Eu, o insular Napumoceno | Renato Alessandro dos Santos | Digestivo Cultural

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Terça-feira, 15/2/2022
Eu, o insular Napumoceno
Renato Alessandro dos Santos
+ de 7100 Acessos

Meu nome é Napumoceno da Silva Araújo.

Sou protagonista de O testamento do Sr. Napumoceno. Quem me deu vida foi Germano Almeida, escritor de Cabo Verde, país meu e dele, nosso, enfim. Nosso porque, de 1460 a 1975, durante 515 anos, foi dos portugueses. Onde já se viu? Um país daquele tamanhinho, mesmo que 22 ou 23 vezes maior que o nosso, querer nos pôr arreio, e por tanto tempo! O curioso é que os portugueses, em sua maioria, viviam em rédeas curtas, no final, desafiando os caprichos do Salazar, e com isso tinham uma vida pautada pela submissão também, e me pergunto – e lamento o estado de ser da natureza humana – como podiam eles nos privar de liberdade e de soberania quando passavam, dentro de casa, praticamente, a mesma coisa? Gente é bicho esquisito, cheio de contradições.

Mas eu, enfim. O Germano me pôs nisso e cá estamos. Escrevi meu testamento em 1974, dez anos antes de minha morte. No além, me contaram que a vida de uma pessoa é cheia de pontos luminosos, e esses pontos não são tantos assim, no que diz respeito a mim, mas tenho lá momentos que sempre acreditei importantes e, por isso, em vez de dar lume a um testamento convencional, resolvi reunir a praticidade que sempre orientou meus dias e escrever um livro, um testamento. O Germano, então, fez um romance, usando a ficção para registrar a vida que fez de mim um dos mais notáveis homens de meu país. Meu país! Vocês o conhecem?

Mário Prata conseguiu o impossível, ó pah! Pois ele não falou de Cabo Verde, em 1996, para os leitores brasileiros, com aquele mesmo sorrisinho que a Monalisa tem?! Olha o que ele fez, na apresentação do livro do Germano:

Existe o mundo. No mundo, tem a África. Na África existe um arquipélago, um país, chamado Cabo Verde. São dez ilhas. A mais distante do continente chama-se São Vicente. Na ilha de São Vicente tem a cidade de Mindelo. Em Mindelo tem um bairro afastado chamado Boa Vista. Em Boa Vista existia um tal de senhor Napumoceno da Silva Araújo, criação de um tal de Germano Almeida.

Mário Prata foi, também, guião, quer dizer, roteirista, do filme que saiu do livro que saiu do meu testamento. Meu testamento! Os poucos pontos luminosos enumero-os aqui. Cabem nos dedos da mão: 1) minha vinda para a ilha de São Vicente (trocando a enxada pelos negócios); 2) o lucro que obtive com a maior venda de guarda-chuvas da história de Cabo Verde; 3) o nascimento de Graça, minha filha (de quem, em vida, nunca reconheci a paternidade); 4) minha passagem meteórica e quiçá, vá lá, oportuna pela política; 5) Adélia, a quem deixei apenas Só, de Nobre, como herança. Contando assim, a coisa toda parece meio sem graça, mas Germano soube dar acabamento literário, com engenho e arte, às poucas mais de 150 páginas do livro seu, cuja estrela sou eu, nunca é demais repetir.

Por exemplo: as transições que usa da terceira para a primeira pessoa. Sei que Saramago – ele mesmo me conta, aqui, no éter da eternidade – aprontou das suas. “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”, me fica repetindo toda hora. Já entendi, Zé. Saramago fez muito disso, isto é, passar de um narrador a outro, praticamente fundindo-os como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ai, Zé... Parece loucura? Oi? Se ele fez assim, por que Almeidinha não poderia? Olha um exemplo aqui: começa onisciente e, de repente, é o safado do meu sobrinho que continua o discurso:

O espírito exigentemente honesto do sr. Napumoceno levou-o a reconhecer no testamento que sem dúvida alguma foi Carlos quem impulsionou e diversificou a importação da firma para produtos até lá desconhecidos do mercado local mas cuja colocação se mostrou logo garantida. Evidentemente que a Araújo deve continuar com o seu arroz, o seu açúcar e as suas latas de banha, mas, meu caro tio, o mundo já é outro, a cidade já tem outras necessidades e é preciso aproveitar, não ficar no ramerrame.

Duas coisas aí: a firma e meu sobrinho Carlos. A firma Araújo, Ltda., que criei e que me criou como o fui aos olhos de toda a população do Mindelo. Deu-me posses, nome, importância. A outra coisa: Carlos. Achava que seria meu único herdeiro! E podem imaginar sua surpresa quando descobriu que, do mar todo, levaria para casa apenas umas conchinhas? Gostava dele, trabalhou pra mim na firma; era fincado e mourejado, mas, armado em homem fino, o parvo queria me pôr de lado nos negócios e tocar o barco. Sem mim! A gota d’água veio com um disparate! Um dia, atirou-me um monte de asneiras não na cara, que ele não foi homem pra isso, mas no gravador de mensagens que eu trouxe dos EUA. Não suportei.

Quando ouvi a gravação, fiquei gira! Mandei-o embora e, das coisas que disse a meu respeito, não que não tivesse lá alguma razão, vá lá, mas um homem decente tem de saber a hora de falar e a hora de calar. Não calou e se deu mal. Creio que o pior de tudo foi ele ter dito o que disse não me olhando nos olhos, mas para uma máquina eletrônica! Muitos leitores do livro do Germano, como o Renato, aspirante a médium que psicografa este texto, viram que não fui tão cordeiro como parecia às gentes que, comigo, fizeram negócios. O caráter e a memória confundem e turvam as águas do tempo, mas, das duas, uma: os que sentiram a minha falta choraram por mim; os que não me queriam bem pagaram-me com um piparote à la Cubas, também na eternidade etérea cá comigo, não é, meu Brás? Gostaria de dizer, também, que ainda penso muito em Adélia. Ah, Adélia...

Por último, Germano, Renato e quem mais vier a este lado do paraíso gorjear um dia ― até mesmo tu, leitor ou leitora em tua última diáspora ―, venham cá para uma visitinha ao amigo. Só peço isto: não se esqueçam de me trazer um dedinho daquela cachaça dourada de estalar os beiços, por favor. Ah, e tragam também um punhadinho de terra lá do Mindelo.


Renato Alessandro dos Santos
Batatais, 15/2/2022

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