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COLUNAS
Terça-feira,
8/12/2020
Casa, poemas de Mário Alex Rosa
Jardel Dias Cavalcanti
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Só mora com intensidade aquele que soube encolher-se. (Bachelard)
“É preciso estar presente, presente à imagem no minuto da imagem”. Esta frase de Bachelard resume bem o livro Casa, do poeta Mário Alex Rosa, recém publicado pela editora Impressões de Minas.
Para Bachelard, a imagem poética advém de uma “ontologia direta”. A imagem não é, portanto, o substituto do objeto, mas o ato da consciência criadora, daquela “consciência ingênua” que capta uma novidade naquilo que aparentemente já foi visto e revisto. Eis a casa, transformada em ato poético, a partir da percepção de suas ressonâncias, dispersas aqui e ali, mas que para o poeta torna-se o momento de inaugurar uma forma.
Sabemos o quanto são insuficientes os dados do saber na dádiva que é a constituição feliz de uma imagem poética. Não serão os “circuitos do saber” que apreenderão a casa, que darão forma ao que é percebido pela sensibilidade do poeta. Para espacializar as variadas ressonâncias dentro do verso é preciso que a constituição da imagem revele a intimidade exterior dos objetos, dos cantos e recantos da casa e dos que a habitam. Não se trata aqui de “verdade interior” dos objetos, mas de sua significância enquanto exterioridade imagética: o ovo estalado numa frigideira se torna um sol (com o complemento de outro poeta, Ronald Polito, que prefacia o livro numa colaboração crítica criativa, ampliando a imagem para o sol “gema que surge entre nuvens”).
A casa é habitada por objetos, seres e as próprias sensações do morador-poeta. Tudo isso liquidificado em substâncias poéticas: do voo rasante de um pernilongo ao passeio de uma formiguinha num grão de açúcar ou a sensação da água e do sabão no momento de se lavar as mãos. Além dos objetos, há o espaço e há também o tempo, transformados em imagem, sejam as horas do dia ou as horas da noite, seja o efeito da luz ou dos sons, ou as estações do ano transformadas em espera do tempo futuro.

O fato dos poemas parecerem haicais (sempre em três versos) diz respeito à esse aprisionamento do olhar dentro de espaços apertados. Cada um desses espaços é percebido como particular, seja a sala, a cozinha, o quarto, o banheiro ou a lavanderia. E dentro da particularidade de cada espaço, os objetos ganham maior visibilidade e sobre eles o olho se concentra com mais agudeza e a consciência a eles se cola.
E reduzido a uma movimentação precisa - dentro de uma temporalidade de longe durée, como diria o historiador Fernand Braudel, dentro de “temporalidades estruturais e plurais” em espaços contíguos e que permitem a não dispersividade e uma maior atenção a tudo que compõe a casa -, o zoom sobre os objetos (e às próprias sensações) ao qual o olho (e o espírito) se prende transforma essas reservas de intimidade em imagens sintéticas, rápidas, como instantâneos que um fotógrafo cometeria. A modelagem dos poemas em pequenos concentrados de palavras-imagens nos faz pensar também nos jograis infantis onde a palavra era lançada à categoria de objeto, ela também, brinquedo.
A casa que vai ganhando voz: com objetos que decidem resmungar, desenhos que são sugeridos pelo travesseiro de letras ou por uma fruteira colorida, a movimentação silenciosa de um aperto de mão entre amantes, a insônia que não impede o devaneio, as cadeiras solitárias enchendo a mesa de ausência, a roupa no varal esperando um novo tempo... A casa virou imagem poética, ou seja, a imaginação inquietou-se num mundo que parecia fechado em si mesmo, abrindo-se num voo de asa aberta para a arquitetura ampla da imaginação. “se acaso sair/ de casa/ só voo de asa”.
Para os leitores, algumas dessas pérolas do livro Casa:
folhas verdes
de vento em vento
amarelam com o tempo
luz na tv
sozinha ilumina
solidão no escuro
entre as mãos
água e sabão
vão

Para ir além:
ROSA, Mário Alex. Casa. Belo Horizonte: Impressões de Minas, 2020.
Encomendas pelo site: www.impressõesdeminas.com.br
Ilustrações da resenha: desenhos de Egon Schiele
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
8/12/2020
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