, esse desejo e essa excitação pela autoimagem que faz do ato narcísico a raison d´être do homem contemporâneo.

A face introspectiva do personagem revela esse estar-se no mundo apenas para si mesmo, prisioneiro psíquico de um universo fechado ao entorno, alienado daquilo que não seja a sua própria imagem. É o retrato do gozo por si mesmo num rosto que quase fecha os olhos num momento de supremo deleite. E esse gozo existe enquanto imagem, porque tem como auxílio a máquina fotográfica (a flor Narciso de nossos dias), que registra essa entrega ao orgasmo que a imagem de si próprio lhe proporciona.

O que Nery acaba por fazer é revelar, nessa forma sobreposta e entrecortada de imagens, que "na fotografia as coisas articulam-se por uma operação técnica que corresponde à articulação de sua banalidade. Vertigem do pormenor perpétuo do objeto. O que é uma imagem para outra imagem, uma foto para outra foto: contiguidade fractal, nenhuma relação dialética. Nenhuma´visão de mundo`, nenhum olhar - a refração do mundo, em seu pormenor, com armas iguais". (Baudrillard)

O objetivo da investigação visual empreendida por Nery, recorrendo aqui novamente ao raciocínio de Baudrillard, é "reconstituir, como na anamorfose, a partir de seus fragmentos, e seguindo uma linha quebrada e fraturada, a forma secreta do nosso mundo".

Com essa obra Nery faz uma leitura radical e profunda sobre o duplo significado que hoje é atribuído à imagem: em primeiro lugar, o sentido da adoração da imagem vazia e publicitária de si mesmo; em segundo, como prisão que construímos para nós mesmos neste terreno movediço, que é um labirinto, onde o próprio conceito de real se transformou na ideia de imagem.


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 11/3/2014

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Meu querido mendigo de Elisa Andrade Buzzo
02. Brochadas, romance inquietante de Jacques Fux de Jardel Dias Cavalcanti
03. 'Noé' e 'Êxodo': Bíblia, Especismo e Terrorismo de Duanne Ribeiro
04. Millôr e eu de Vitor Diel
05. A rentável miséria da literatura de Lucas Carvalho Peto


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti em 2014
01. O assassinato de Herzog na arte - 30/9/2014
02. Simone de Beauvoir: da velhice e da morte - 29/7/2014
03. As deliciosas mulheres de Gustave Courbet - 3/6/2014
04. A Puta, um romance bom prá cacete - 2/12/2014
05. Wilhelm Reich, éter, deus e o diabo (parte I) - 2/9/2014


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Historinhas de Contar
Natha Caputo
Cia das Letrinhas
(1988)



Dialética da Família
Massimo Canevacci(org)
Brasiliense
(1981)



Pensar É Transgredir - 10ª Edição
Lya Luft
Record
(2004)



A Universidade Impossível
Jacques Marcovitch
Futura
(1998)



Adventures in Diving Manual Português Novo Foto Original
Padi
Padi
(2010)



Um Dia Daqueles
Bradley Trevor Greive
Sextante
(2001)



Livro Um Dia De Cão
Jim Dratfield
Bertrand Brasil
(2002)



Casados & Felizes - Não Permita Que Seu Casamento Vire uma Mala Sem..
Hernandes Dias Lopes
Voxlitteris
(2008)



Do Pensamento No Deserto: Ensaios de Filosofia, Teologia e Literatura.
Luiz Felipe Pondé
Edusp
(2025)



Fairy Tail - Vol. 6
Hiro Mashima
Jbc
(2010)





busca | avançada
52882 visitas/dia
1,7 milhão/mês