Ossos, mulheres e lobos | Eugenia Zerbini | Digestivo Cultural

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Quinta-feira, 4/12/2014
Ossos, mulheres e lobos
Eugenia Zerbini
+ de 11600 Acessos

O pintor Henry Alexander Bowler (1824-1903), na obra por ele intitulada The Doubt: Will These Bones Live Again? (A dúvida: esses ossos viverão de novo?) (c. 1855), resume, segundo os críticos, uma das dúvidas que assombrou com afinco a época vitoriana: existe vida depois da morte? Arrisco que essa dúvida persiste para a maioria, até hoje.

A tela, que faz parte do acervo da Tate Gallery, em Londres, é simbólica. Fortemente influenciado pela escola de pintura autodenominada pré-rafaelita, Bowler retrata uma jovem mulher apoiada numa pedra tumular. Seu rosto é a única parte descoberta de todo o corpo: saia, xale, mangas longas, luvas, laço do chapéu, a função de cada uma das peças é ocultar. O corpo, por seu turno, é uma massa indefinida, sob o peso da vestimenta.

A figura feminina, com exceção do rosto, é apenas uma silhueta sem forma. Mas seu olhar é o dínamo da cena: fixam a cova de terra revolvida aos pés da herma, onde despontam ossos e um crânio. O artista deixou patente o nome do finado, John Faithfull, nascido em 1714 e morto em 1791. Arremata com o epitáfio: I am the Ressuretion and the Life (Sou a Redenção e a Vida). Bowler dá a resposta à pergunta que propôs. Há uma borboleta (signo da transformação) pousada sobre o crânio; brotos verdejantes que despontam da terra; o fruto seco do carvalho, aberto e expondo a semente, caído sobre o jazigo vizinho. Neste lê-se a inscrição: Ressurection. Todos os elementos apontam para a transformação e o renascimento, em nome de Mr. Faithfull, aquele que é cheio de fé.

A questão de dar vida aos ossos foi o núcleo da conversa de um grupo de mulheres, "As boas companheiras", que mensalmente se reúne em São Paulo para discutir a questão de envelhecimento. A deixa para o debate foi algumas partes do livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés (1945 - ). Lançado no início da década de 1990, o livro figurou por 145 semanas entre os mais vendidos, na lista do New York Times. Seu objetivo foi sensibilizar a mulher contemporânea para a necessidade de resgatar forças femininas arcanas, deixadas para trás na busca da emancipação e de sua afirmação.

O mundo atual se, por um lado, colocou a mulher em um patamar social de maior igualdade (digo isso imaginando o lado Ocidental), desvitalizou a essência do feminino. O modelo de sucesso é ainda masculino (observo, apenas exemplificando, que, no mundo corporativo, o dress code ainda são terninho e tailleur). Na busca de sua verdadeira realização, segundo àquela autora, cabe a recuperação dos arquétipos das mulheres selvagens, as ditas mulheres que correm com os lobos.

Além de parceiras firmes (segundo a revista Science, lobos são animais monogâmicos), as fêmeas da espécie são mães dedicadas. Todavia, sabem mostrar os dentes, quando preciso. Não se trata, porém, da simples busca do instintivo animal. Essa procura - que é um processo, não um fim - pode ser guiada simbolicamente pelo conteúdo dos mitos e contos de fadas. Estes últimos são mais que crônicas sobre princesas adormecidas. Em "Barba Azul", que Pinkola Estés dá como ilustração, a heroína liberta-se do matador (e também o liberta desse papel) após desobedecê-lo.

As "Boas companheiras" passaram uma tarde de sábado compartilhando suas idéias sobre um pequeno trecho do primeiro capítulo do Mulheres que correm com os lobos: "Todos nós começamos como um feixe de ossos, perdidos em algum ponto num deserto, um esqueleto desmantelado que jaz debaixo da areia. É uma responsabilidade recuperar suas partes".

Ouvir esse trecho serviu de gatilho para lembrança da tela de Bowler mencionada no início. Clarice Pinkola Estés, no correr de suas linhas, afirma que é através do canto que uma vida nova irá vivificar esses ossos. Uma canção própria, proveniente do mais profundo dos abismos internos de cada uma. O que querem dizer esses ossos? Ossos podem ser interpretados como a essência, aquilo que permanece depois que tudo foi destruído. Em certos lugares, como na Índia, templos são construídos com ossos.

Indo além, conforme ensinado por Chevalier e Gheerbrant no Dicionário de Símbolos (José Olímpio), dentro do osso existe o tutano, assim como dentro do caroço existe a amêndoa. Para certos povos, segundo esses autores, a parte mais importante da alma reside no osso e a revivificação das ossadas ressecadas evoca a ressurreição. É o que Rabelais (1494-1553), cheio de humor e exuberância - exprime na formulação célebre: Quebrar o osso e sugar o substancioso tutano. É por meio de paradoxismos, alegorias e contradições que o inconsciente se expressa, já observou Gustav Jung em sua obra (e a cada noite os sonhos nos dão conta disso).

Morremos um pouco, a cada dia, porque nos distanciamos do nascimento. Durante o sono, morremos de um certo modo para o mundo, renascendo ao despertar. O orgasmo, em francês, é quase sinônimo do estado de êxtase, que lhe vem logo em seguida, chamado de pequena morte (petite mort). No cotidiano, morremos de rir. E morremos de vontades. Essas vontades devem gerar escolhas, opções.

Voltando ao livro Mulheres que correm com os lobos: a autora narra uma lenda contada pelos índios nativos de algumas regiões dos Estados Unidos e do México em torno de uma figura conhecida como La Loba. É ela que detém o dom de reviver os ossos. Velha desgrenhada, vivendo só, em lugares que só chegamos quando perdidos, La Loba, com seu canto, refaz os nervos e músculos de um esqueleto de ossos. Na verdade, La loba vive à procura desses ossos, para fazê-los viver de novo.

Essa imagem é a antípoda da mulher imóvel da tela de Bowler, que contempla, imóvel, a sua dúvida. É no desassossego e nas escolhas que se encontra a salvação. Existirá sempre a opção de enxergarmos nos ossos aquele crânio que coroa as duas tíbias cruzadas da bandeira dos piratas, símbolo da transgressão e da liberdade de navegar. Optando uivar, ou não, para a Lua.


Eugenia Zerbini
São Paulo, 4/12/2014

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