Eu não entendo nada de alta gastronomia - Parte 1 | Renato Alessandro dos Santos | Digestivo Cultural

busca | avançada
122 mil/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Bela Vista Cultural | 'Saúde, Alimento & Cultura'
>>> Trio Mocotó
>>> O Circo Fubanguinho - Com Trupe da Lona Preta
>>> Anaí Rosa Quinteto
>>> Chocolatte da Vila Maria
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
Últimos Posts
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> As Últimas, de Pedro Doria e Carla Rodrigues
>>> Kafka: esse estranho
>>> Live: tecnologia e escola
>>> Cuba e O Direito de Amar (3)
>>> Política versus literatura
>>> Pecados, demônios e tentações em Chaves
>>> Brasil, o buraco é mais embaixo
>>> Olavo de Carvalho: o roqueiro improvável
>>> 7 de Novembro #digestivo10anos
>>> Carandiru, do livro para as telas do cinema
Mais Recentes
>>> Livro Educação em Foco de Sílvia Regina Teixeira Pinto de Albuquerque pela Ottoni (2011)
>>> Livro O Mistério da Caixa Preta , Violência e criminalidade de Pedro Scuro Neto, PH.D. pela Oliveiras Mendes (1998)
>>> Cristianismo E Espiritismo de Léon Denis pela Bibliomundi Serviços Digitais Ltda (2024)
>>> Livro Tratado De Comunicacão Organizaciona e Política de Gaudência Torquato pela Thomson Learning (2004)
>>> Livro Mensageiro Da Cruz de Watchman Nee pela Vida (2009)
>>> Los Hermanos Karamazov II de Fiodor M. Dostoyevski pela Altaya (1995)
>>> Renda Fixa Não é Fixa! de Marília Fontes pela Empiricus (2017)
>>> Entre Necessidade E Desejo. Diálogos Da Psicologia Com A Religião de Geraldo José De Paiva pela Loyola (2001)
>>> Recomece de Bráulio Bessa pela Sextante (2018)
>>> O Príncipe Medroso E Outros Contos Africanos de Anna Soler-pont pela Companhia Das Letras (2015)
>>> Dicionário Alemão-português de Leonardo Tochtrop pela Globo (1943)
>>> A Arte De Escrever Bem. Um Guia Para Jornalistas E Profissionais Do Texto de Dad Squarisi e Arlete Salvador pela Contexto (2015)
>>> Entre Passos E Rastros de Berta Waldman pela Perspectiva (2002)
>>> Assassinato Na Literatura Infantil: Uma Aventura Da Turma Do Gordo de João Carlos Marinho pela Global (2005)
>>> O aprendiz do ladrao de tumulos de Allan Stratton pela Planeta Jovem (2013)
>>> Básico Em Administração de Lilian Soares Pereira Carvalho pela Senac Sp (2017)
>>> Liberte-se dos Medos [Capa comum] [2008] O'Connor, Joseph de Joseph O`Connor pela Qualitymark (2008)
>>> Português Do Dia-a-dia: Como Falar E Escrever Melhor, O de Sergio Nogueira Duarte Da Silva pela Rocco (2003)
>>> Microcontrolador PIC18 com Linguagem C: Conceitos, Exemplos e Simulação de José Sérgio Medeiros Junior e Mario Henrique Luchiarí pela Senai-Sp (2017)
>>> Rapidinhas De Concursos: Matematica de Murilo Oliveira De Castro Coelho pela Rideel (2013)
>>> James E O Pêssego Gigante de Road Dahl pela 34 (2009)
>>> Manual Da Crianca Caicara de Marie Ange Bordas pela Peirópolis (2011)
>>> Pilatos de Carolos Heitor Cony pela Companhia Das Letras (2001)
>>> A Garota Que Só Pensava Naquilo: Confissões de uma Sedutora de Abby Lee pela Prestígio (2007)
>>> Expedição Tumucumaque a Redescoberta da Amazônia de Zig Koch pela Wwf
COLUNAS

Terça-feira, 20/8/2019
Eu não entendo nada de alta gastronomia - Parte 1
Renato Alessandro dos Santos
+ de 13200 Acessos


Admiro quem sabe simplesmente fritar um ovo - o que não significa somente derramar um pouco de óleo em uma frigideira, escorregar Clara & Gema abraçadas ali e jogar uma pitada de sal sobre as duas. O talento (por que não?) de quem sabe fritar um ovo é algo a se levar em conta. Admito: eu não sei fritar um ovo decente, sem esquartejá-lo; mas, se soubesse, gostaria de jogar umas ervas ali, recém-tiradas da horta e cortadas displicentemente com uma faca: manjericão, salsinha, jambu, cheiro-verde. Se a fome desperta o urso hibernado há meses, e a improvisação pede que se abra a geladeira para encontrar o que está ao alcance das mãos, nessas horas, o sabor de um prato feito com simplicidade pode ser inesquecível; para o bem, se preparado por alguém que saiba o que está fazendo; para o mal, caso pessoas como eu sejam as únicas disponíveis no momento. O que achou do ímã “Diga não à junkie food !” na porta da geladeira?

Um pão francês com ovo frito é uma delícia; um prato com arroz, feijão e um sutil ovo frito pode ser refeição das mais saborosas a ser provada. Depende da fome. Aqui, estamos diante de um dos grandes prazeres da vida: comer quando se está com fome. O escritor Jack London sabia das coisas: “Dar um osso a um cachorro não é caridade; caridade é dividir o osso com o cachorro, quando também se está com fome de cão”.

Meu pai sempre diz (música de harpa para o flashback ): “Nunca devemos lamentar o dinheiro gasto com comida.”. Concordo. Nunca fui a um restaurante francês com a cotação máxima de três estrelas no Guia Michelin , lugares em que a comida é uma celebração, uma oportunidade rara a ser experimentada - talvez - uma única vez na vida. Comer bem, cultivando a alta gastronomia, é um prazer, mas nem todo mundo pode participar desse clube. Você e eu, certamente. Restaurantes badalados não entram no meu dia a dia, da mesma forma que muitos brasileiros não entram no dia a dia de grandes restaurantes. Uma pena. Ainda bem que nem toda boa comida precisa de grife: trufas Gucci , suflês Dolce & Gabbana , bistecas Diesel . O destino é certo: almoço na casa da mãe, jantar à mesa da sogra. Pimentinha? Por favor. E uma rede...

Gastronomia é uma ciência? Não, gastronomia envolve o conhecimento prático ou teórico em relação a tudo que diz respeito à arte culinária, de refeições apuradas ao prazer que se tem à mesa. É o que Aurélio afirma. E mais: gastronomia é a “arte de regalar-se com finos acepipes”. É engraçada essa ideia de “regalar-se com finos acepipes”, mas é a mais pura verdade. Nas mãos de minha garota, gastronomia é a arte que se faz na cozinha, com ingredientes a saltitar de saúde, escolhidos a dedo por quem sabe o que serve à mesa.

Entretanto, nada de restaurantes como os que figuram na lista S. Pellegrino de melhores do mundo de 2010 [quando ainda acompanhava essas coisas]. Nada de D.O.M. (18º). Nada de El Bulli , de Ferrán Adriá (2º). Nada de The Fat Duk (3º). Nada de nada. Nunca fui nem mesmo a um restaurante realmente conceituado e reconhecido por Josimar Melo. Acho restaurantes como o Coxilha dos Pampas , em Ribeirão Preto, bons lugares para se comer; não poderia frequentá-lo com a dedicação de um comensal habitué, mas adoraria a oportunidade de comer novamente aquela costelinha assada que eles fazem por lá, acompanhada com uma geladíssima cervejinha Serra Malte . Se os olhos são as j_nel_s d_ alm_, o olfato e o paladar, seduzidos pelo alimento que os olhos veem, bem que poderiam ser as verdadeiras portas da percepção. Mas não são não. As portas da percepção são outras, segundo William, Aldous, Timothy, Jim...

Se bem que, pensando bem, a comida também pode aguçar os sentidos e nos fazer transcender, como acontece em uma cena do filme Rattatouille , em que o crítico Anton Ego prova a primeira garfada do prato que dá nome ao filme, preparado por Remy, o ratinho simpático da história, e vê-se instantaneamente arremessado a uma lembrança da infância, quando ainda era muito pobre e vivia com os pais. A lembrança da infância, ou do passado, provocada pelo paladar não é um acontecimento raro em nossa vida; acontece também com a música, quando escutamos certas canções que nos remetem a uma época, a uma pessoa, a nós mesmos incendiando por dentro, enquanto a adolescência balançava suas franjas. A fragrância de um perfume também diz muito sobre um momento vivido.

E o manjar celeste?

Hmmm... Gula?

Garçom, por favor, o prato do dia! Existe mesmo esse negócio de “prato do dia”? Deve existir, naturalmente, mas nunca pedi nada dessa forma em um restaurante. Mas admiro pessoas capazes de gastar uma $$$ com um prato sobre o qual não sabem nada a respeito, pelo qual não perguntam o preço e no qual apostaram a sorte de (sem dúvida) ser algo realmente saboroso e capaz de dar conta de seu apetite.

Comida caseira

Nunca me esqueço de um dia em que fui ajudar meus tios quando eles mudaram de casa; eles mudaram para outro bairro, perto da casa de minha tia Bete. Como irmãos siameses, eu e Rogério, meu primo, não desgrudávamos; quase com a mesma idade, a infância e a adolescência estavam em transição. Ainda éramos crianças, e - claro - meninas eram inimigas, veja você... Tenho certeza disso porque ainda não sabia nada de sexo. Naquela ocasião, depois de passar o dia inteiro esvaziando o caminhão de mudança e carregando caixas, utensílios de toda espécie, móveis, aparelhos elétricos e eletrônicos para dentro da casa nova, quando o sol estava a se pôr, eu e meu primo fomos jantar na casa de nossa tia, que é irmã da mãe dele, que, por sua vez, é minha tia. Desculpe. Ela morava em uma casinha simples onde morava gente simples. A casa ficava a apenas dois quarteirões, mas, enquanto passávamos por uma esquina, entabulamos uma discussão sábia a respeito de sexo:

— Você sabe o que é fazer amor? - perguntou meu primo.
— Claro.
[...]
— E aí?! O que é então?
— Ah! - disse - É quando, deitados, um homem sobe (!) em uma mulher e fica sobre ela algum tempo (!!).
— Só isso? E eles ficam lá... parados? Eles não se mexem? Não fazem nada?
— É. Eles conversam também, mas praticamente ficam parados (!); passa um tempo e, depois, eles se vestem (!!).
— O quê?! Eles estavam pelados?!

Naquela hora, estávamos prestes a nos refestelar com a comida de nossa tia. Meu primo e eu éramos aguardados na casa; na verdade, havia um rodízio entre as pessoas que ajudavam na mudança. Quando chegamos, a comida já estava à mesa. Comemos na cozinha, com a pia a fervilhar de pratos, talheres e copos a ser lavados. Havia uma panela de arroz, outra de feijão e mais uma de carne moída com quiabo. Apenas isso, mas não precisávamos de mais nada. F.O.M.E. Não precisávamos de D.O.M. naquele momento. A intimidade da família permitia a simplicidade da comida. Minha tia ainda teve a delicadeza de se desculpar pela refeição. Como se precisasse... Comi como se nunca tivesse comido nada parecido em minha vida. Que fome! Como minha tia Bete cozinha bem. A culinária caseira é como impressão digital: ninguém faz a mesma comida igual à de outra pessoa. Ninguém. À exceção das franquias de restaurantes de shoppings e do bandejão da universidade pública, em que o salitre diz a que veio. Ao menos é o que sei. E minha tia soube escolher a medida exata de cada ingrediente que colocou naquela panela de carne moída & quiabo. O arroz e o feijão tinham um sabor delicioso: misturar tudo aquilo no prato e comer feito criança em fase de crescimento são lembranças saborosas, literalmente. Talvez um dia, quando tiver cruzado a porta to the other side , a memória dessa refeição me seja presenteada novamente, e então - como Anton de Rattatouille - poderei reviver a satisfação que experimentei naquele último momento inesquecível da infância.

Já falei da sopa de mandioca que minha mãe faz?

Nota do Autor
Texto publicado originalmente no site tertuliaonline.com.br; depois, no livro Mercado de pulgas: uma tertúlia na internet e, agora, aqui, no Digestivo Cultural.

Renato Alessandro dos Santos, 47, é autor de Todos os livros do mundo estão esperando quem os leia e de O espaço que sobra, seu primeiro livro de poesia (ambos publicados pela Engenho e arte).



Nota do Editor
Leia também "Delírios da baixa gastronomia", de Ruy Castro, e "Baixíssima gastronomia", de Ricardo Freire.


Renato Alessandro dos Santos
Batatais, 20/8/2019

Mais Renato Alessandro dos Santos
Mais Acessadas de Renato Alessandro dos Santos em 2019
01. A forca de cascavel — Angústia (Fuvest) - 24/9/2019
02. Meu Telefunken - 16/7/2019
03. Eu não entendo nada de alta gastronomia - Parte 1 - 20/8/2019
04. Cidadão Samba: Sílvio Pereira da Silva - 19/2/2019
05. De pé no chão (1978): sambando com Beth Carvalho - 21/5/2019


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Questo Sono Io
Oscar Wilde
Barbès
(2011)



Moderna Plus. Tempos, Leitores E Leituras volume unico(completo)
Maria luiza m abaurre e outros
Moderna
(2018)



Jesus é maior que a religião
Jefferson Bethke
Thomas Nelson Brasil
(2014)



Você é o Líder da sua Vida?
Cesar Souza
Sextante
(2007)



Livro Literatura Estrangeira Cane River
Lalita Tademy
Warner Books
(2001)



A Emoção De Viver A Cada Dia
Thomas Moore
Ediouro
(1998)



O Executivo e Sua Familia
Icami Tiba
Gente
(1998)



Livro Literatura Estrangeira Vidas Amargas A Leste do Éden
John Steinbeck
Record
(1952)



Mãe Nossa Que Estais no Céu
Pablo Simonetti
Planeta
(2006)



British and American English
John Millington Ward
Longmans
(1962)





busca | avançada
122 mil/dia
2,0 milhões/mês