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Terça-feira,
9/7/2019
Leminski, estações da poesia, por R. G. Lopes
Jardel Dias Cavalcanti
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A Biblioteca Pública do Paraná acaba de nos presentear com a publicação de um excelente ensaio sobre o poeta Paulo Leminski. O autor do ensaio é o paranaense Rodrigo Garcia Lopes, que é nosso conhecido como poeta, tradutor, romancista, músico e ensaísta.
O livro se chama Roteiro Literário: Paulo Leminski. O primeiro grande valor desse trabalho de Rodrigo G. Lopes é o de alinhavar de forma exemplar a produção poética de Leminski a partir de três vertentes: a biográfica, a da transformação de sua poesia ao longo dos anos e adentrar os pressupostos estéticos-poéticos de sua obra.
Por muitos classificado como um poeta fácil, devido a sua ligação com os signos da comunicação social, ou por suas tiradas ligeiras e de fácil entendimento, Leminski recebe por parte de Rodrigo G. Lopes o tratamento que merece, ao ser retirado dessa clave superficial que não o percebe como um poeta do rigor, de múltiplas faces, antenado às grandes questões da poética moderna e contemporânea.
Como nos mostra Lopes, seus diálogos com criadores do porte de um Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Boris Schnaiderman, Affonso Ávila ou de músicos/compositores como Caetano, Gil, Jorge Mautner, Waly Salomão, dentre tantos outros criadores de sua geração, como também com poetas como Mallarmé, Eliot, Pound, atesta o ambiente profícuo ao qual Leminski transitou e do qual, sem dúvida, sofreu forte influência.
Criador em gêneros variados como o romance, poesia, letras de música, ensaio, conto e tradução, também manteve atividades ligadas à publicidade. Como comenta R. G. Lopes em seu ensaio, essas várias áreas não se constituíam como dispersão, mas um ajuntamento de linguagens e conhecimentos que só ampliavam sua verve de poeta. Dizia o próprio Leminski: “Se você quiser fazer só literatura, você talvez não faça literatura, porque ela se alimenta da vida e de outras coisas. Sou ávido de experiências e linguagens novas. À medida que se amplia o repertório de recursos, a poesia verbal se enriquece”.
Leminski, segundo R. G. Lopes, pertence ao grupo de poetas-críticos, ou seja, aqueles que além de produzirem poesia também refletem sobre a linguagem e seu significado dentro da criação poética. Esse interesse em pensar a linguagem foi intensificado no seu contato com os irmãos Campos e Décio, além das leituras atentas de Ezra Pound, Eliot e Paul Valéry, dentre outros.
Sob suspeita de ser um poeta de fácil comunicação (me lembro de um amigo que se propôs a fazer uma tese de mestrado sobre ele, nos idos de 1996, em uma de nossas grandes universidades e a banca que o entrevistou perguntou sobre a razão do interesse por um poeta midiático, aparentemente simplório, se tínhamos tantos poetas importantes para serem tema de tese), Leminski acabou sendo um dos poetas mais vendidos no Brasil: seu livro Caprichos e Relaxos vendeu, em 1983, cinco mil exemplares em vinte dias e, depois de sua morte, a edição de Toda Poesia, com 603 poemas, ficou na lista dos mais vendidos, como informa R. G. Lopes.
Mistura de intelectual rigoroso e hippie, sua imagem dança nessa corda bamba. Defensor da poesia como um “inutensílio” necessário, “uma necessidade orgânica de uma sociedade”, a imagem que nos ficou de Leminski é a de um anarco-poeta, zen-poeta, um eterno fora da linha, um romântico que dizia que “para ser poeta é necessário ser mais que poeta”.
R. G. Lopes defende a ideia de que Leminski conseguiu um equilíbrio entre construção e expressão, sendo a viagem da linguagem dentro da linguagem sua preocupação maior. Seu interesse por Joyce, Mallarmé, Beckett, Withman, Rimbaud, Eliot e outros já citados, demonstra as linhas de frente a que sua poesia se unia. Leminski viveu não só como poeta, mas como tradutor, aquele que se aprofunda na língua alheia para entender o funcionamento da linguagem na sua maior expressão, que é a literatura. Autores da mais alta estirpe passaram pelas suas mãos de tradutor: Joyce, Mishima, Whitman, Jarry, Ferlinghetti, Beckett, Bashô e muitos outros.
O ensaio de R. G. Lopes faz o enorme apanhado do que foi a produção de Leminski, que não nos cabe reproduzir aqui: poemas, canções (gravadas pelos principais músicos da MPB), biografias, romance, as traduções já citadas, artigos, crônicas, palestras etc. Também relembra seu espirito de polemista, boêmio, que fez de seus “ensaios-ninja” uma guerra contra a mediocridade provinciana de Curitiba e dos seus “pares”, os literatos da sua geração.
O interesse por uma poesia da comunicabilidade, como se o poeta descesse ao inferno dos signos da modernidade, querendo atingir um público maior, comunicando a ele o valor dessa “reserva ecológica da linguagem” que é a linguagem poética, o fez temperar com humor/trocadilhos/tiradas parte do que escrevia (muitas vezes também com o fel da desilusão, evidentemente).
Mas R. G. Lopes chama a atenção para a defesa que Leminski faria, lá pelos idos de 1985, de uma poesia mais estruturada, resgatando a poesia de Cabral, como os Concretos fizeram também, atenta à “constituição de objetos claramente estruturados, regidos por uma lei interna de construção e arquitetura, a arte aplicada ao fluxo verbal”.
No sentido do que se afirmou acima, R. G. Lopes defende o poeta dizendo “que pode-se acusar a poesia de Leminski de tudo, menos de ser prosa empilhada em linhas, cortada aleatoriamente, que é o que se vê em boa parte da poesia brasileira hoje”. Ou seja, Leminski prezava valores como a forma, a economia, a concisão, a clareza e o rigor na construção da poesia. É o que o levou, segundo R. G. Lopes, a partir da influência da poesia concreta, de Pound e da poesia oriental, a ter uma verdadeira abominação pelo verborrágico, pelo discursivo, pelo surrealismo e a poesia Beat, como pelo “psicológico, pelo típico, pelo profundo”.
Como uma espécie de Heideggeriano, Leminski tinha noção clara de que poesia não é linguagem sob algum disfarce esotérico, ideológico, decorativo ou ocasional. É a essência da linguagem quando a linguagem é.
O seu lado formalista é, na verdade, a busca pela simbiose entre forma e conteúdo e se relacionava com o rigor e o experimentalismo que moviam seu processo de criação. “A rima impede o verso de desmoronar”, dizia Leminski, temendo o caos e a desordem.

O ensaio de R. G. Lopes é uma aventura por estas e outras questões ligadas à poesia de Leminski, que o espaço dessa resenha não permite desenvolver. Suas análises de poemas, que é um ensaio de crítica literária à parte dentro do livro, nos permite adentrar os modos de construção e percepção da linguagem tal como Leminski os concebia e criava.
Tópicos importantes como os em que R. G. Lopes discute as funções da linguagem poética (fanopeia, melopeia, logopeia) e sua relação com a reflexão poética e crítica de Leminski, valem uma aproximação maior, pois aí se define o Leminski que está longe de ser aquele que a crítica minimizou, suavizou, tentando tratá-lo a partir da superfície, quando ele nadava em águas profundas do universo da poesia.
O livro de R. G. Lopes está aí para nos fazer mergulhar nessa profundeza com instrumentos mais sofisticados.
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
9/7/2019
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