Um nu “escandaloso” de Eduardo Sívori | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
63685 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Banda Star Beatles sobe ao palco do Hard Rock Cafe Florianópolis
>>> Estão abertas inscrições para cursos, vivência e residência artística no Teatro do Incêndio
>>> Nas férias, Festival ALLEGRIA reúne atrações gratuitas de teatro musical e circo na capital
>>> Lacerdine Galeria agita no dia 12/7 a programação com a Festa Julinarte, banda de forró de rabeca e
>>> Festival exibe curtas-metragens online com acesso livre
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Pagando promessas na terra do sol
>>> Como escrever bem — parte 2
>>> Amores & Arte de Amar, de Ovídio
>>> Reflexões para um mundo em crise
>>> Porque ela pode, de Bridie Clark
>>> Vanguarda e Ditadura Militar
>>> A profecia de Os Demônios
>>> Para entender Paulo Coelho
>>> A letargia crítica na feira do vale-tudo da arte
>>> Jonny Ken do migre.me, no MitA
Mais Recentes
>>> A Viajante Do Tempo (serie outlander) de Diana Gabaldon pela Rocco (2004)
>>> Mentes Perigosas - O Psicopata Mora Ao Lado de Ana Beatriz Barbosa Silva pela Fontanar (2008)
>>> Leonardo da Vinci Artistas Famosos Uma Introdução à Vida e Obra de Leonardo da Vinci de Antony Mason pela Callis (2012)
>>> Correio Feminino de Clarice Lispector pela Rocco (2006)
>>> A Raiva (4º reimpressão - capa dura) de Blandina Franco - Jose Carlos Lollo pela Pequena Zahar (2019)
>>> Os Meninos Adormecidos de Anthony Passeron pela Fósforo (2024)
>>> A Ocupação de Julián Fuks pela Companhia Das Letras (2019)
>>> Mas em que Mundo tu Vive? de José Falero pela Todavia (2021)
>>> A Filha Única de Guadalupe Nettel pela Todavia (2022)
>>> A Jornada de Felicia de William Trevor pela Biblioteca Azul (2014)
>>> O Castelo de Minha Mãe de Marcel Pagnol pela Pontes (1995)
>>> Segunda Casa de Rachel Cusk pela Todavia (2022)
>>> Louco Por Hqs (8º impressão - com suplemento de atividades) de Tânia Alexandre Martinelli - Quanta Estúdio pela Do Brasil (2019)
>>> Livro Geografia Geral E Do Brasil: Espaço Geográfico E Globalização de Eustáquio De Sene, João Carlos Moreira pela Scipione (1999)
>>> Cinema E Psicanalise - Filmes Que Curam - Vol 3 de Christian Ingo Lenz Dunker pela Nversos (2015)
>>> Machado de Assis e a Escravidão de Gustavo Bernardo, Joachim Michael pela Annablume (2010)
>>> Quem da Pátria sai, a si Mesmo Escapa de Daniela Meirelles Escobari pela Escuta (2009)
>>> O espirito na arte e na ciencia (capa dura) de Jung pela Vozes (1985)
>>> Mãos de Cavalo de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2006)
>>> Barba Ensopada de Sangue de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2012)
>>> Dificuldades De Aprendizagem de Nora Salgado Ana Maria Spinosa pela Grupo Cultural (2009)
>>> Cordilheira de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2008)
>>> O Pequeno Principe Em Cordel de Antoine de Saint Exupéry; Olegário Alfredo (o Mestre Gain) pela Penninha Ediçoes (2020)
>>> Pais e Filhos de Ivan Turgueniev pela Companhia Das Letras (2021)
>>> 3.000 Questões de Fonoaudiologia para Passar em Concursos de Raimundo Nonato Azevedo Carioca pela Odontomidia (2008)
COLUNAS

Terça-feira, 21/7/2020
Um nu “escandaloso” de Eduardo Sívori
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 10600 Acessos



Uma empregada nua começa a se vestir sob a luz escassa do amanhecer. Trata-se de uma pintura que deu o que falar em Paris e na Argentina.

No ano de 1887 o pintor argentino Eduardo Sívori (Buenos Aires, 1847 - 1918) apresentou no Salão de Paris a obra O despertar da empregada doméstica (Le alavanca de la bonne), um nu realista. O quadro de Sívori foi interpretado pela crítica francesa como obra derivada da literatura de Zola, sendo um nu “excessivo” na representação de um corpo que foi visto como feio, sujo e desagradável.

Em 1887 a pintura realista já ocupava um lugar de destaque no Salão de Paris, como uma das tentativas - que surgira já na primeira metade do século XIX com os pintores românticos Delacroix e Géricault - de renovar a estética oficial do Salão, da Academia de Belas Artes e o gosto do público.

Na segunda metade do século XIX a presença de pintores como Manet, Courbet e Millet já apresentavam uma alteração iconográfica na pintura francesa (com a figuração de pessoas do povo, temas camponeses e nus, todos a partir de uma representação de caráter realista), com temas muitas vezes relacionados à literatura de Zola e Victor Hugo, nem sempre bem recebidos pelos jurados, imprensa e público.

O mesmo quadro de Sívori foi apresentado na Argentina, na Sociedad Estímulo de Bellas Artes, em 1888. A recepção não foi também positiva. O quadro tornou-se objeto de uma enorme polêmica na imprensa que qualificou a pintura de “indecente” e “pornográfica”. Em resposta, a reação de intelectuais e artistas acabou criando uma unidade em defesa da renovação da pintura moderna argentina.



O quadro O despertar da empregada doméstica tem como base uma imagem fotográfica. Há algumas diferenças entre as duas imagens. Não podemos saber se as alterações aconteceram para a exposição de Paris ou, em função das críticas após a apresentação francesa, ao ser enviado para a exposição na Argentina o artista teria retirado os elementos mais perturbadores.

Na fotografia, podemos ver sobre a mesa uma jarra e uma bandeja (elementos de higiene), usualmente usado pelas prostitutas após o coito. O que faz a imagem parecer a representação de uma “faubourgienne”, tema muito caro à vanguarda artística, tanto literária como das artes plásticas.

Na tela, esses elementos foram substituídos por um candelabro com uma vela, o que não fez com que a obra deixasse de ser classificada como a representação de uma prostituta e considerada pornográfica.

O que pode ter acontecido (uma suposição) é que a transformação do tema da “prostituta”, emergente no Salão de Paris, para o “tema social da criada”, pode ter sido considerado pelo artista para diminuir a crítica sobre a obra no momento de sua exposição na Argentina.

O tema do nu popular, de qualquer forma, já era em si mesmo um afronta à delicada pintura acadêmica dos nus mitológicos. Sabemos da recepção negativa dos nus de Manet e Courbet nos Salões de Paris.



A afronta do quadro de Sívori está relacionado à mesma questão que envolvia os escandalosos nus realistas franceses. Por exemplo, o quadro As Banhistas de Courbet, de 1853, provocou escândalo no Salão do mesmo ano, não só pela obesidade chocante do nu, mas por representar uma personagem de classe média, incompatível com as exigências da representação distanciada do real dos nus idealizados. Outra questão é que, como crítica à tradição da pintura acadêmica, Courbet elevava o tema da classe média ao nível da pintura histórica. Ainda havia o desrespeito à beleza, que agredia o regulamento da pintura dos Salões. E uma possível ironia nos gestos clássicos da moça e que se repetem na sua criada, satirizando o tema das "Dianas ao banho".

No quadro de Sívori é apresentada uma jovem da classe trabalhadora, num ambiente com mobiliários simples, com roupas amontoadas sobre a cama. Ela parece estar começando a se vestir. A expressão crua da materialidade do nu, este corpo que se apresenta ao espectador voyer em sua nudez poderosa, real, afirma o peso erótico da carne, em volumosos seios, braços e pernas. É como se violássemos a intimidade da criada, no seu despertar.

O quadro expõe o corpo sob uma luz que se deita sobre seu tronco e pernas, deixando os outros elementos numa leve penumbra. Seu rosto e penteados aparecem mais nítidos na fotografia do que na tela. O que reforça a presença corporal é, sem dúvida, o foco de luz que a ilumina provindo da esquerda em contraste ao fundo mais escuro da parede. O rosto ensimesmado está atento à meia que prepara para calçar. As pernas cruzadas uma sobre a outra reforçam a presença dos volumes do quadril. Os pés são pesados, podemos até dizer que são “toscos” ou maltratados, diferente das representações delicadas da pintura clássica. A pele tende ao escuro, o oposto da pintura marmórea de uma Vênus de Cabanel, apresentando variação do tom de cor em função do jogo de luz. O púbis encontra-se escondido entre as pernas cruzadas, o que não reduz a sensação de nudez absoluta da personagem no quadro.



Por causa dessa tela, Sívori é considerado o introdutor e um dos expoentes importantes do realismo pictórico argentino no final do século XIX. Filho de genovês, comerciantes ricos e armadores, entrou em contato com a pintura nos museus da Europa, onde o negócio da família o levara. Juntamente com seu irmão Alejandro, Eduardo Sívori é o grande promotor da criação da Sociedade Estímulo de Bellas Artes em 1876. Em 1883, ele fez várias colaborações artísticas na La Ilustracion Argentina, publicação fundada por Pedro Bourel. Entusiasta da arte moderna francesa, o destino que escolhe para viver alguns anos é Paris, onde frequenta a Academia Colarossi e estuda com Raphaël Collin, Puvis de Chavannes e Jean-Paul Laurens, este último professor de grande prestígio entre os artistas hispano-americanos que residem na capital francesa.

Em 1887, ele foi admitido pela primeira vez no Salão de Paris com o Le Lever de la bonne. Sívori está novamente presente no Salão de Paris em 1888 com La Mort d'un paysan e Sans famille; em 1889, com Dolce far niente e Femmes médécins; e em 1890 com Près du feu. Ele participou da Exposição Universal de 1889 e, dois anos depois, retornou a Buenos Aires, onde fez parte do grupo de artistas e intelectuais que, em 1892, fundou o Athenaeum, cujo primeiro salão, organizado no ano seguinte, oficiou como júri e expositor apresentando seis obras. Em 1894, Sívori expôs no segundo salão da Ateneo Coquetterie, Entre dos Luces e Las Guachitas, este um dos poucos trabalhos vendidos em toda a exposição.

No final do século, sua pintura tornou-se luminosa e radiante, afastando-se cada vez mais da natureza naturalista de seus primeiros trabalhos. Por outro lado, ele é reconhecido como um dos primeiros artistas argentinos a se aventurar na técnica de gravura.

Em 1905, sendo presidente da Sociedade de Estímulos, organizou a transferência para o Estado Nacional da Escola de Belas Artes fundada em 1876 por essa instituição. A Escola passou a se chamar Academia Nacional de Belas Artes, e Sívori é seu primeiro diretor adjunto, acompanhando Ernesto de la Cárcova, que é diretor. Posteriormente, ele atua como representante da Comissão Nacional de Belas Artes, dependente da entidade dedicada à organização das comemorações dos cem anos da Revolução de Maio. Esta comissão prepara a Exposição Internacional de Arte do Centenário, aberta ao público em 1910.

Artista prolífico, continuou pintando e enviando obras para os Salões Nacionais desde a sua fundação em 1911 até o ano de sua morte, que ocorreu em 1918.

O quadro O despertar da empregada doméstica encontra-se hoje no Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires.


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 21/7/2020

Quem leu este, também leu esse(s):
01. 2021, o ano da inveja de Luís Fernando Amâncio
02. Nem capitalismo, nem socialismo, nem morte de Marcelo Spalding
03. Meu nome é Gavião... de Félix Maier
04. Reminiscências de um campeão de Eduardo Carvalho


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti em 2020
01. Um nu “escandaloso” de Eduardo Sívori - 21/7/2020
02. A pintura do caos, de Kate Manhães - 8/9/2020
03. Entrevista com o tradutor Oleg Andréev Almeida - 7/4/2020
04. Casa, poemas de Mário Alex Rosa - 8/12/2020
05. Entrevista com Gerald Thomas - 7/1/2020


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Cabeça Cortada de Dona Justa
Rosa Amanda Strausz (dedicatória da Autora)
Rocco
(2022)



Livro Religião O Céu e o Inferno Ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo
Allan Kardec
Lake
(1999)



Despertando para Sonhar e Poeira de Estrelas
Eduardo Bakr
Nova Fronteira
(2005)



Genealogias
Elisabeth Roudinesco
Relume Dumará
(1995)



O que há de estanho em mim 545
Gayle Forman
Arqueiro
(2016)



Livro Ardente Paciência
Antonio Skarmeta
Circo das Letras



Ponto de Origem
Nancy Osa
Nemo
(2016)



Modernização dos Portos
Carlos Tavares de Oliveira 4ª Edição
Aduaneiras/anhanguera
(2007)



Tempestade de Guerra
Victoria Aveyard
Seguinte
(2019)



Pt na Encruzilhada: Social-democracia, Demagogia Ou Revolução
Denis L Rosenfield
Leitura XXI
(2002)





busca | avançada
63685 visitas/dia
1,7 milhão/mês